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O veto dos pais nas escolas da Espanha

Estudantes protestam contra veto parental do Vox em Barcelona, nesta sexta-feira.
Estudantes protestam contra veto parental do Vox em Barcelona, nesta sexta-feira.JOSEP LAGO (AFP)
Leila Guerriero

Proposta do veto parental, do Vox da Espanha, presupõe que todo pai sabe com certeza o que é conveniente para seus filhos

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Um partido político, o ultradireitista Vox, promove na Espanha a implementação do veto parental para se opor à “doutrinação em ideologia de gênero que nossos filhos sofrem nos centros educacionais, contra a vontade e contra os princípios morais dos pais”. Propõe que, no caso de qualquer matéria, palestra ou oficina cujo tema “afete questões morais socialmente controversas ou sobre a sexualidade que possam ser intrusivas à consciência e à intimidade de nossos filhos”, seja solicitada uma autorização expressa dos pais. Uma convicção se desprende do texto citado: que todo pai sabe com certeza o que é conveniente para seus filhos e que estes, além disso, devem compartilhar seus princípios morais. É uma ideia estranha.

A Convenção sobre os Direitos da Criança considera meninos e meninas sujeitos de direito e não meros objetos de proteção. Meus pais não pensaram nisso quando penduraram na cama do quarto deles –que lugar– um pergaminho com as palavras de Khalil Gibran: “Teus filhos não são teus filhos. São filhos e filhas da vida (...). Você pode lhes dar seu amor, mas não seus pensamentos. Pois eles têm seus próprios pensamentos”. Eu dizia que meus pais não pensaram nisso quando penduraram o quadrinho porque a Convenção foi assinada em 1989, quando eu já tinha saído daquela casa havia cinco anos, mas principalmente porque eles não eram tão progressistas: na hora de cuidar do hímen e das aparências –idade para ter namorado, comprimento da minissaia– estavam longe desse olhar zen e tentavam impor sua vontade. Minha reação, estrategicamente baseada no quadrinho, era gritar “Eu não sou vocês e faço o que quiser!”. Eu não fiz tudo o que queria. E eles também não. O resultado não foi tão ruim. Mas muitos pagam essa convicção –de que todo pai sabe o que é conveniente para seus filhos– com sangue e saúde psíquica. Em abril de 2019, a ONG Save the Children alertou que uma em cada quatro crianças espanholas sofre violência de seus responsáveis legais: abusos físicos e psicológicos. Em uma de cada quatro famílias os pais se impõem pela força, com a certeza de saber o que é melhor. Porque, como disse Negan em The Walking Dead, temporada 9, “você nunca acha que está do lado dos maus, sempre acha que os seus são os bons”. Eu, por exemplo, penso que os bons foram a minha professora de História que arriscou a pele em abril de 1982 (o tenente-coronel Galtieri, chefe da ditadura que governou a Argentina entre 1976 e 1983, acabara de declarar guerra ao Reino Unido invadindo as Ilhas Malvinas), quando nos disse: “Hoje não daremos aula. Vamos falar sobre por que essa guerra é a loucura de um demente." Ou a minha professora de Filosofia que, diante do estupor de todos, defendeu perante as autoridades uma colega grávida que os pais haviam espancado por ter engravidado. Ou a que sugeriu que, se eu não quisesse ver a escolta da bandeira e ir a eventos oficiais (eu não queria), que pintasse minhas unhas de vermelho para que não pudessem me obrigar (durante a ditadura, jeans e unhas pintadas eram proibidos na escola). Ou a que nos falou com desprezo dos alunos que tinham escrito uma frase cruel no banheiro masculino dirigida ao nosso professor de desenho, que era gay embora não falasse disso. A educação em minha casa era estimulante, meus pais eram esclarecidos, não eram a favor da ditadura. Mas tampouco estavam de acordo com a perda da virgindade antes do casamento e nem que uma menina de 15 anos pintasse as unhas, e a homossexualidade e a guerra eram coisas que aconteciam com os outros. “Teus verdadeiros educadores (...) te revelam (…) a matéria básica do teu ser, algo que não é suscetível de ser educado ou formado, mas (…) dificilmente acessível, apertado, paralisado: teus educadores não podem ser outra coisa senão teus libertadores”, escreveu Nietzsche. Em plena ditadura, com gestos mínimos, alguns professores me fizeram pensar contra: os meus pais, a época, os preconceitos dos meus pais, os meus. Mas essas são antiguidades. Aqueles que promovem o veto parental são verdadeiros filhos de seu tempo: um tempo em que só se deglutem ideias daqueles que pensam igual, se copula com preconceitos regurgitados e se rumina masturbatoriamente dentro de uma jaula confortável. A escola não é um lugar ideal. Mas costumava ser um lugar onde se esperava que aprendêssemos, entre outras coisas, que o ecossistema familiar não é o único que existe. Não é, sobretudo, um destino ao qual devemos nos submeter. 

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