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Governo ignora críticas e nomeia ex-missionário evangélico para proteção de indígenas isolados

Nomeação de Ricardo Lopes Dias, oficializada nesta quarta-feira, só foi possível graças a uma mudança no regimento interno da Funai

Beatriz Jucá
Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Yanomami.
Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Yanomami.Funai

O ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias é o novo coordenador de indígenas isolados e de recente contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). A nomeação do antropólogo saiu no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (5), ignorando uma série de críticas feitas por entidades indigenistas e servidores da própria fundação, que temem uma mudança na política praticada no país desde o fim da ditadura militar: proteger esses povos sem forçar nenhum tipo de contato, como acontecia antes da redemocratização com o objetivo de “integrá-los” à sociedade. Ricardo Lopes Dias é antropólogo e atuou durante ao menos uma década evangelizando indígenas, quando fazia parte da organização Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB). Ele tem dito que sua atuação na Funai será técnica, mas indigenistas dentro e fora do órgão federal o veem como “alguém com atuação contrária aos direitos dos povos isolados”.

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Esta é a segunda vez que a Funai muda o responsável por uma de suas áreas mais sensíveis em seis meses. Sem maiores explicações sobre a primeira troca, o presidente Marcelo Xavier nomeou a antropóloga Paula Wolthers de Lorena Pires para assumir o posto interinamente. Dentro da fundação, servidores estranharam a mudança, mas respaldaram o nome porque ela já integrava os quadros da Funai e atuava havia pelo menos oito anos com diversos povos indígenas. Agora, a postura interna é outra. Lopes Dias só pôde assumir a coordenadoria dos povos indígenas isolados porque, dias antes, Marcelo Xavier da Silva havia alterado o regimento interno do órgão para permitir que pessoas que não sejam servidoras de carreira assumam cargos comissionados de comando.

Diante da possibilidade da mudança, que começou a ser discutida na semana passada, os funcionários da Funai reagiram com a publicação de uma carta aberta na qual repudiavam o nome do ex-missionário para o posto. “A política pública brasileira para tais povos é reconhecida internacionalmente por sua qualidade e caráter estritamente técnico. Baseada na política do não-contato e no respeito ao direito desses povos à sua organização social, costumes e tradições, vedando, assim, proselitismo religioso e atuação missionária, crime agravado quando em comunidades de Povos Indígenas Isolados ou de Recente Contato”, defendem na carta.

Preocupação semelhante também foi expressada pela Defensoria Pública da União ainda durante as movimentações que indicavam a possível indicação de Lopes Dias. O órgão enviou ofício à Funai, alertando para o risco de uma nomeação que não atenda a critérios técnicos. “É a morte em massa de indígenas, decorrente de doenças a partir do contato irresponsável ou dos conflitos flagrantes com missões religiosas, madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais”, diz o documento oficial. Diversas entidades indigenistas também publicaram notas de repúdio contra a nomeação de Lopes Dias. Elas acusam o Governo Bolsonaro de ceder a interesses evangélicos, uma de suas bases eleitorais, e dizem temer um “novo genocídio” de índios sem contato.

A situação de vulnerabilidade dos povos indígenas isolados é frequentemente acompanhada por entidades internacionais. Em visita ao Brasil no final de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos expressou preocupação com essas etnias ―existem cerca de 114 povos nestas condições no país, segundo a Funai― em função da presença de pessoas e atividades externas junto a eles.

Desde a redemocratização do país, a política com relação a indígenas que vivem sem contato na floresta mudou. A Funai apenas os aborda quando a intenção de sair do isolamento parte deles, geralmente porque estão fugindo de alguma ameaça na floresta, como o ataque de madeireiros ou de garimpeiros. Na ditadura, o Governo fazia busca ativa destes povos para forçá-los a sair do isolamento, o que acabou por dizimar diversos povos por conta de doenças para as quais eles não tinham proteção.

Nos dez anos em que integrou a Missão Novas Tribos do Brasil —entre1997 e 2007—, Ricardo Dias atuou na evangelização de indígenas do Vale do Javari, uma das maiores terras indígenas demarcadas do Brasil, no Amazonas. Agora, ele será responsável por coordenar o setor que desenvolve as políticas para grupos como este. Em entrevista ao jornal O Globo, o antropólogo prometeu que não tentará evangelizar essas etnias e que sua atuação será técnica.


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