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Com covid-19 em ascensão, São Paulo coloca em prática “receita do caos” com abertura de bares e restaurantes

Para especialistas, reabertura do setor na capital, prevista para 6 de julho, coloca a população em risco. Em Belo Horizonte, prefeito volta a fechar o comércio após flexibilização provocar alta de índices

Passageiros na estação da Sé do metrô de São Paulo, uma das mais movimentadas da cidade, na última quarta.
Passageiros na estação da Sé do metrô de São Paulo, uma das mais movimentadas da cidade, na última quarta.Sebastiao Moreira (EFE)
Marina Rossi

O governador João Doria (PSDB) anunciou nesta sexta-feira que a capital e outros 14 municípios da região avançaram no plano de retomada da economia e entraram na fase três, a amarela. Isso significa que a cidade de São Paulo, atualmente com quase 12.000 casos confirmados e perto de 7.000 óbitos notificados em decorrência da covid-19, já poderá iniciar a reabertura de bares, restaurantes e salões de beleza, com horário e público reduzidos. Segundo o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), a previsão de reabertura desses segmentos é a partir do dia 6 de julho. O anúncio ocorre no dia em que o Estado de São Paulo bateu o terceiro recorde seguido de novos casos de coronavírus em 24 horas, chegando a 258.508 casos confirmados e 13.966 mortes notificadas, com avanço acelerado pelo interior. O governador também prorrogou a quarentena, iniciada em 24 de março, para 14 de julho.

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Covas condicionou a volta desses setores comerciais na capital à manutenção dos índices que levaram a cidade à fase amarela, basicamente composto pelas taxas de ocupação das UTIs. Neste momento, 57% dos leitos municipais de UTI destinados a pacientes com a covid-19 estão ocupados, índice que já passou dos 90% em maio. Na mesma esteira, o prefeito anunciou o encerramento das atividades do hospital de campanha do Pacaembu na próxima segunda-feira. De acordo com ele, desde o dia 1 de junho as ocupações dos hospitais desse tipo, construídos provisoriamente para atender ao aumento da demanda em meio à pandemia, vem caindo. “Nos últimos dez dias, está abaixo de 50%”, afirmou.

Enquanto a capital paulista prevê mais um passo na retomada, depois de reabrir o comércio, concessionárias, imobiliárias e escritórios, outros municípios retrocedem após uma reabertura precoce. Nesta sexta-feira, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) informou que após o processo de flexibilização, iniciado há um mês, ter impactado negativamente nos índices da capital mineira, a cidade voltará à estaca zero a partir da próxima segunda-feira, com o funcionamento somente dos serviços essenciais. A taxa de ocupação dos leitos bateu recorde na cidade, chegando a 85% do total na quinta-feira. “Ninguém avisou tanto [quanto eu] que não era férias, que todos deveríamos nos manter em casa, o que não foi feito”, afirmou Kalil em uma entrevista coletiva.

Da mesma forma, outras capitais já experimentaram esse efeito ioiô da economia, como Curitiba, e diversos municípios do próprio Estado de São Paulo, cujo mapa hoje está em sua imensa maioria pintado de vermelho, ou seja, aponta locais em que só se permite o funcionamento de serviços essenciais. Para Patrícia Magalhães, física e pesquisadora da universidade de Bristol, na Inglaterra, e do Grupo Ação Covid-19, a capital paulista tende a traçar caminho parecido. “A reabertura é uma receita do caos”, diz. Para ela, em uma semana após a reabertura dos bares e restaurantes, o aumento considerável dos casos na cidade já poderá ser observado. Isso porque esses estabelecimentos são ainda mais propícios à contaminação. “Abrir shoppings já é ruim, mas agora os ambientes que serão abertos são particularmente os de alta transmissão, porque as pessoas vão ficar conversando, sem máscara, próximas umas das outras”, afirma. “Em vários lugares do mundo, os parques foram os primeiros lugares que as pessoas puderam ocupar. Aqui não. Como shopping abre antes do que parque?”.

No final de maio, a Ação Covid-19, grupo de pesquisadores do qual Patrícia faz parte, já alertava, em um documento, sobre os riscos da reabertura do Estado, anunciada no dia 1 de junho. “A gente já dizia naquele momento que seria um equívoco reabrir. Em alguns lugares isso ficou claro, como Ribeirão Preto, que flexibilizou, e rapidamente voltou para a fase vermelha”, diz ela. “Desde o anúncio da reabertura você consegue ver em todas as regiões de São Paulo um aumento considerável no número de casos e mortes”. O Governo, por sua vez, argumenta que as análises sobre esses dados feitas na sequência ao anúncio das medidas é precipitada. “Essas avaliações feitas em um período muito pequeno não são adequadas”, disse João Gabbardo, do comitê de contingência do coronavírus em São Paulo. Mas ao observar o gráfico acima é possível ver que a curva de novos casos, tanto na capital, quanto no Estado, segue em ascensão.

Domingos Alves, do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, também já havia feito o alerta de que a primeira fase de reabertura —que permitiu a volta de shoppings, lojas de rua, imobiliárias, concessionárias e escritórios— era precipitada. O pesquisador chegou a comparar a abertura com “levar a população ao abatedouro”, em entrevista ao EL PAÍS. “É um plano de sacrifício da população”, diz, novamente, agora.

Ele lembra que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a flexibilização só deve ser iniciada, dentre outras orientações, após um período de ao menos três semanas de queda sustentada de novos casos e óbitos. “E é queda, não é redução no aumento ao se comparar uma semana com a outra”, afirma. “Mas os cálculos feitos dentro do plano São Paulo privilegia a taxa de ocupação de leitos e internação e não o que orienta a OMS. Os municípios então, ávidos por reabrir, vão lá e aumentam o número de leitos”, conclui.


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