Instituto Butantan repudia suspensão de estudos da Coronavac pela Anvisa e questiona motivação

Governo de São Paulo e autoridades médicas do Instituto reagem com “surpresa” e “indignação” à decisão da Agência e reafirmam segurança da vacina

Uma pesquisadora do SinoVac trabalha em um laboratório de desenvolvimento da Coronavac em Pequim.Ng Han Guan (AP)

O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou em coletiva de imprensa nesta terça-feira que o “evento adverso grave” observado em um voluntário do estudo clínico da Coronavac ―a vacina desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac, não teve relação com o imunizante e que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)― foi notificada disso no dia 6 de novembro. Na noite de segunda-feira, a cúpula do Instituto Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, disse ainda que soube pela imprensa que a Anvisa suspendeu os testes com a vacina, e cujo desenvolvimento está em fase três. “É uma notícia que causa surpresa, insegurança e, no nosso caso, causa até indignação”, disse Covas, sem dissimular sua chateação.

O presidente do Butantan não deu detalhes dos argumentos apresentados pela Anvisa para a suspensão dos testes, limitando-se a dizer que a Agência solicitou informações adicionais sobre o ocorrido. Pelo contrato de confidencialidade com os voluntários do ensaio clínico, e “em respeito aos seus familiares e amigos”, a única informação divulgada é que o voluntário era do centro de estudo do Hospital das Clínicas da USP e o “evento adverso grave” teria ocorrido 25 dias após ele ter participado do teste —não se sabe se ele recebeu a vacina ou um placebo. De acordo com a TV Globo, que obteve o boletim de ocorrência do caso, a causa da morte do voluntário, um homem de 33 anos, teria sido suicídio.

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Covas reiterou que a Coronavac é “a vacina mais segura das que estão em estudo até o momento” e garantiu que os outros voluntários brasileiros que participam do estudo não terão nenhuma reação adversa. Ele também explicou que um “evento adverso” não é o mesmo que “reação adversa”, esta sim geralmente relacionada à própria vacina. Um evento adverso poderia ser um atropelamento, conforme exemplificaram Covas e o secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn: “Uma pessoa é atropelada quando sai de casa e morre —e não estou dizendo que foi esse o caso—, isso é um evento adverso. Isso é reportado, mas é um óbito pelo acidente, pela causa externa, sem nenhuma relação com a vacina”.

Com a decisão da Anvisa, a Coronavac, que continua sendo testadas em outros países —como a própria China e a Indonésia, onde a farmacêutica Bio Farm conduz testes com 1,6 mil pessoas— não pode mais ser aplicada em voluntários brasileiros. “Suspenderam o estudo, causaram medo nas pessoas, fomentaram um ambiente que já não é muito propício pelo fato dessa vacina ser feita em associação com a China. Fomentar isso a troco de quê? Não seria mais justo ligar e falar que reunião estava marcada pra esclarecer isso. Não seria mais justo, ético e compreensível?”, questionou Covas.

Apesar de sua “indignação”, o presidente do Butantan disse que confia e acredita na lisura da Anvisa. "Não quero acreditar que esse episódio represente alguma mudança [na postura técnica]. Vou atribuir isso a uma dificuldade de comunicação, preocupação exagerada e fatores que podem ser resolvidos rapidamente. “Quero acreditar que a Anvisa seja técnica e independente. Desde a sua constituição, essa independência e parte técnica do órgão é fundamental”, disse.

Já João Gabbardo, secretário-executivo do Centro de Contingência do combate ao coronavírus em São Paulo e ex-número 2 do Ministério de Saúde —durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta— criticou, sem mencioná-lo diretamente, a reação do presidente Jair Bolsonaro, que, ao saber da suspensão do estudo clínico, afirmou que “ganhou” de João Doria, governador de São Paulo. “O que nos choca é que enquanto estamos fazendo todo o possível para levar a vacina à população, coincidentemente no mesmo dia em que o Governo anuncia a chegada das primeiras doses da vacina e início de obras no Instituto Butantan, algumas pessoas festejam o fato de ter aparecido um óbito e criado essa confusão para tentar desmoralizar com a vacina que está sendo fabricada e produzida", disse.

Em comunicado divulgado nesta terça, a Sinovac diz que entrou em contato com o Butantan após descobrir sobre a suspensão dos testes pela imprensa. “O diretor do Instituto nos disse que acredita que esse evento adverso grave não tem relação com a vacina. A Sinovac vai continuar falando com o Brasil sobre o assunto. O estudo clínico no Brasil é feito de acordo com o padrão internacional de Boas Práticas Clínicas (GCP, na sigla em inglês) e estamos confiantes na segurança da vacina”, afirmou o laboratório.

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