Covid-19 acossa bebês Yanomami enquanto STF cobra de Bolsonaro atenção completa a indígenas
No fim de semana, cinco crianças da etnia foram removidas às pressas de sua aldeia por suspeita da doença e levados a São Gabriel da Cachoeira (AM). Quatro confirmaram ter o vírus
A aldeia Maiá, de indígenas Yanomami, localizada no Estado do Amazonas, fica a dois dias de barco da cidade mais próxima, São Gabriel da Cachoeira, que também é a cidade mais indígena do Brasil (90% da população). Se for época de seca, a viagem fluvial pode levar até quatro dias. Em caso de urgência, um helicóptero leva uma hora para chegar à cidade. Foi assim que cinco bebês Yanomami, todos menores de dois anos, tiveram que ser levados às pressas para serem internados com suspeita de covid-19 — um caso foi descartado e os demais confirmados para a doença— e quadros de desidratação severa. “Quem levou esse vírus para lá, meu Deus?”, questionou, surpreso, o pediatra José Antonio Candeia, do Hospital de Guarnição (HGU), gerido pelo Exército, que recebeu as mães com seus bebês.
Em meio ao avanço do novo coronavírus entre os povos originários, o Supremo Tribunal Federal (STF) trava uma batalha com o Governo de Jair Bolsonaro para obrigar o Executivo a tirar do papel medidas de proteção às comunidades indígenas. Na última sexta-feira (7/8), o ministro do STF Luis Roberto Barroso determinou que o Governo complemente o Plano de Barreiras Sanitárias para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRCs), destacando a necessidade de definições mais precisas dessas barreiras, considerando as particularidades de cada povo, e prevendo ações imediatas. Barroso atendeu a pedido da própria Advocacia Geral da União (AGU), que afirmou não ter contemplado as demandas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) por falta de tempo hábil.
“A Apib considerou que o plano apresentado era insuficiente para proteger povos isolados. É um plano ineficaz, que trabalha com conceitos técnicos equivocados”, afirma o advogado Eloy Terena, ele próprio indígena, que obteve no Supremo a garantia de medidas de proteção aos indígenas durante a pandemia. O Governo considerou, no plano enviado, que as Bases de Proteção Etnoambiental, usadas para proteção territorial, seriam equivalentes a barreiras sanitárias. “Mas a barreira sanitária não é apenas física, ela deve incluir, por exemplo, os protocolos elaborados por médicos que trabalham com comunidades indígenas”, explica Terena. As barreiras devem conter, por exemplo, equipamentos de proteção, protocolos de quarentena, redução da movimentação de equipes e monitoramento epidemiológico.
A aldeia do Maiá, de onde os bebês Yanomami foram removidos para internação, é uma das 750 comunidades indígenas na região mais preservada da Amazônia, na tríplice fronteira com Venezuela e Colômbia. Em torno de 90% desse território já foi contaminado pelo novo coronavírus e pelo menos 60 mortes de indígenas por covid-19 foram registradas, de acordo com Marivelton Barroso, coordenador da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). “O pico foi em junho. Agora, os contágios estão diminuindo. Os remédios caseiros e a sabedoria tradicional dos nossos povos foram nossa salvação”, diz ele. O líder indígena destaca, no entanto, que a situação dos Yanomami é “alarmante”.
“O maior desafio é a logística. Faltam estruturas adequadas e transporte de remoção. Se um Yanomami precisar ser removido com urgência do território, há apenas um avião à disposição do DSEI [Distrito de Saúde Especial Indígena, estruturas do Ministério da Saúde] do maior território indígena do país”, diz Juliana Radler, assessora do Instituto Socioambiental (ISA) na região. Com 9,6 milhões de hectares distribuídos em oito municípios dos estados do Amazonas e Roraima, o Território Yanomami abriga 26 mil pessoas.
Como o único helicóptero que atende a esse território fica em Surucucu, Roraima, as crianças da Aldeia Maiá tiveram de ser transportadas em uma aeronave do Exército. Graças a isso, hoje recuperam-se bem. “Os bebês fizeram reposição de sódio e potássio para tratar a desidratação, causada por um surto de diarreia na terra indígena. Essas doenças predominantes na primeira infância dos Yanomami podem se agravar com a covid-19. Mas uma característica desse povo é que eles têm rápida recuperação quando recebem o tratamento adequado”, diz a enfermeira Eliane Sanches, que acompanhou as mães e seus filhos.
O novo coronavírus já infectou 24.246 indígenas e matou 664 —são 146 os povos afetados—, de acordo com a Apib. Já a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, que não contabiliza os indígenas que vivem em zonas urbanas, considera que são 18.404 infectados e 322 óbitos. No Brasil, a doença já matou oficialmente 104.201 pessoas. Enquanto a pandemia avança, as lideranças cobram do Governo ações efetivas de proteção. “Não é só colocar intenções no papel. Não é só colocar no papel? Onde estão as barreiras sanitárias? Onde está a fiscalização para coibir as invasões às nossas comunidades? O STF não deveria ter que obrigar o Governo a cumprir o que a própria Constituição já determina”, afirma Marivelton Barroso. Procurado pela reportagem, o Planalto não se manifestou sobre a questão.
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sA Aldeia Maiá, de indígenas yanomami, localizada no estado zonas, fica a um dia (ou dois, dependendo da embarcação) de barco da cidade mais próxima São Gabriel da Cachoeira, que também é a cidade mais indígena do Brasil (90% da população). Se for época de seca, a viagem fluvial pode levar até três dias. Em caso de urgência, um helicóptero leva uma hora para chegar à cidade. Foi assim que cinco bebês yanomami, todos menores de dois anos, tiveram que ser levados às pressas para serem internados com suspeita de covid-19 —apenas um caso foi descartado— e quadros de desidratação severa. “Quem levou esse vírus para lá, meu Deus?”, questionou, surpreso, o pediatra José Antonio Candeia, do Hospital de Guarnição (HGU), gerido pelo Exército, que recebeu as mães com seus bebês.