A banalidade da morte num supermercado
Moisés Santos morreu após sofrer ataque cardíaco em uma loja do Carrefour, em Recife, que improvisou guarda-sóis para esconder o corpo e continuou aberta aos clientes
Durante a manhã da última sexta-feira, a clientela do Carrefour no tradicional bairro da Torre, em Recife, circulava normalmente pelo setor de bebidas da loja. No mesmo local, entrincheirado por tapumes, caixas e garrafas de cerveja e coberto por três guarda-sóis, padecia em meio à mais fria rotina de um dia comum o corpo do representante comercial Moisés Santos, 59, que havia acabado de falecer após sofrer um infarto enquanto exibia produtos da marca Coco do Vale. Ele chegou a receber os primeiros socorros, mas não resistiu, sem que a rede francesa de supermercados julgasse necessário fechar as portas em respeito à perda de um trabalhador.
O caso repercutiu nesta terça-feira nas redes sociais, em que uma imagem do corpo de Moisés escondido pelos guarda-sóis foi compartilhada sob a indignação de usuários diante da insensibilidade do Carrefour. De acordo com outros funcionários que presenciaram o ataque cardíaco, ele morreu por volta de 7h30 e só foi levado do estabelecimento pelo serviço funerário depois das 11h. Em entrevista ao G1, a mulher do vendedor criticou a conduta do supermercado por manter a loja aberta ao longo do intervalo de quase quatro horas. “Seria muita coisa se eles tivessem baixado as portas, mas, no momento, não pensaram no ser humano. Só pensaram no dinheiro”, afirmou Odeliva Cavalcante.
Embora Moisés não fosse funcionário do supermercado, o Carrefour pediu desculpas em nota pela “forma inadequada” com que tratou sua morte. “A empresa errou ao não fechar a loja imediatamente após o ocorrido à espera do serviço funerário, bem como não encontrou a forma correta de proteger o corpo do senhor Moisés”, diz o comunicado. O Carrefour ainda informa ter acionado o Samu e seguido orientações para não retirar o corpo do local após o falecimento, além de alterado o protocolo de atuação em casos semelhantes, que passa a prever fechamento da loja “com o objetivo de trazer mais sensibilidade e respeito ao conduzir fatalidades”. A Coco do Vale, empregadora de Moisés, não se manifestou sobre o episódio. Em postagem mais recente nas redes sociais, a marca de bebidas ressalta que adota em sua fábrica, no litoral da Paraíba, “critérios, normas e procedimentos de ponta para atender às demandas de níveis de qualidade mundial”.
Em 2018, o Carrefour já havia entrado na mira de protestos após o segurança de uma loja em Osasco ter sido flagrado espancando a cadela Manchinha com uma barra de ferro no estacionamento do supermercado. Indiciado por maus-tratos, o vigia, que acabou afastado do trabalho, afirmou em depoimento à polícia que não teve a intenção de ferir o animal, morto por hemorragia em decorrência dos golpes. Depois das manifestações, o Carrefour anunciou a revisão de sua política interna sobre animais, estabelecendo orientação de conduta a colaboradores no trato com bichos abandonados no entorno de lojas.
No mesmo ano, outro supermercado da rede varejista na região metropolitana de São Paulo foi acusado de racismo. Um cliente negro e deficiente físico abriu uma lata de cerveja dentro da unidade do bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, e explicou, ao ser abordado por funcionários, que pagaria pelo produto no caixa. Entretanto, antes de terminar a justificativa, foi derrubado com um mata-leão pelo segurança da loja. Na época, a empresa lamentou o ocorrido e disse ter afastado os colaboradores envolvidos na abordagem.