Milícias já dominam um quarto dos bairros do Rio de Janeiro, com quase 60% do território da cidade

Dados são de estudo inédito que usa números do Disque-Denúncia. Às vésperas das municipais, Polícia Civil cria grupo para combater crime e permitir “eleições livres” na Baixada Fluminense

Uma comunidade do Rio de Janeiro.FABIO MOTTA (EFE)

As milícias cariocas já controlam 25,5% dos bairros do Rio de Janeiro, em um total de 57,5% do território da cidade. As três principais facções criminosas do tráfico de drogas —Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos— possuem juntas o domínio de outros 34,2% dos bairros e 15,4% do território. Ao todo, 3,7 milhões de pessoas vivem em local controlado por algum grupo criminoso, ou o equivalente a 57,1% da população.

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É o que mostra pesquisa inédita sobre a expansão das organizações criminosas na capital fluminense feita pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), datalab Fogo Cruzado; Núcleo de Estudos da Violência da USP; plataforma digital Pista News e o Disque-Denúncia. Os números são de 2019 e de acordo com os pesquisadores impressionam pelo rápido crescimento dos grupos milicianos, que só começaram a se articular no início dos anos 2000. Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigo dos Amigos já estavam formados desde o início da década de 1990.

Para chegar nestes números, os pesquisadores usaram um total de 37.883 denúncias que mencionam milícias ou tráfico de drogas recebidas pelo Disque Denúncia. A partir daí, seguiu-se uma triagem para validação, compondo uma base própria posteriormente classificada segundo o controle dos principais grupos armados do Rio de Janeiro: Comando Vermelho, Terceiro Comando, Amigos dos Amigos e milícias, classificadas no estudo de forma genérica.

A violência gerada pelas milícias é visível no cotidiano da cidade e da região metropolitana. Os exemplos multiplicam-se. Na sexta-feira (16), um confronto entre a polícia e um bando acusado de ser parte de uma milícia terminou em banho de sangue no RJ. Pelo menos 12 milicianos que viajavam em um comboio de carros interceptado pela Polícia Civil na Baixada Fluminense morreram na troca de tiros.

Essa elevação vem no contexto da degradação política do estado. O governador, WIlson Witzel (PSC-RJ), está em pleno processo de impeachment com poucas chances de sobrevivência no cargo, soterrado por suspeitas de desvios na área da Saúde. O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) está em busca de reeleição com sua gestão crivada de denúncias e suspeitas de irregularidades e acabou de ser declarado inelegível, mas pode concorrer até o último recurso. Um de seus principais concorrentes no pleito da capital, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM-RJ), foi denunciado pelo Ministério Público por ter recebido R$ 10,8 milhões em caixa dois na campanha de 2012. A denúncia parte de delações de executivos da Odebrecht na Operação Lava Jato.

Questão central

“A questão do controle territorial é central para entender a questão da segurança pública no Rio de Janeiro”, afirma o pesquisador Daniel Hirata, um dos coordenadores do estudo. “Para pensar qualquer política pública nessa área é fundamental possuir e entender esse mapeamento. A maior parte da população é afetada por essa lógica que rege as disputas entre os grupos criminosos daqui.”

De acordo com o pesquisador, as facções criminosas do tráfico de drogas são mais antigas e ocuparam territórios mais centrais e fragmentados em regiões centrais no Rio de Janeiro. As milícias, por sua vez, atuam em áreas muito populosas no limite da expansão urbana da cidade e região metropolitana.

Outro dado que chama atenção na pesquisa é que 25,2% do território da capital do Rio de Janeiro ainda está em disputa por facções criminosas. É um território onde vivem 2,6 milhões de pessoas, ou 41,4% da população da cidade. Assim, 98,1% do território municipal está ocupado ou em disputa por organizações criminosas, indica o estudo. Ao todo, 98,5% dos moradores vivem nessas áreas. De acordo com o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Rio de Janeiro tinha 6,3 milhões de habitantes em 2010 e a projeção para 2020 era de 6,7 milhões de pessoas.

Quanto ao número de habitantes, também é a milícia que detém um universo maior de cariocas: são 2,1 milhões de pessoas nos bairros sob seu domínio, equivalente a 33,1% da população carioca. O Comando Vermelho possui domínio em bairros onde vivem 1,1 milhão, o Terceiro Comando onde vivem 337 mil pessoas e Amigos dos Amigos, 48 mil pessoas.

Região metropolitana

Na Região Metropolitana, as milícias detêm o controle de 21,8% dos bairros. Já o Comando Vermelho controla 23,7%. O Terceiro Comando, 3%. E Amigos dos Amigos, 0,3%. Outros 18,1% dos bairros permanecem alvo da disputa dos grupos armados. Na Baixada fluminense, a milícia possui 3,6 milhões de moradores no território sob seu domínio. O Comando Vermelho tem hegemonia em uma área formada por 2,9 milhões de moradores. Pouco mais de 4,4 milhões de fluminenses residem em bairros que ainda são alvo de disputa.

“Segundo o mapa, as milícias também entram em disputas territoriais violentas e atuam em territórios cada vez mais extensos, onde controlam esses bairros ilegalmente, cobrando taxas extorsivas sobre os mercados de serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do mercado imobiliário”, diz Hirata.

Violência eleitoral

O dados são particularmente preocupantes no contexto das eleições municipais. A violência generalizada das milícias, facções criminosas e grupos de extermínio e polícia há muito misturou-se com a política nos territórios dominados e, mais uma vez, assombra as eleições. Na noite de sábado (17), o candidato a vereador Domingos Barbosa Cabral (DEM-RJ), de 57 anos, foi morto a tiros enquanto estava num bar. Dez dias antes, o candidato Mauro Miranda da Rocha (PTC-RJ), de 41 anos, foi assassinado a tiros também na região, conforme informações do jornal O Globo. Ambos tinham passagem pela polícia por porte ilegal de armas.

Nas eleições de 2016, 15 candidatos foram mortos na Baixada Fluminense e região metropolitana, conforme o portal R7. Até julho daquele ano, conforme mostrou reportagem do EL PAÍS, tinham sido nove candidatos e pré-candidatos.

Foi apenas na semana passada a Secretaria da Polícia Civil do Rio de Janeiro anunciou ter criado uma força-tarefa para combater o crime organizado na Baixada Fluminense e assim permitir, nas palavras do secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, a realização de uma “eleição livre” na região. “A ideia dessa força tarefa é asfixiar a milícia e permitir uma eleição livre na Baixada Fluminense, com candidatos circulando livremente e o povo escolhendo seu candidato com voto livre”, disse Turnowski, em declarações citadas pela Agência Brasil.


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