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A PANDEMIA DO CORANAVÍRUS | O BRASIL EM LUTO
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

O epitáfio que deveria ser gravado nos túmulos das vítimas

Será a história que julgará o silêncio, se não a cumplicidade com essa matança da pandemia no Brasil

Ativistas colocam cruzes na praia de Copacanbana para criticar o manejo da crise pelo Governo durante manifestação em junho.
Ativistas colocam cruzes na praia de Copacanbana para criticar o manejo da crise pelo Governo durante manifestação em junho.Antonio Lacerda (Efe)
Juan Arias
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São 100.000 vidas perdidas. 100.000 histórias de dor e milhões de lágrimas derramadas. É um número que assusta, entristece e enluta o país. Basta chorar por elas? Não, porque foi uma tragédia anunciada. O dia de silêncio informativo sobre outros temas, que este jornal quis oferecer aos leitores para dedicá-lo à tragédia, deve ser também um grito contra o poder que poderia ter evitado muitas das mortes e preferiu fechar os olhos. Será a história que julgará o silêncio, se não a cumplicidade com essa matança.

Dessa tragédia ficará tristemente na história a frase do presidente Jair Bolsonaro pronunciada em 27 de abril, quando o número de mortes chegou a 5.017. Indagado sobre o que sentia, respondeu com desprezo: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre”. A frase deveria ser gravada, como trágico epitáfio, nos 100.000 túmulos das vítimas.

É verdade que o presidente Bolsonaro, cujo nome do meio é Messias, não poderia fazer milagres. Mas poderia ter cumprido seu dever como representante máximo do país. Poderia pelo menos não ter zombado da tragédia chamando-a de “gripezinha”. Poderia ter nos poupado do constrangimento de zombar dos preceitos da medicina e da ciência respeitados nos outros países, em vez de propagandear remédios sem nenhuma garantia científica de eficácia como se fosse um curandeiro de rua.

Poderia ter nos poupado da humilhação de retirar os ministros médicos do Ministério da Saúde, substituídos por um punhado de militares sem experiência no assunto. Em vez de pedir que suas hostes fossem espiar os hospitais onde pessoas estavam morrendo, poderia ter ido pessoalmente consolar as vítimas e seus familiares. Não fez isso.

Os 100.000 mortos de hoje são um atentado do poder contra as vidas que poderiam ter sido salvas e ensombrecem ainda mais a já desgastada imagem do Brasil no exterior.

É possível que Bolsonaro —se não acabar sentado no banco dos réus do Tribunal de Haia acusado de crime contra a humanidade, como tantas vozes, até de especialistas em direito, estão pedindo− queira tentar ser reeleito em 2022. Nesse caso, é possível que as 100.000 vítimas da pandemia, e as que ainda morrerem até lá, apresentem-se nas urnas eleitorais para sussurrar à consciência dos eleitores: “Não, nesse não!”. O Brasil já chorou o suficiente. Precisa, diante de tantas mortes de inocentes e de tanta política suja, de novos ares de ressurreição.

A esperança daqueles que ainda não perderam o senso de justiça e que respeitam o mistério da morte e da dor, própria e alheia, é que essas 100.000 vítimas e aquelas que, infelizmente, ainda virão não tenham sido sacrificadas em vão. Que elas assombrem os sonhos dos vivos que acreditam ser eternos.

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