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Morte de criança negra negligenciada pela patroa branca de sua mãe choca o Brasil

Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caiu do nono andar de um prédio de luxo em Recife, na terça, enquanto estava sob os cuidados da empregadora da mãe, que responderá em liberdade. “Se fosse o contrário, eu acredito que não teria direito nem à fiança”, lamenta a mãe da criança

Diogo Magri
Miguel morreu ao cair do nono andar num prédio de Recife.
Miguel morreu ao cair do nono andar num prédio de Recife.REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, morreu na última terça-feira, 2 de junho, ao cair do nono andar de um prédio no bairro de São José, região central de Recife, Pernambuco. O menino acompanhava sua mãe, a doméstica Mirtes Renata Souza, no apartamento onde ela trabalhava e, segundo relatam os vizinhos, começou a chorar quando ela saiu para passear com o cachorro da patroa. Miguel resolveu ir atrás da mãe, saiu do apartamento, entrou no elevador sozinho ―com o consentimento da empregadora de Mirtes ―se perdeu no prédio. Em seguida, caiu de uma altura de 35 metros. A dona da casa foi detida no dia seguinte por suspeita de homicídio culposo, quando não há intenção e matar, mas saiu com pagamento de fiança e responderá o processo em liberdade. O caso ocorre em meio aos protestos e debates contra o racismo pelo mundo.

“Eu não vou dizer que eu to com raiva, com ódio nada, porque a dor pela morte do meu filho tá prevalecendo. Mas eu espero que a justiça seja feita. Porque se fosse o contrário, eu acredito que não teria direito nem à fiança. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias", desabafou a mãe do menino em entrevista à TV Globo nesta quinta-feira. “Ele entrou no elevador. Não tiveram paciência pra tirar ele do elevador, pegar ele pelo braço e tirar ele do elevador. Porque se fosse os filhos da minha ex-patroa eu tiraria. Ela confiava os filhos dela à mim e à minha mãe. E no momento que eu confiei meu filho à ela, infelizmente ela não teve paciência pra cuidar, pra tirar [do elevador]. Era uma criança”. A empregadora não teve o nome divulgado pela polícia, mas segundo Mirtes, ela é a primeira-dama da cidade de Tamandaré, cidade a 100 quilômetros de Recife, Sari Corte Real. Ela e o prefeito, Sérgio Hacker, ainda não se pronunciaram publicamente sobre a tragédia.

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As aulas suspensas em função da pandemia do novo coronavírus foram o motivo de Miguel precisar passar a terça-feira com sua mãe. Segundo as regras da quarentena de Recife, estão fechadas instituições de ensino, comércio, bares, cinemas, praias, parques e outras atividades não essenciais. As medidas de isolamento social, no entanto, começaram a ser flexibilizadas na segunda-feira, 1 de junho. Sem ter onde deixar a criança, a funcionária levou o filho à residência da patroa, para quem trabalhava havia quatro anos.

O apartamento onde Mirtes trabalhava fica no quinto andar do Condomínio Píer Maurício de Nassau, conhecido como Torres Gêmeas na capital pernambucana. A dona estava em casa, com uma manicure, quando a doméstica foi levar o cachorro da família para passear e deixou seu filho com a proprietária do imóvel. Naquele momento, a empregadora “era a responsável legal pela guarda momentânea da criança”, afirmou o delegado Ramón Teixeira, responsável pelo caso, em entrevista coletiva virtual na quarta-feira.

As câmeras do prédio mostram que a criança tentou entrar duas vezes, sem acompanhante, no elevador. Em uma das vezes conseguiu entrar no elevador. A patroa aparece nas imagens falando com o menino, mas acaba permitindo que ele ficasse sozinho no local. Miguel acabou descendo no nono e, segundo o perito André Amaral, escalou uma altura de 1,2 metro, subindo no parapeito que dá acesso a uma casa de máquina. Lá, subiu no guarda-peito de alumínio, que cedeu e fez o menino cair. “A gente registrou que a criança gritava pela mãe. Possivelmente, o menino viu a mãe passeando com o cachorro em via pública”, disse o delegado. Uma das grades quebradas da proteção ficou com as marcas do pé da criança, o que colabora com a teoria do perito.

Imagens do circuito interno de câmeras mostra o momento em que o menino Miguel entrou no elevador e a patroa da mãe dele não o retirou do local.
Imagens do circuito interno de câmeras mostra o momento em que o menino Miguel entrou no elevador e a patroa da mãe dele não o retirou do local.

A mãe e um médico morador do prédio socorreram a criança até a chegada do Samu, que a levou para o Hospital da Restauração, no bairro Derby, onde a morte de Miguel foi confirmada. Enquanto a família estava na unidade de saúde, a polícia foi ao local do acidente para analisar as cenas e imagens. “Ela [a patroa] tinha o dever de cuidar da criança. Houve comportamento negligente, por omissão, de deixar a criança sozinha no elevador”, disse Teixeira. No dia seguinte, a mulher foi detida pela Polícia Civil do Estado por suspeita de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A investigada obteve liberdade provisória ao pagar uma fiança de 20.000 reais. O delegado também investiga se o condomínio teve responsabilidade, já que foi constatado no dia da perícia inicial que o nono andar não tinha portas e janelas trancadas nas áreas comuns do prédio.

Durante o velório de Miguel, os parentes se mostraram revoltados com a negligência da dona do apartamento. “A gente fica sem entender. Ter dois seres humanos adultos numa casa e não olhar uma criança?”, disse a tia de Miguel, Lourdes Cristina, em entrevista ao G1, se referindo também à manicure que estava no apartamento com a patroa. Vale lembrar que a quarentena recifense não enquadra os salões de beleza como atividade essencial. “A gente não acredita em fatalidade", comentou a tia de Miguel. Ele foi enterrado no distrito de Bonança, em Moreno, na Zona da Mata Sul do Estado.

De acordo com a Polícia Civil, o inquérito tem um prazo de 30 dias para ser concluído e remetido ao Ministério Público de Pernambuco. Após receber o documento, cabe ao MP decidir se vai denunciar ou não o caso à Justiça.



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