“Há risco de danos irreparáveis”, dizem servidores da Funai sobre nome que coordenará índios isolados
Funcionários divulgaram carta aberta contra indicação do ex-missionário Ricardo Dias, a segunda troca no comando da área em quatro meses
Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) reagiram com “indignação” à indicação de um ex-missionário evangélico para a Coordenadoria de Índios Isolados e de Recente Contato do órgão federal indigenista. Em uma carta aberta publicada na manhã desta segunda-feira (03), eles reivindicam que a possível nomeação do antropólogo Ricardo Dias seja revogada e criticam que a fundação queira colocar à frente de uma de suas áreas mais sensíveis "alguém com atuação contrária aos direitos dos povos indígenas e de recente contato”. Ricardo Dias atuou na evangelização de indígenas por meio de uma organização chamada Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) durante ao menos dez anos. E tem dito à imprensa que, caso sua nomeação seja oficializada, atuará de forma técnica e não tentará evangelizar esses povos.
Se o ex-missionário realmente assumir o cargo, será a segunda mudança em quatro meses promovida pelo Governo Bolsonaro em uma área sensível da Funai. A Coordenação de Índios Isolados e de Recente Contato estava sob o comando da servidora Paula Wolthers de Lorena Pires desde outubro do ano passado. Antropóloga com mestrado em antropologia social pela Universidade de São Paulo, Paula está no cargo interinamente e atuava há pelo menos oito anos com diversos povos indígenas na Funai. Desde a redemocratização do país, a política com relação a indígenas que vivem sem contato na floresta mudou.
A Funai apenas os aborda quando a intenção de sair do isolamento parte deles, geralmente porque estão fugindo de alguma ameaça na floresta, como o ataque de madeireiros ou de garimpeiros. Na ditadura, o Governo fazia busca ativa destes povos para forçá-los a sair do isolamento, o que acabou por dizimar diversos povos por conta de doenças para as quais eles não tinham proteção. “A política pública brasileira para tais povos é reconhecida internacionalmente por sua qualidade e caráter estritamente técnico. Baseada na política do não-contato e no respeito ao direito desses povos à sua organização social, costumes e tradições, vedando, assim, proselitismo religioso e atuação missionária, crime agravado quando em comunidades de Povos Indígenas Isolados ou de Recente Contato”, defendem na carta.
Segundo os servidores, este cargo é historicamente ocupado por servidores de carreira justamente por conta da situação vulnerável na qual se encontram os indígenas isolados. Ricardo Dias não faz parte dos quadros da fundação e só poderá assumir o cargo porque, na última quinta-feira, o presidente fundação, Marcelo Xavier da Silva, alterou o regimento interno para permitir que pessoas que não sejam servidoras de carreira assumam cargos comissionados de comando. A decisão, embora ainda não tenha sido formalizada, gerou revolta em entidades da sociedade civil que atuam pelos direitos dos indígenas.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Associação dos Povos indígenas do Brasil (Apib) e a Survival Internacional publicaram notas na semana passada em repúdio à possível nomeação de Ricardo Dias. As entidades acusam o Governo Bolsonaro de ceder a interesses evangélicos e pôr em risco as etnias isoladas. A associação de servidores da Funai, Indigenistas Associados (INA), manifestou “a profunda incompatibilidade técnica e o risco de danos irreparáveis em virtude de possível nomeação”.
A Coordenadoria de Índios Isolados e de Recente Contato desenvolve ações de proteção desses povos. Visa garantir que eles possam exercer suas tradições sem a necessidade de contatá-los. Caso Ricardo Dias assuma o posto, terá sob seu guarda-chuva, por exemplo, os estudos de localização e monitoramento dos povos indígenas isolados. O Brasil têm hoje ao menos 107 povos indígenas isolados registrados pela Funai.
Nos dez anos em que integrou a Missão Novas Tribos do Brasil —entre1997 e 2007—, Ricardo Dias atuou na evangelização de indígenas do Vale do Javari, uma das maiores terras indígenas demarcadas do Brasil, no Amazonas. Após a veiculação de sua possível nomeação pela imprensa, a etnia também manifestou uma nota de repúdio. “As conquistas consolidadas por décadas na proteção aos índios isolados passam a estar ameaçadas, já que, na prática, quem vai executá-las são àqueles que já promoveram desgraças à vida e a sociedade de inúmeros povos indígenas na Amazônia”, diz trecho da publicação
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