Dallagnol escapa, no último minuto, de julgamento que pode tirá-lo da Lava Jato
"Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos e cidadãos corruptos temem um Ministério Público independente", diz Celso de Mello na decisão para suspender o processo no Conselho do MP
O decano no Supremo Tribunal Federal (STF) tirou o procurador Deltan Dallagnol das cordas. Horas antes de o coordenador da força-tarefa da Lava Jato ser submetido a um julgamento que poderia afastá-lo do comando operação, o ministro Celso de Mello foi contundente ao suspender os processos conduzidos no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente”, escreveu o decano, que deixa o STF em novembro, ao completar 75 anos.
Dallagnol é acossado formalmente pelos pares por suas declarações públicas. Em novembro passado, recebeu uma advertência por ter criticado o STF durante uma entrevista à rádio CBN. Nesta segunda-feira, em sua primeira vitória judicial do dia, o ministro Luiz Fux, também do STF, suspendeu com base no direito à liberdade de expressão a validade dessa advertência, que poderia servir de agravante para os dois processos que seriam julgados pelo CNMP na manhã desta terça-feira, não fosse a decisão de Celso de Mello.
Os processos disciplinares que não mais poderão ser apreciados nesta terça tratam de reclamações apresentadas pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PP-TO). A primeira o acusa de ter interferido no processo de eleição para a presidência do Senado ao tuitar contra emedebistas, enquanto a segunda questiona o acordo firmado pela Lava Jato com a Petrobras para destinar 2,5 bilhões de reais recuperados pela operação a uma fundação gerida por procuradores. O processo de Kátia Abreu pede o afastamento de Dallagnol da Lava Jato com base no “interesse público”.
Mello responde diretamente a esse pedido em sua decisão: “A remoção do membro do Ministério Público de suas atribuições, ainda que fundamentada em suposto motivo de relevante interesse público, deve estar amparada em elementos probatórios substanciais, produzidos sob o crivo do devido processo legal, garantido-se o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, sob pena de violação aos postulados constitucionais do Promotor Natural e da independência funcional do membro do Ministério Público”.
Mais cedo, logo após a decisão de Fux, Dallagnol comentou em seu perfil no Twitter os processos disciplinares de que é alvo. “O Conselho Nacional do Ministério Público decidirá se vai me afastar da Lava Jato a pedido de um investigado, com a justificativa de que atenderia ao interesse público. Mas esse julgamento nada tem a ver com qualquer irregularidade nas investigações da Lava Jato”, escreveu. “O que está em jogo não é apenas o meu futuro ou o da Lava Jato. O exemplo que vai ficar será um recado para o futuro de promotores e procuradores. Eles poderão trabalhar contra a corrupção de modo combativo como trabalhei, sem medo de sofrerem retaliações?”, questionou.
A vida de Dallagnol ―e da Lava Jato― virou de cabeça para baixo depois que mensagens de telefone vazadas pelo The Intercept Brasil jogaram uma sombra de dúvidas sobre a sua conduta e a do então juiz e hoje ex-ministro da Justiça Sergio Moro na condução da operação. A chegada ao comando da Procuradoria Geral da República de Augusto Aras, um crítico dos métodos da Lava Jato, reforçou a pressão sobre a força-tarefa. As críticas públicas de Aras aos procuradores da força-tarefa pavimentam o caminho do julgamento em que a Segunda Turma do STF pode cancelar as decisões de Moro nos processos que dizem respeito ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por alegada imparcialidade.
As decisões desta segunda-feira, contudo, expõem a divisão no STF em relação à Lava Jato. Espera-se que o voto de Celso de Mello determine o veredito sobre a conduta de Moro em relação a Lula ―os ministros Cármen Lúcia e Edson Fachin já votaram favoravelmente a Moro, e espera-se que Gilmar Mendes, o crítico mais vocal da operação no STF, e Ricardo Lewandowski votem com defesa do ex-presidente. Além disso, quem assume a presidência do STF a partir de setembro é Luiz Fux, um entusiasta da operação.