CPI no Senado pressiona Bolsonaro pela primeira vez na pandemia, que escala com 400.000 mortos e escassez de vacinas
Comissão prepara artilharia contra o presidente, que sofre derrota judicial na tentativa de atravancar as investigações
Sempre que o Brasil atingiu trágicas marcas de centenas de milhares de mortos pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seguia seu velho roteiro de priorizar a economia, criticar medidas de restrição de circulação, valorizar medicamentos sabidamente ineficazes contra a doença e de flanar sem máscara provocando aglomerações. Sem falar de quando minimizou as perdas e menosprezou a gravidade da crise. Nesta quinta-feira, quando o país ultrapassa os 400.000 mortos, Bolsonaro pouco mudou, mas, pela primeira vez nos últimos 13 meses de pandemia, ele sente a pressão de uma apuração que tem o potencial de desgastar sua imagem pelos próximos meses e colar nele a responsabilidade por parte do maior morticínio enfrentado pelo país ―ao menos para parte da população, já que, até o momento, o Planalto retém a aprovação de em torno de 30% da população.
A CPI da Covid prepara uma artilharia pesada contra o presidente. Nesta quinta-feira, durante a sua segunda reunião, os senadores aprovaram 310 requerimentos que pretendem esmiuçar a ação do Governo no combate à pandemia. Entre os pedidos dos congressistas, há a tentativa de entender as razões que levaram o Governo a não comprar 70 milhões de vacinas da Pfizer entre agosto e setembro do ano passado ou que por razões estritamente políticas tenha atravancado as negociações com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac, em parceria com a chinesa Sinovac.
Há duas estratégias dos oposicionistas, até o momento, mostrar que Bolsonaro e sua equipe foram omissos e atrasados na aquisição de vacinas, assim como teriam estimulado a contaminação massiva dos brasileiros, incentivando que a população não parasse de trabalhar, não se isolasse, se infectasse e, desta maneira, atingisse a tão propalada imunidade de rebanho. Nesse sentido, há um pedido até sobre o itinerário que o presidente fez em seus passeios fora da agenda oficial no Distrito Federal. Em quase todos, ele estava sem máscara e promoveu aglomerações.
Diante de um país que já emite alertas para uma terceira onda de contaminações e que em apenas 35 dias atingiu mais 100.000 mortos ―os 300.000 casos foram registrados em 24 de março―, fica cada vez mais evidente que a tática governista não tem dado certo. Entre a catástrofe de março e a de agora, Bolsonaro promoveu uma minirreforma ministerial, que defenestrou o chanceler Ernesto Araújo, um ideólogo que pouco ajudou na importação de vacinas e insumos, e empossou Carlos França. De largada, o novo ministro já mudou a postura do país, passou a reconhecer a gravidade da pandemia e dá sinais de que a política exterior deve passar por mudanças, ainda que dependa de um direcionamento de Bolsonaro.
Na prática, por enquanto, não houve avanços. A mudança de ministros até o momento não resultou na aquisição de mais vacinas. Essa, por exemplo, é uma das queixas dos bolsonaristas na comissão. “Quantas vacinas esta CPI vai aplicar no braço da população?”, indagou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nesta semana.
Com uma diminuta tropa de choque (só 4 dos 11 membros do colegiado), o Governo segue tentando dificultar o trabalho da CPI. Mas não tem obtido vitórias. Nesta quinta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), recusou um pedido feito por senadores governistas de afastar Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA), das investigações. Calheiros é o relator do processo e comemorou a decisão e tem dito que não investigará pessoas ou instituições, mas sim os fatos. “Só devem ter preocupação os aliados do vírus. Quem não foi aliado do vírus, não deve ter nenhuma preocupação”, disse o relator em tom irônico ao apresentar o plano de trabalho.
Outro caminho do Governo na tentativa de barrar as apurações é o de investigar prefeitos e governadores, ampliando o espectro e desvirtuando o foco. “Não queremos fazer dessa CPI uma CPI do fim do mundo que chegue a mundo algum. É interesse nosso que essa CPI chegue a bom termo”, afirmou o vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Houve uma tentativa de dispersão do foco da CPI. O que a sociedade vai entender se nós investigarmos menos que o fato determinado?”, complementou Calheiros.
Os senadores bolsonaristas também tentarão convocar os médicos e cientistas que defenderam o tratamento com cloroquina ou outras drogas comprovadamente ineficazes contra o coronavírus como estratégia para dizer que Bolsonaro não agiu sem apoio de profissionais da área de saúde. Por ora, esses pedidos não foram analisados.
Para a próxima semana, falarão como testemunhas os três ex-ministros da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga, e o presidente da Agência Nacional de Vigilância em Saúde, Antônio Barra Torres. Ao convocar esses políticos como testemunhas e não como investigados, os senadores querem evitar que eles mintam ou se calem. Quando se é investigado por uma CPI, o depoente pode se negar a responder qualquer questionamento para não se autoincriminar. Já a testemunha, tem a obrigação de dizer a verdade.
Quem tem se aliado indiretamente ao Governo na tentativa de ampliar o foco da investigação é o Ministério Público Federal. Na linha do que defende Bolsonaro, a subprocuradora da República Lindôra Araújo enviou um ofício aos governos estaduais questionando sobre o emprego de verbas federais no combate à pandemia. Nesta quinta-feira, os nove governadores da região Nordeste, pediram o afastamento de Araújo do Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19, vinculado diretamente ao procurador-geral da República, Augusto Aras.
E, se os governistas têm recorrido à Justiça, os opositores também não fecharam esse caminho. Atendendo a um pedido da REDE, o ministro Lewandowski determinou nesta quinta-feira que o Ministério da Saúde apresente um cronograma atualizado da vacinação. A imunização em marcha lenta é uma das marcas da atual gestão. Enfim, a tendência é que a política e o Judiciário sigam entrelaçados na crise por um longo período.
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