Bolsonaro desiste de criar Renda Brasil e ameaça dar “cartão vermelho” à equipe de Paulo Guedes

Presidente negou que Governo irá suspender reajuste de aposentados para tornar possível o programa que substituiria o Bolsa Família, em mais uma crítica pública ao seu último superministro

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em um evento em 9 de agosto em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)
São Paulo -
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O presidente Jair Bolsonaro descartou criar o Renda Brasil, programa estudado pela equipe econômica para ser um substituto do Bolsa Família quando acabar o pagamento do auxílio emergencial aos afetados pela pandemia de covid-19, em mais um capítulo da fritura pública de Paulo Guedes, o último superministro a resistir no cargo. Em um vídeo publicado nas redes sociais na manhã desta terça-feira, o mandatário afirmou que “não tem coração” quem propõe suspender o reajuste da aposentadoria para possibilitar o projeto, insinuando que a ideia —publicada nesta terça por vários jornais— foi vazada por alguém da equipe econômica de Guedes sem que o mandatário a tivesse aprovado antes.

“No meu Governo, até 2022, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”, afirmou Bolsonaro, após ler uma sequência de manchetes de jornais brasileiros que vinculavam a criação do programa ao congelamento do reajuste da aposentadoria e à revisão de benefícios destinados a idosos e pessoas com deficiência em famílias de baixa renda. “Jamais vamos congelar salários de aposentados, bem como jamais vamos fazer com que o auxílio para idosos e pobres com deficiência seja reduzido para qualquer coisa que seja.”

Embora Bolsonaro tenha ordenado que Paulo Guedes viabilizasse um programa para deixar como marca de seu Governo —apagando uma herança fortemente vinculada às Administrações petistas—, as alternativas que a equipe econômica apresentaram não agradaram o mandatário, que não vem escondendo sua insatisfação com Guedes. Mais recentemente, estaria a proposta de congelar por dois anos aposentadorias e pensões, além de desvincular o reajuste do salário mínimo das aposentadorias mais baixas e endurecer as regras para conceder o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Bolsonaro não desmentiu que isso tenha sido cogitado pela equipe econômica, mas reiterou que isso não passou por seu crivo.

Já em agosto, ainda na tentativa de satisfazer o desejo do presidente de extinguir o Bolsa Família e criar o Renda Brasil com um valor superior ao programa existente, Guedes cogitou acabar com o abono salarial para quem recebia até dois salários mínimos, extinguir o programa Farmácia Popular e recriar um novo imposto sobre movimentações financeiras (similar à CPMF), como forma de não furar o teto de gastos do orçamento. Na ocasião, Bolsonaro se negou a apresentar a proposta ao Congresso e, repetindo uma frase que usou nesta terça novamente, disse que não ia "tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”.

“Quem porventura vir a propor para mim uma medida como essa eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem um mínimo de coração, não tem o mínimo entendimento de como vivem os aposentados no Brasil”, completou o presidente.

Publicamente, Guedes tentou negar o desgaste. “O cartão vermelho não foi para mim”, declarou o ministro, e acrescentou que em sua opinião “a reação do presidente foi política, correta”. No entanto, sua equipe segue sob fogo, especialmente o secretário especial Waldery Rodrigues, que defendeu publicamente nos últimos dias ideias como o congelamento do salário mínimo como forma de abrir espaço no orçamento para o Renda Brasil.

Equilíbrio

Horas antes da publicação do vídeo nas redes sociais, o ministro da Economia foi chamado de emergência por Bolsonaro e teve de adiar sua participação em um evento inicialmente marcado para 9h, segundo apurou a Reuters. Nem o Planalto nem a Economia divulgaram o tema do encontro, mas em seguida à reunião Bolsonaro gravou o vídeo em seu gabinete.

Paulo Guedes tenta se equilibrar no cargo enquanto o Brasil atravessa uma turbulência econômica sem precedentes, o que exige da equipe do ultraliberal propostas que aumentem as mãos do Estado sobre a economia. O estudo do Renda Brasil ocorria em paralelo à análise de como manter o auxílio emergencial (estendido até dezembro no valor de 300 reais mensais). O pagamento do benefício é um dos pilares que sustentam a popularidade de Bolsonaro mesmo em meio à turbulenta gestão da crise da covid-19, que matou mais de 132.000 pessoas no país.

A ideia do Governo era apresentar o Renda Brasil em janeiro de 2021, quando já não há previsão de pagamento do auxílio aos afetados pela pandemia. Entretanto, a União não tem recursos para sustentar o Renda Brasil sem ferir a regra do teto de gastos, o que jogou Guedes ao centro de um nebuloso xadrez político e econômico.

Mesmo o anúncio da manutenção do auxílio emergencial até dezembro (no valor de 300 reais, ante os 600 reais pagos nos meses anteriores), não foi capaz de frear o tombo do PIB brasileiro, cujo recuo histórico no segundo trimestre colocou o Brasil diante de uma recessão. Além disso, mais de três milhões de brasileiros perderam o emprego entre março e agosto em decorrência da pandemia, e milhares de negócios fecharam as portas sem sentir o cheiro do auxílio prometido às pequenas empresas ―o que aumenta a pressão sobre o ministro e sua administração.

Mesmo com Guedes se segurando ao cargo, crescem as apostas nos bastidores de que ele deva ser substituído pelo ministro do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, que relatou a reforma trabalhista durante o Governo Michel Temer e tem o apoio da classe política ao seu lado.

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