Boulos: “Esquerda caiu no lugar comum de ir na periferia a cada quatro anos pedir voto”
Candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo conta com vice Luiza Erundina e militância do MTST para conquistar os votos que a esquerda perdeu nas periferias da capital
O candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, criticou as gestões de esquerda no Brasil por terem se afastado do chamado trabalho de base - a aproximação mais direta com a população, para construção de identidades comuns - nas quebradas do país. “Uma das críticas que eu tenho aos Governos progressistas do Brasil é que abandonaram o trabalho de base”, afirmou nesta quarta-feira ao EL PAÍS como parte de uma série de entrevistas do jornal com os postulantes ao comando da capital. Indagado sobre a perda de influência da esquerda nas periferias paulistanas, que já foram chamadas de cinturão vermelho nos anos de 1990 mas que nas últimas eleições têm votado na centro-direita, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto afirmou que “a esquerda caiu no lugar comum de ir na periferia a cada quatro anos para pedir voto e fazer promessa (...) perdeu espaço nas periferias porque deixou vazio”.
Boulos, que caso eleito quer instaurar um “gabinete itinerante” despachando “um dia de cada subprefeitura da cidade” como forma de aproximar a população de sua gestão, deve herdar parte dos votos do eleitorado petista descontente com o nome de Jilmar Tatto para disputar as eleições este ano. Mas ele sabe que o PSOL não possui, pelo menos por enquanto, a capilaridade necessária nas periferias para se impor como força política dominante: “[Esta capilaridade do PSOL] Está sendo construída”, diz. Mas ele conta com uma vice que até hoje tem base forte nestas regiões. “Temos a Luiza Erundina, que foi a melhor prefeita de São Paulo [pelo PT, eleita em 1989], sobretudo por sua ação nas periferias”, afirma. Além disso, Boulos conta tem sua própria militância para alavancar a candidatura e conseguir os votos das classes mais baixas: “O MTST tem mais de cem núcleos nas comunidades e periferias de São Paulo, sobretudo nas zonas Sul e Leste da cidade”.
A militância do candidato no movimento por moradia terá um reflexo nas suas políticas para esta área. “A política urbana e habitacional em São Paulo atualmente é comandada por empreiteiras. Na minha gestão não são elas que vão mandar”, afirma. Ele pretende lançar mão de desapropriações —previstas em lei — de imóveis ociosos “que muitas vezes devem mais IPTU do que o valor do terreno” para garantir habitação popular na região central. “No Estatuto da Cidade diz que imóvel abandonado tem que cumprir uma função social. Vamos pegar esses prédios e fazer uma modernização bonita, porque pobre merece morar no Centro e morar bem”, afirma. Boulos destaca também os impactos positivos que esta medida teria na segurança pública, uma vez que atualmente o centro fica deserto após o horário comercial. “Isso [moradia popular no centro] vai ser bom para a cidade toda”.
Em um momento no qual a pandemia do novo coronavírus escancarou desigualdades, Boulos acredita que São Paulo pode seguir o caminho de outras capitais do mundo, como Paris, onde a prefeita Anne Hidalgo defende a “cidade de 15 minutos” —onde é possível viver perto do trabalho e do lazer. “Eu acredito plenamente que cabe este modelo de cidade aqui. É um conceito moderno, enquanto nós estamos em um conceito atrasado, que é o da desigualdade, com emprego no centro e moradia na periferia”, afirma. Para ele, não faz sentido “as pessoas demorarem duas horas todos os dias para chegar no trabalho, e mais duas para voltar”. “Isso é uma lógica elitista, e queremos enfrentar isso”. Uma das soluções propostas por ele seria garantir a acessibilidade digital, para que o home-office usufruído por parte das classes alta e média durante a pandemia possa se difundir também nas periferias.
Considerado um radical por parte do empresariado, Boulos ri quando indagado se os homens de negócios tem algo a temer caso ele seja eleito. “O empresário que quer gerar emprego, pagando impostos e contribuindo com o avanço da cidade, não tem motivo para temer. Mas quem quiser sonegar, fazer esquemas com a Prefeitura, formar máfias como a dos transportes, ou se estão acostumados com o toma lá da cá, esses devem temer". E sinaliza que, apesar de ser crítico em relação ao governador João Dória e ao presidente Jair Bolsonaro, não teria dificuldade em conversar com eles no caso de negociações que envolvam o poder municipal com as esferas estadual e federal. “Eu já conversei com o Dória mais de uma vez, e no movimento social. Conversei com ministros e secretários de vários governos, com o Alckmin, com gente que eu não concordo. Mas, no movimento social, eu estava representando aquelas pessoas para conseguir moradia. Isso foi feito e foi com diálogo”, finaliza.