Wajngarten liga Bolsonaro a omissão na compra de vacinas da Pfizer em sessão tumultuada da CPI

Ex-secretário de Comunicação se contradiz e afirma que proposta da farmacêutica ficou dois meses sem resposta do Governo. Relator da comissão, Renan Calheiros pede sua prisão e bate boca com Flávio Bolsonaro

O ex-secretário de Comunicação do Planalto Fabio Wajngarten, observa o presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz.Eraldo Peres (AP)

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O depoimento do ex-chefe da comunicação do Governo Jair Bolsonaro na CPI da Pandemia elevou a temperatura dos debates no dia mais tumultuado da comissão até agora. O que era para ser um movimento calculado pelo Planalto com um fiel defensor do presidente o isentando de culpa na gestão da crise de covid-19 acabou sendo um tiro que saiu pela culatra. Fabio Wajngarten foi ameaçado de prisão pelo relator Renan Calheiros depois de mentir e se contradizer ao longo de quase dez horas de depoimento. De quebra, o ex-secretário especial de Comunicação acabou por colar em Jair Bolsonaro parte da culpa por ter ignorado uma oferta de vacinas da Pfizer no mês de setembro do ano passado. A falta de investimentos em imunizantes por parte do atual Governo é uma das principais linhas da acusação na CPI liderada por Calheiros.

Wajngarten deixou a Secretaria Especial de Comunicação em março. No mês seguinte ele concedeu uma entrevista à revista Veja na qual atribuiu a condução equivocada da pandemia de coronavírus à equipe do Ministério da Saúde que era comandada pelo general Eduardo Pazuelllo. Foi por causa desta entrevista que ele foi convocado como uma espécie de homem-bomba capaz de complicar o Governo. Inicialmente, suas falas iam no sentido de blindar Bolsonaro e, surpreendentemente, também Pazuello. Por fim, depois de tantos questionamentos, ele acabou confirmando a trama envolvendo a Pfizer.

Em 12 de setembro daquele mês a farmacêutica enviou uma carta ao Governo oferecendo imunizantes. O documento fora entregue a seis pessoas: o presidente Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão, ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Foster, e aos então ministros Paulo Guedes (Economia), Eduardo Pazuello (Saúde) e Walter Braga Netto (Casa Civil). A carta ficou sem qualquer resposta formal até 9 de novembro, quando Wajngarten ficou sabendo por intermédio do dono da emissora RedeTV!, Marcelo de Carvalho, que a Pfizer ainda esperava qualquer manifestação do Governo.

Segundo seu relato, o então secretário de Comunicação enviou um e-mail para a sede da Pfizer em Nova York informando que teve acesso ao documento ―disponibilizado à CPI nesta quarta. No mesmo dia 9 de novembro, pouco tempo depois de enviar a mensagem, recebeu uma ligação de Carlos Murillo, então gerente-geral da farmacêutica no Brasil. De acordo com o que contou à comissão, ele levou o telefone ao gabinete do presidente Bolsonaro, que estava em reunião com o ministro Paulo Guedes e ambos conversaram com Murillo. “O presidente foi informado no primeiro momento”, disse o ex-secretário. Nenhum deles justificou a razão de não terem dado resposta alguma. Guedes, teria dito apenas que esse era “o caminho” e Bolsonaro, reforçado que qualquer imunizante seria comprado desde que aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nesta quinta-feira, parte do que foi discutido por Wajngarten será confrontado com os dados da farmacêutica Pfizer. Serão ouvidos pela CPI o presidente da farmacêutica na América Latina, o chileno Carlos Murillo, que até novembro do ano passado era o gerente-geral da companhia no Brasil, e a sucessora dele neste cargo, a espanhola Marta Díez.

Ao longo desta quarta-feira, os senadores conseguiram extrair do depoimento de Wajngarten informações que embasam duas das linhas de investigação que a CPI quer apontar, a de que Bolsonaro não comprou imunizantes com antecedência, diante da falta de respostas à oferta da Pfizer, e que insistiu na tese de que os brasileiros estariam protegidos diante de uma imunidade de rebanho, ao desincentivar medidas de restrição de circulação por meio propaganda governamental. Este segundo caso, acabou gerando um pedido de prisão por parte do senador Renan Calheiros (MDB-AL), o relator da CPI.

O emedebista entendeu que Wajngarten teria cometido o crime de falso testemunho primeiro negar a existência de uma peça publicitária intitulada “O Brasil não pode parar”, que estimulava as pessoas a trabalharem presencialmente, mesmo com a pandemia. O vídeo chegou a ser publicado em perfis da Secretaria de Comunicação em redes sociais e no site oficial do Governo, mas diante da repercussão negativa e antes mesmo de uma proibição assinada pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, acabou apagada.

Wajngarten primeiro disse que desconhecia o vídeo. Depois, afirmou que ele foi feito de forma experimental e não teve autorização para ser divulgado. Por fim, depois de tantas idas e vindas, afirmou que, de repente, lembrou-se que o ministro da Luiz Eduardo Ramos, que era seu superior hierárquico na Secretaria de Governo, divulgou o vídeo para um grupo de ministros. “Pelo que entendi, ele [Ramos] disparou para o grupo de ministros e, de lá, eu não sei mais o que aconteceu”, disse.

“O espetáculo de mentiras que nós vimos hoje aqui é algo que não vai se repetir, e não pode servir de precedente”, disse Renan após anunciar que solicitaria a prisão de Wajngarten. Ao longo da tarde, o ex-chefe da Comunicação ainda cometeu ao menos mais duas contradições. Primeiro, ele disse que teve três reuniões presenciais com representantes da Pfizer em Brasília e que todas constavam de sua agenda pública oficial, quando na verdade, não estavam. A segunda, quando afirmou que não negociou a compra das vacinas com a farmacêutica, e tampouco que sabia de valores a serem pagos pela dose dos imunizantes. Na entrevista à Veja, contudo, ele sinaliza que teve acesso aos preços cobrados pela empresa.

“As negociações avançaram muito. Os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos dez dólares. Só para se ter uma ideia, Israel pagou 30 dólares para receber as vacinas primeiro”, afirmou Wajngarten à revista semanal.

Por um instante, houve a sensação de que Wajngarten sairia preso da comissão. Assim como em tribunais, nas CPIs, as testemunhas não podem mentir ou se negarem a responder a questionamentos, apenas investigados podem. Quando o clima esquentou, já no fim da tarde, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), apareceu para tumultuar e criar uma narrativa para sua fervorosa militância de sua família nas redes sociais. “Imagina um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”. A fala de Flávio acabou sendo reproduzida pelo perfil oficial de Bolsonaro no Twitter.

O bate-boca prosseguiu, com a resposta de Renan. “Vagabundo é você que roubava dinheiro das pessoas do seu gabinete”, disse o emedebista em alusão ao escândalo da rachadinha do qual Flávio é suspeito de comandar enquanto era deputado estadual no Rio de Janeiro. A sessão foi temporariamente suspensa.

Por fim, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu que não prenderia Wajngarten, mas encaminhou sua oitiva ao Ministério Público Federal para que um procurador avaliasse se ele cometeu o crime de falso testemunho. “Eu não sou carcereiro de ninguém. Eu sou um democrata. Se ele mentiu, nós temos no relatório como pedir o indiciamento dele, mandar para o Ministério Público para ele ser preso, mas não por mim”, afirmou. Em tom professoral, Aziz ainda disse que o pior para Wajngarten não seria sua prisão, mas a perda de credibilidade. “Não pense que o pior na sua vida seria a prisão hoje. Não seria. O pior é o legado que você construiu com muito trabalho, e que você perdeu hoje aqui nesta CPI”.

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