São Paulo já tem 32 cidades em colapso, mas ainda estuda medidas mais duras para restringir a circulação

Secretário da Saúde diz que Estado “não dá conta” de abrir leitos na mesma velocidade de transmissão da covid-19. Governo mantém todas as cidades na fase vermelha e discute se aumenta restrições. Situação do Estado mais rico espelha Brasil, que ultrapassou a marca de 2.000 mortes registradas num dia

Pessoas caminham na rua 25 de Março no primeiro dia da fase vermelha em São Paulo.Sebastião Moreira (EFE)

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No cenário em que 32 municípios paulistas já viram seus sistemas de saúde colapsarem por conta da pandemia, o Governo de São Paulo ainda estuda aumentar as restrições da quarentena para tentar conter a crise. As autoridades sanitárias apontam que não têm conseguido abrir leitos na mesma velocidade com a qual cresce o contágio e as internações hospitalares. Há uma demanda diária de 130 internações em leitos de terapia intensiva, e o governador João Doria admite que a situação é grave. Desde janeiro especialistas alertam para a situação e criticam o ritmo lento do aumento das medidas de restrição tomadas pelo Governo para frear o contágio. Atualmente, todo o Estado encontra-se na fase vermelha, a mais restritiva do plano de flexibilização, mas cujas regras foram alteradas e passaram a permitir também os cultos religiosos presenciais e a abertura das escolas. Doria diz que as decisões sobre a quarentena seguem as orientações do seu Centro de Contingência, por consenso entre os participantes ou maioria de votos. O grupo discute a possibilidade de criar uma nova fase no plano de contenção da pandemia, que conteria medidas mais austeras, há semanas, mas ainda está dividido. Uma posição deve ser anunciada nesta quinta.

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“Se for o caso, o governador vai anunciar novas medidas. Tudo indica que sim”, afirmou o coordenador do grupo, Paulo Menezes, durante coletiva de imprensa nesta quarta (10). Ele ponderou que o Estado entrou na fase vermelha há uma semana e que são necessárias pelo menos duas outras semanas para que os reflexos apareçam nos números da pandemia, mas defendeu a necessidade de aumentar os índices de isolamento no Estado neste momento crítico. Pela primeira vez na crise sanitária, há pacientes na espera por leitos de UTI em várias cidades paulistas. Ao menos 30 pessoas já morreram na fila paulista. A situação do Estado mais rico do Brasil espelha a crise simultânea no país, que ultrapassou a marca de 2.000 mortes registradas em apenas um dia.

“O que nós precisamos é reduzir o contato entre as pessoas, e isso se faz ficando em casa. Tivemos um resultado positivo nesta primeira semana pelo aumento de isolamento”, pontuou Menezes. Segundo o Governo, as taxas de isolamento em São Paulo cresceram entre 3% e 4% nesta semana, mas ainda é preciso ampliá-las. Uma decisão do Tribunal de Justiça desta terça (9) impediu a convocação de professores e funcionários para atividades presenciais nas escolas durante as fases laranja e vermelha no Plano São Paulo, mas ainda cabe recurso. No mesmo dia, o procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, recomendou a suspensão de eventos esportivos pela gravidade da pandemia. O Governo diz não descartar adotar medidas como estas, que estão na mesa de discussão do Centro de Contingência.

As principais ações anunciadas nesta quarta (10), porém, estão direcionadas à abertura de mais leitos clínicos e de UTI ―serão 338, sendo 167 de terapia intensiva― para dar assistência às pessoas que já estão com a doença. Sem efeitos para conseguir desacelerar o contágio, esta é uma tentativa de minimizar um sistema de saúde que, segundo as autoridades, beira o colapso. O Estado prevê chegar em abril a um total de 9.200 vagas até abril, perto do triplo dos 3.500 leitos que tinha antes da pandemia. Parte dos novos leitos está sendo criada em estruturas temporárias como unidades de pronto-atendimento e ampliação de hospitais.

A ação, no entanto, tem limitações. “Nós estamos aumentando da forma que conseguimos. Quando eu falo de aumentar número de leitos, não é simplesmente um colchão, uma cama e um respirador. É, além disso, uma equipe que vai dar assistência a esse paciente. Por isso, não abro leito de UTI de um dia pro outro. Estamos dando o máximo pra abrir”, diz o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn. A demanda de pacientes está tão alta que as autoridades sanitárias paulistas admitem que o Estado mais rico do país corre o risco de ver seu sistema de saúde colapsar. “Nós não temos fôlego de abrir na mesma velocidade (da doença) esse número de leitos. Mas temos que dar o máximo de assistência a todos”, admite Gorinchteyn.

Novas variantes e vacina

Segundo o secretário, São Paulo vive desde janeiro “uma nova pandemia”, referindo-se à presença de novas cepas do coronavírus potencialmente mais transmissíveis. Na ocasião, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, anunciou que a Coronavac é eficaz para as novas variantes, mas não apresentou dados. Disse apenas que o resultado dos estudos que mostram a produção de anticorpos neutralizantes para as variantes de preocupação serão divulgados “brevemente”. Tanto ele quanto Gorinchteyn afirmaram que a variante brasileira P1 é mais transmissível e provoca maior gravidade e que estão impactando neste momento crítico da pandemia. O secretário disse que o Estado ainda tem leitos de UTI ―a taxa de ocupação está em 82%―, mas a demanda tem crescido muito. “32 municípios já tiveram seu colapso na assistência e foram resgatados por outros lugares”, afirmou, sem citar detalhes. Gorinchteyn aponta ainda que a Central de Regulação de Ofertas e Serviços da Saúde (Cross) recebeu, nesta quarta (10), 1.930 pedidos de regulações para transferências de leitos e outros procedimentos relacionados à covid-19, uma demanda muito superior à média de 150 observada no início de dezembro. “Desses, 35% são para UTI.”

O governador João Doria voltou a reclamar que o Governo Federal não tem renovado o custeio de leitos de terapia intensiva em São Paulo e em outros Estados, mesmo após uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinar a retomada. “Só 13% dos leitos estão habilitados [ou seja, são pagos pela União], e não é diferente na Bahia, no Maranhão, no Ceará, isso é desobedecer a corte suprema do País”, criticou. Incitado pelo governador a comentar o assunto, Gorinchteyn acrescentou que o Governo deixou de investir mais de 1 bilhão de reais em leitos hospitalares no Estado.

Na última terça (9), São Paulo registrou o recorde de 517 mortes em um dia. Dezenove hospitais estaduais paulistas atingiram 100% da ocupação de leitos de UTI para covid-19, e outros seis estão com taxas superiores a 95%. “Não temos condições de acolher todos ao mesmo tempo. Estamos no nosso limite. Não nos deixem colapsar, nos ajude a ajudá-los”, pede a diretora clínica do Hospital das Clínicas, Eloisa Bonfá. O governador e as demais autoridades sanitárias também pediram cooperação da população para reduzir o distanciamento e consequentemente os contágios. Mas, até o momento, seguem apenas avaliando a possibilidade de um novo decreto com restrições mais duras para salvar vidas quando as vacinas ainda estão escassas.

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