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Menos estigma e mais aceitação: a importância de dizer “tenho ansiedade”

Preconceitos associados a esse transtorno diminuíram, mas nem sempre é fácil comunicá-lo aos círculos mais próximos

Os especialistas contam que falar da ansiedade pode ser mais uma forma de enfrentá-la e ajudar que outros também contem, mas recomendam avaliar primeiro a quem contar e a quem não
Os especialistas contam que falar da ansiedade pode ser mais uma forma de enfrentá-la e ajudar que outros também contem, mas recomendam avaliar primeiro a quem contar e a quem nãoBuena Vista Images / Getty
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“Oi, meu nome é Manu e tenho ansiedade generalizada”. Assim costumava se apresentar Manuel García (31 anos) quando conhecia alguém. “Percebi que nem sempre funcionava porque existem pessoas que podem utilizar essa informação contra você se tem um momento de baixa”, diz García ao EL PAÍS em conversa por telefone. Para ele, o mais complicado de conviver com esse transtorno mental “é a incompreensão dos outros”. “Você só quer que te entendam e que respeitem suas limitações, como não poder ir a uma discoteca lotada de gente, por exemplo. Mas nem todo mundo é capaz de fazê-lo. Eu cheguei a perder amizades, e até relacionamentos, por isso”.

García convive com sua ansiedade desde os 12 anos. “Comecei a ficar muito nervoso e fui ao psiquiatra”. O profissional lhe diagnosticou um quadro de ansiedade generalizada, um transtorno mental causado pelo excesso de preocupação e um dos diferentes tipos que existem.

“Não contei aos meus pais até entender o que acontecia comigo. No começo, não reagiram muito bem, perderam um pouco o chão, ainda que tenham tentado me ajudar”, conta García, que ainda hoje continua tomando medicação e fazendo terapia para tratar sua ansiedade. “Minha relação com eles mudou inevitavelmente”.

Contar sim, mas para quem?

Juan Carlos Baeza, psicólogo da Clínica de Ansiedade — com sede em Madri e Barcelona — conta por telefone ao EL PAÍS que “se escreve cada vez mais sobre ansiedade, não somente em publicações especializadas, e sim em meios generalistas, o que contribui ao apoio social”. “Por outro lado, há mais gente que fala abertamente sobre essa patologia mental, entre elas muitas pessoas públicas”. Isso ajuda a que o estigma social desse transtorno diminua. ElRubius, o youtuber com mais seguidores da Espanha, contou em maio de 2018 que deixava o YouTube temporariamente por esse motivo.

“Tenho cada vez mais dificuldades para respirar, tenho como se fossem quedas”, disse ElRubius no vídeo em que anunciou sua parada temporária no YouTube. “Terminei alguns vídeos ao vivo muito rápido porque percebi que desmaiava. E era por isso, pela ansiedade e o nervosismo de tentar ser a melhor versão de mim 100% das vezes em que estou diante da câmera”. Também contou que havia ido ao médico para tentar solucioná-la. Outras pessoas públicas que falaram publicamente de sua ansiedade são a youtuber Paula Cariatydes, cantores como Rayden e Alfred e o jogador Andrés Iniesta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou neste ano o Brasil como o país mais ansioso do mundo. Isso porque 9,3% da população brasileira (ou 18,6 milhões de pessoas) convive com o transtorno, proporção não igualada por qualquer outro país.

De acordo com o Barômetro juvenil de vida e saúde, realizado pela Fundação de Ajuda contra o Vício em Drogas e a Fundação Mútua Madrilenha, somente metade dos jovens que sentem sintomas de transtornos mentais vai a um especialista. O mesmo relatório diz que três em cada 10 espanhóis de 15 a 29 anos, mais de dois milhões de pessoas, afirmam ter sofrido algum sintoma de transtorno mental no último ano. Em relação ao diagnóstico que recebem ao ir a algum médico, a depressão é o transtorno mais habitual, seguidos de outros como a ansiedade, pânico e fobias (11,2%) e de sono (7,2%). 

No caso de sofrer ansiedade, Juan Carlos Baeza recomenda contar às “pessoas de mais confiança” e pedir ajuda profissional. “Esconder pode nos causar mais pressão e, portanto, gerar mais ansiedade”, esclarece. “Tornar outras pessoas depositárias de nossos problemas pode gerar alívio e até mesmo encorajar outros que também estão sofrendo de ansiedade a contar”. Conclui, entretanto, que “os transtornos de ansiedade são muito diferentes e cada pessoa os sofre à sua maneira. Contar ajudar a normalizar, mas não podemos cair na generalização”.

David González (36 anos) percebeu que tinha ansiedade há três anos, na consulta do médico. “Comecei a hiperventilar e notei como apertava minhas mãos”, conta. “Soube então que algo mais grave estava ocorrendo comigo, provavelmente fruto de outros problemas que estavam acontecendo em minha vida”. Como explica o jovem, que também é psicólogo, “a ansiedade é o grito de seu corpo quando já não aguenta mais, um processo lento e silencioso que, se você não prestar a atenção necessária, termina se transformando em algo crônico”. Acha que o mais difícil é falar da causa: “Todo mundo tem receio em tocar em certos assuntos porque um tema leva a outro e falar de sua ansiedade talvez faça com que você fale do motivo”.

A psicóloga especialista em ansiedade María José González acrescenta que “contar é também uma maneira de enfrentar o que está acontecendo conosco, mas cada caso é diferente e depende de como são essas relações com nossos círculos mais próximos e em nosso entorno de trabalho”. “O âmbito profissional pode chegar a ser muito competitivo e pode ser que não encontremos a melhor resposta no momento de compartilhar nosso processo de ansiedade”, diz a profissional que trabalha em consultório próprio em Madri. “Eu sempre recomendo analisar a situação para avaliar se contar irá nos beneficiar ou não. Por outro lado, é importante que a pessoa para quem contarmos não interprete como uma desculpa de rendimento e que nos escute”.

Contar publicamente como forma de terapia

“Ninguém está vacinado contra a ansiedade, como também não podemos nos vacinar contra a raiva e a tristeza; a ansiedade é uma emoção a mais, e deve ser tratada como tal”, diz Antonio Cano-Vindel, presidente da Sociedade Espanhola para o Estudo da Ansiedade e o Estresse (SEAS) e acrescenta que o número de pessoas afetadas pela ansiedade está aumentando. “Vivemos em uma sociedade muito estressante, cada vez queremos fazer mais coisas e obter os mesmos e até melhores resultados; na maioria dos casos não é possível e esse fracasso pode gerar ansiedade”.

Por isso, Cano-Vindel recomenda que se priorizem os serviços de saúde mental na saúde pública, “escassos até agora”. “E a melhor forma de fazê-lo tem a ver com a questão de contá-lo publicamente”, diz se referindo ao teste clínico Psicologia em Atendimento Primário (PsicAP) — elaborado em várias comunidades autônomas e liderado por ele mesmo em colaboração com a Fundação Espanhola para a Promoção e o Desenvolvimento da Psicologia Científica e Profissional (PsicoFundación) — que pretende demonstrar os benefícios pessoais e econômicos da terapia grupal para tratar transtornos mentais como a ansiedade.

Tradicionalmente, a saúde pública não conta com psicólogos nos centros de atendimento primário. Na Comunidade de Madri foram incorporados aos centros de saúde em 2018, e muitas comunidades autônomas ainda não oferecem esse serviço. Dois em cada três pacientes com transtornos de ansiedade e depressão são tratados por seu médico de atendimento primário, especialmente com medicamentos, com uma taxa baixa de remissão e recaídas frequentes, segundo o Conselho Geral de Psicologia na Espanha.

“Se você vai ao seu médico pessoal, em vez de te receitar medicamentos e pronto, porque não tem tempo de te escutar, você pode ir a uma dessas terapias em grupo, como já está sendo feito na Comunidade de Madri, por exemplo”, diz Cano-Vindel. “Em vez de tratar o paciente individualmente, o psicólogo pode dar informação e ferramentas a várias pessoas para aprender a lidar com sua ansiedade, e elas, por sua vez, podem naturalizar seu transtorno graças às conversas em grupo”, conclui.

Como atuar se alguém fala de sua ansiedade

Falar sobre um transtorno de ansiedade nem sempre é fácil e a resposta do entorno pode ser determinante à pessoa que realiza a confissão. A Clínica de Ansiedade recomenda:

  • Evitar tornar o problema trivial e desqualificá-lo para que a pessoa não se sinta pré-julgada, ridicularizada e rechaçada.
  • Evitar a culpabilização para que ela não se sinta mais angustiada e incapaz.
  • Não dramatizar e se angustiar mais do que ela para não sobrevalorizar seu transtorno.
  • Não superproteger, e sim gerar expectativas realistas de solução.
  • Pegar informação e sugerir apoios externos, se a pessoa os pedir.

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