Covas reafirma poder tucano em São Paulo e vai a segundo turno com Boulos, surpresa da eleição
Prefeito e candidato do PSOL obtêm, respectivamente, 32,85% e 20,24% dos votos. É a primeira vez desde 1988 que o PT não fica nem em segundo lugar. Arthur do Val surpreende e empata com Russomano
O atual prefeito Bruno Covas (PSDB) confirmou a liderança já apontada pelas pesquisas eleitorais e está no segundo turno das eleições, em 29 de novembro. A vitória do tucano, com 32,85% dos votos válidos, já era anunciada pelas pesquisas de opinião. De perfil centrista e moderado, sua gestão da cidade e da pandemia de coronavírus foram premiadas pelo eleitorado. Covas também detém a poderosa máquina eleitoral do PSDB, hoje controlado pelo governador João Doria. Seu adversário será Guilherme Boulos (PSOL), a principal surpresa das eleições municipais em São Paulo. Com mais de 99% das urnas apuradas, o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) conseguiu 20,24% dos votos, pontuação superior à prevista pelo Datafolha (17%) na véspera. A ascensão do psolista, oriundo de um movimento social que atua na base e novato na política institucional, como um dia foi o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, representa um furo no bloqueio do PT dentro da esquerda.
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O resultado em São Paulo também reedita a disputa entre o campo liberal, tradicionalmente representado pelos tucanos nas últimas décadas, e o campo progressista, agora representada pelo PSOL. O ultraconservadorismo, vitorioso em 2018 com Jair Bolsonaro, ficou de fora. Celso Russomano (Republicanos), apoiado pelo presidente, chegou a aparecer em primeiro nas pesquisas em sua quarta tentativa de ser prefeito, mas acabou derretendo na reta final da campanha, outra vez, ficando com 10,50% dos votos. O eleitorado paulistano —50% do qual classifica o Governo Bolsonaro ruim/péssimo, segundo o último Datafolha— preferiu o voto seguro e apostou no velho conhecido PSDB. Ponto para Doria, principal desafeto do presidente e aspirante à presidente em 2022.
Por outro lado, o triunfo de Boulos, que disputou pelo pequeno PSOL, contando com apenas 17 segundos de tempo na televisão, mas fazendo uma campanha nas redes sociais bastante efetiva, marca também o declínio do Partido dos Trabalhadores (PT) numa eleição para cargo Executivo em São Paulo. O candidato do partido, Jilmar Tatto, ficou com apenas 8,65% dos votos, pontuação similar a de Russomano (10,50%) e de Arthur do Val (9,78%). É a primeira vez desde 1988 que o PT não conseguiu ao menos o segundo lugar em uma disputa local.
Convém destacar, porém, que o petista Tatto, assim como o psolista Boulos, obteve um resultado melhor que o previsto nas pesquisas de opinião. Márcio França (PSB), que também reune parte da preferência do eleitorado progressista, ficou com 13,65% dos votos, pontuação similar à prevista pelas pesquisas. São sinais de que o eleitorado de esquerda na capital paulista é mais robusto do que o captado pelas pesquisas de opinião. E de que Boulos, que agora contará com cinco minutos de tempo de rádio e TV de manhã e mais cinco à noite, chega competitivo para o segundo turno. A disputa segue em aberto.
Além de Boulos, Arthur do Val (Patriotas) também surpreendeu nas eleições paulistanas. Coincidência ou não, as pesquisas indicaram sucessivas vezes que os dois candidatos eram os que mais cresciam nas redes sociais ao longo da campanha. Conhecido como Mamãe Falei e membro do Movimento Brasil Livre (MBL), do Val foi eleito deputado estadual em 2018 e decidiu arriscar em eleições para cargo Executivo. Com pouco tempo de propaganda eleitoral gratuita, ficou com votação similar ao de Tatto e Russomano, graças a um discurso afiado em debates e entrevistas aliado a uma efetiva campanha na Internet. Superou a estridente Joice Hasselmann (PSL), que ficou com apenas 1,84% dos votos.
Voto evangélico para Covas, voto jovem para Boulos
A ligação de Russomano com a Igreja Universal, do Bispo Edir Macedo, dono da TV Record, não foi suficiente para manter o eleitorado evangélico e conservador unido em torno de si. As pesquisas das últimas semanas indicavam que essa parcela do eleitorado migrara para Covas, que conseguiu formar ampla aliança com políticos e lideranças de igrejas importantes na Câmara Municipal. Dos 11 evangélicos que são vereadores na Câmara Municipal, 8 fazem parte da bancada de apoio ao atual prefeito, que adotou o slogan “Força, foco e fé” para essa campanha.
Entre os principais aliados do prefeito está o tucano Eduardo Tuma, evangélico ligado à igreja Bola de Neve. “Bruno Covas tem a maior base de vereadores evangélicos que algum prefeito já teve. Com a maior base propondo projetos e ele sancionando isso mostra que ele tem um diálogo muito próximo com o público evangélico”, afirmou o vereador, que faz um trabalho de base muito forte junto ao eleitorado religioso, ao jornal Folha de S. Paulo no final de setembro. Além de Tuma, o vereador e candidato a vice, Ricardo Nunes (MDB), é também político de perfil religioso, ainda que católico.
Se Covas conseguiu a maior parte do voto evangélico e também de baixa renda, as pesquisas indicavam que Boulos tem melhor desempenho os mais jovens —eleitores de 16 a 24 anos e de 25 a 34 anos— e aqueles tem que ensino superior completo. Também apareceu bem posicionado entre aqueles com renda familiar mensal de 5 a 10 salários mínimos e entre quem ganha mais de 10 salários mínimos.
Boulos vem fazendo uma campanha eficiente nas redes sociais, o que ajuda a explicar o apoio do público jovem. A figura do professor e líder de movimento social que abriu mão do conforto da classe média paulistana para morar na periferia, e que se movimenta por São Paulo em um carro popular —o “celtinha prata” que aparece em vídeos, jingles e todo tipo de material de campanha—, foi cuidadosamente construída por sua equipe. De acordo com analistas, esse voto jovem pode ter sido essencial para um resultado melhor que o esperado no primeiro turno, já que as eleições ocorrem em meio a uma pandemia de coronavírus e uma alta abstenção, sobretudo do eleitorado mais velho.