PM sufoca homem negro até ele desmaiar e lembra ação que matou George Floyd nos EUA
Testemunha gravou ação em Carapicuíba (SP). “Desconsideração com a vida”, diz tenente-coronel aposentado; policiais foram afastados das ruas
Policiais militares sufocaram um rapaz negro até que ele ficasse inconsciente durante uma abordagem no Jardim Ariston em Carapicuíba, na Grande São Paulo, neste domingo (21/6). A ação foi gravada por celular e mostra o rapaz recebendo o golpe conhecido como “mata-leão” (enforcamento com o braço) de um PM.
Gabriel, 19 anos, se debate e logo desmaia na calçada. Há dois trechos de gravação e mostram que o jovem foi, na verdade, sufocado duas vezes: uma na calçada, próximo de um portão, e outra no meio fio. Mesmo quando estava sem reação, o PM continuou a pressionar com a perna o pescoço dele. Há um outro rapaz que estava junto e também foi abordado, mas não sofreu agressão.
Em entrevista à GloboNews, que foi replicada pelo UOL, ele explicou que o PM jogou a viatura na sua frente “com tudo”. “Assim que ele jogou na minha frente com tudo, eu parei. Só que a moto não segurou o freio, ela foi um pouco para frente. Aí como ele já estava à frente da minha moto, a gente bateu”, conta o jovem. Ele detalha que o fato de ter pulado da moto e ela ter caído fez com que o PM pensasse que ele ia fugir. “Nisso que ele achou que eu ia correr; ele já grudou no meu pescoço”, relembra.
A cena faz lembrar o caso de George Floyd, um homem negro morto por um policial branco de maneira semelhante em Minessota, nos Estados Unidos: por sufocamento. Ele chegou a dizer: “Eu não consigo respirar”, durante os 8 minutos em que o policial estava com o joelho sobre seu pescoço e acabou morrendo.
A morte gerou uma mobilização puxada pelo movimento #BlackLivesMatter com proporções internacionais, até mesmo no Brasil, que viu nas ruas protestos antirracistas.
Tenente-coronel aposentado da PM paulista e mestre em direitos humanos, Adilson Paes de Souza define a ação como errada e afirma que o golpe utilizado foge dos padrões operacionais de abordagem. “É totalmente errada a abordagem, a maneira como se desenvolveu. Põe em risco vida de terceira pessoa de maneira acintosa”, define.
Adilson traça um paralelo entre a cena da Grande São Paulo e o que ocorreu com George Floyd. “Viu o que aconteceu nos Estados Unidos com o sufocamento? Eles [PMs] estão insistindo em uma ação condenada mundialmente. E parece que o comando não deu a instrução necessária ao mostrar que esse tipo de abordagem deu errado, que não podemos fazer”, prossegue.
Segundo ele, a falta de ação dos PMs quando o homem fica desacordado é outro ponto negativo por nenhum deles verificar os sinais vitais e, caso fosse um caso grave, reanimar a pessoa. “É muito emblemática essa imagem, mostra uma desconsideração com a vida alheia, principalmente quando é o ‘suspeito’. É a relativização da vida humana”, prossegue.
Apesar de o homem ter sobrevivido, o tenente-coronel ressalta que as imagens mostram “uma ação perigosíssima que pode ter um desfecho trágico em uma ocorrência que poderia ser de abordagem normal, corriqueira, e acontece com naturalidade”, destaca.
Advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves ressalta que tem sido recorrente ver abusos e agressões por parte de policiais em São Paulo. “PMs atuam de forma abusiva quando abordam pessoas pobres em regiões periféricas. Em bairros de alto padrão e quando abordam pessoas de classes mais abastadas são corteses e gentis”, explica. “Eles sabem que quando cometem abusos na periferia não sofrerão punições”.
O profissional traz à tona mudança na lei de abuso de autoridade que retirou artigo específico sobre lesão a civis. Antes, o artigo 3 falava sobre “atentado a incolumidade física” e, agora, o texto que mais se aproxima trata de “constrangimento”. “Para quem está na rua e apanha da polícia não se aplica mais o crime de abuso de autoridade nesses casos”, alerta Ariel. “A lei atual de abuso de autoridade protege os PMs”. Segundo ele, casos de agressão praticados por PMs podem configurar lesões corporais ou tortura “dependendo da situação”.
“Quando fizeram a atual lei do abuso de autoridade, os parlamentares pensaram na [investigação] Lava-Jato e não nos abusos diários que policiais cometem na periferia. Acabaram protegendo os PMs que agridem pessoas nas abordagens policiais e quando reprimem manifestações”, afirma.
Na semana passada, a Ponte publicou uma reportagem que mostrava duas ações da PM paulista e a diferença de conduta entre elas. Na primeira, uma mulher branca, de dentro do carro, ao ser informada que seria multada, humilha e ofende o policial. “Para mim você é um merda, um bosta, eu vou te foder. Você pensa que é o que? Você xingou a minha amiga. Bosta é você”, grita a mulher. Na outra, policiais são flagrados agredindo uma mulher na periferia da zona norte da cidade de São Paulo. A violência não cessa nem quando moradores alertam que estão filmando.
Situação semelhante aconteceu no bairro rico de Alphaville, na Grande São Paulo, no final do mês passado. Um empresário humilhou e ofendeu um PM que foi atender um chamado na casa dele por causa de violência doméstica.
Os PMs responsáveis pela ação em Carapicuíba foram identificados e afastados das ruas até a conclusão das apurações, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Os agentes, no entanto, seguem recebendo seus salários normalmente enquanto prestam serviços administrativos.
De acordo com a nota da secretaria, o homem que foi sufocado estava com um amigo em uma moto. A abordagem aconteceu pois eles teriam ignorado a ordem de parada feita pelos policiais e batido na viatura.
“O condutor entrou em luta corporal com o policial, tentou se evadir, foi imobilizado com técnicas de defesa pessoal, socorrido ao PS (Pronto Socorro) e posteriormente encaminhado ao 1º Distrito Policial do município, onde o caso foi registrado”, diz a nota.
Reportagem originalmente publicada no site da Ponte Jornalismo em 16 de junho de 2020.
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