São Paulo adia a volta às aulas para outubro, mas deixa brecha para retomada um mês antes

Governo Doria deixa nas mãos dos municípios, pais e instituições a decisão final sobre o retorno às aulas presenciais. Especialistas debatem os riscos e as medidas mínimas que devem ser tomadas

Alunos em uma escola estadual de Itaquaquecetuba, São Paulo, em imagem antes da pandemia.Moacyr Lopes Junior (Folhapress)

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta sexta-feira o adiamento da retomada das aulas presenciais em todo o Estado, tanto da rede pública quanto privada, para 7 de outubro. Há pouco mais de um mês, a primeira data anunciada havia sido 8 de setembro, mas, de acordo com o governador, as condições impostas para a retomada presencial não foram cumpridas e, por isso, veio a postergação. As escolas estão fechadas desde 24 de março, quando a quarentena foi estabelecida em São Paulo.

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Apesar do adiamento das aulas, as escolas de parte das cidades paulistas já poderão começar a receber seus alunos para atividades de recuperação e reforço a partir de 8 de setembro. Para isso, o município deverá estar há ao menos 28 dias na fase amarela, que é a terceira fase do plano de retomada da economia. Composto de cinco etapas, o Plano São Paulo estabelece a reabertura gradual dos setores econômicos que foram fechados durante a pandemia, como escritórios, comércios, academias, bares e restaurantes. Atualmente, 86% da população do Estado está na fase amarela. Apenas as regiões de Franca e Registro encontram-se na fase vermelha, isto é, quando somente serviços essenciais têm permissão para funcionar.

Nesta primeira etapa de reabertura das escolas prevista para 8 de setembro, além de caber à instituição a decisão de abrir ou não seus portões, caberá a ela também decidir quais atividades vai oferecer, de que forma e quais alunos poderão participar. Isso porque, nesta fase, as escolas poderão receber somente 35% dos estudantes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, e 20% dos alunos dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. “Começar lentamente será importante para que a gente possa aprender”, disse o secretário da Educação do Estado de São Paulo, Rossieli Soares, em entrevista coletiva nesta sexta-feira. De acordo com ele, os pais que não quiserem enviar seus filhos nesta primeira etapa não serão obrigados.

Pressões

Assim como em outros Estados, o Governo de São Paulo, que já contabiliza mais de 600.000 casos confirmados e quase 25.000 óbitos em decorrência da covid-19, vem sendo pressionado por dois lados: representantes das escolas particulares querem o retorno o mais rápido possível, enquanto sindicatos e associações das escolas públicas são contrários ao retorno neste momento.

No último dia 29, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) realizou uma “carreata pela vida”. O protesto foi contra o retorno das aulas sem antes haver uma “redução drástica da pandemia” e sem garantias de segurança sanitária nas escolas. Enquanto isso, a maioria das instituições privadas do país afirmam ter perdido ao menos 10% dos seus alunos durante a pandemia, segundo pesquisa feita pela Editora Brasil.

Por isso, a expectativa das escolas particulares de São Paulo é de retomar as atividades já no mês que vem. O diretor do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp), Benjamin Ribeiro da Silva, afirma que as instituições estão se preparando há meses para isso, contratando consultoria e comprando material. “Acredito que as particulares conseguirão voltar em setembro. Estávamos prontos para voltar desde agosto”, afirma. Ainda assim, ele diz que não é possível garantir a segurança total dos alunos e das famílias. “Não podemos dar 100% de garantia até porque, se fosse assim, não seria uma pandemia”, diz. “Mas as aulas devem voltar parcialmente. A escola no primeiro momento precisa fazer o acolhimento da criança e até da família. A pandemia impactou todo mundo”. O Sieeesp representa cerca de 10.000 escolas privadas em todo o Estado de São Paulo.

Se a cidade de São Paulo continuar apresentando os índices que apresenta neste momento de evolução da epidemia e ocupação dos leitos, ela estará apta a reabrir suas escolas a partir de 8 de setembro como indica o plano do Estado. Nesta sexta-feira, a cidade contabilizava 244.331 casos confirmados da doença, com uma queda de 26% na variação de novos casos entre esta semana e a semana passada. A taxa média de ocupação dos leitos de UTI na cidade para os últimos sete dias é de 66%. No total, já morreram 10.246 pessoas na cidade em decorrência do coronavírus.

Porém, segundo reportagem do UOL, a gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) não vai autorizar o retorno no dia 8 de setembro. A decisão, de acordo com o portal, valerá para a rede pública e privada. Procurada, a Secretaria Municipal da Educação não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Na quarta-feira, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a lei que regulamenta o retorno das aulas, mas a legislação não define data para o retorno. Entre as medidas, foi aprovada a compra de vagas da rede privada de ensino infantil para suprir a demanda, a contratação de professores emergenciais e a ampliação do ensino integral. Além disso, enquanto durar a pandemia, é facultativo, à critério dos pais, o envio ou não dos filhos à escola.

“Balão de ensaio”

Para Raquel Stucchi, infectologista da Universidade de Campinas (Unicamp), para que as aulas retornem, é preciso planejar uma volta gradual e com critérios bem claros. “Temos que planejar a volta sim, mas essa volta não deve ser para este momento obrigatória. O ensino à distância deve ser mantido tanto no público quanto no privado”, diz. “E não deve ser a turma toda de uma vez porque isso gera dificuldade em controlar a aglomeração”. Para ela, a volta das escolas será um “balão de ensaio” do que será possível fazer caso a vacina contra a covid-19, por alguma razão, não saia no próximo ano. “Quem diz que só vai voltar [a realizar as atividades] quando a vacina estiver pronta, precisa entender que isso significa talvez só voltar em 2022”, alerta.

Para a infectologista, que trabalha no Hospital Municipal Dr. Mario Gatti, em Campinas, referência no tratamento da covid-19 na cidade, a partir do momento em que a quarentena começou a ser flexibilizada, as crianças passaram a estar expostas também. Por isso, ela afirma que, seguidas as regras e protocolos, não serão as escolas as maiores propagadoras do vírus. “As pessoas que mais cumpriram o isolamento nessa pandemia são as crianças”, diz. “Enquanto que os adultos já tiveram que voltar para trabalhar, já estão no transporte público... Nesse sentido, o grau de exposição que as crianças estão tendo nessa flexibilização já vem ocorrendo. Eu não tenho essa preocupação de que elas [as crianças] serão as grandes disseminadoras do vírus”.

O retorno das aulas é uma questão delicada para todos os Estados e capitais. Em Manaus, que já chegou a ser um dos epicentros da pandemia, as escolas reabriram em julho. No Rio de Janeiro, a questão foi parar na Justiça, depois que a Prefeitura liberou o retorno mesmo sem autorização do Estado, que chegou a ameaçar as escolas que reabrissem. Nesta quinta, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu a decisão da Prefeitura e estipulou multa de 10.000 reais ao dia ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) em caso de descumprimento.

Um informe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 30 de julho sobre a retomada das aulas no Rio de Janeiro considerou “prematura” a abertura das escolas no atual momento da pandemia na capital, levantando a possibilidade de um recrudescimento de casos e óbitos no município. O documento ainda lembra que crianças e jovens são menos propensos a quadros graves da doença, mas podem ser portadores do coronavírus na cadeia de transmissão. “O que coloca em risco de gravidade e morte as populações adultas, idosos e portadores de comorbidades. Mesmo crianças e jovens podem adoecer e evoluir necessitando de internação e UTI infantil”.

Raquel Stucchi afirma que, para retomar as aulas, é preciso adotar medidas práticas da mesma forma como outros setores fizeram. Dividir os alunos em grupos e revezar os dias para recebê-los, limitar o número de alunos em sala de aula, exigir o uso de álcool em gel, e até colocar divisórias de acrílico nas mesas são medidas que podem ser tomadas para mitigar o impacto desse retorno. “Além disso, é importante o planejamento de transporte para as escolas e não ter os mesmos horários de entrada e saída das turmas”, diz. “Assim como fizemos as adequação no comércio, nas escolas não pode ser diferente”.

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