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Falsa revista de moda espanhola escondia um guia contra a violência machista

Polícia Local de Dénia identificou 24 vítimas de violência de gênero que nunca haviam denunciado graças as 70 publicações que distribuiu por 18 estabelecimentos frequentados por mulheres

A reportagem sobre 10 melhores destinos para viajar escondia conselhos às vítimas de violência de gênero.
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Cristina Vázquez
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Uma falsa revista feminina camuflava um guia contra os maus-tratos. Esse foi o método nada ortodoxo com que o município de Dénia (Espanha) conseguiu descobrir novos casos de violência machista. Setenta exemplares dessa falsa revista de moda e viagens circularam durante quase dois anos por 18 estabelecimentos frequentados por mulheres do município, o que serviu para que 24 mulheres que nunca haviam denunciado pedissem ajuda.

Não era só mais uma publicação: uma reportagem de como fazer sucesso no Instagram ensinava na realidade a averiguar se eram vigiadas nas redes sociais por seus companheiros e como evitá-lo; outro artigo dedicado aos 10 melhores destinos para viagens aconselhava como sair de casa no caso de perigo; e a entrevista com uma pessoa conhecida escondia na realidade depoimentos de outras vítimas que romperam as correntes. E assim no restante das páginas de uma revista da qual a essas alturas não resta nenhum rastro.

A Polícia Local de Dénia e sua unidade contra a violência de gênero, Artemis, apresentaram nessa semana, pelo dia internacional contra a violência de gênero, os resultados de uma experiência piloto que foi mantida em segredo até hoje pela segurança das vítimas.

Eva Gadea, coordenadora da Unidade Artemis, diz que os folhetos informativos contra os maus-tratos não funcionam porque, ao contrário das ligações ao 016 (número para o qual as vítimas de maus-tratos devem ligar na Espanha. No Brasil, é 180), deixam um rastro. “As mulheres não os pegam por medo de levá-los para casa e que o agressor as descubra e tome represálias. Ou simplesmente porque não são conscientes de que são vítimas”.

A Prefeitura encarregou a agência de criação Sapristi da elaboração de um cartaz para o dia internacional contra a violência de gênero e os publicitários encontraram um formato diferente. Propuseram uma publicação que formalmente parecia uma revista de moda, mas continha no interior informação de onde ir, telefones úteis e outros conselhos. “Era um formato com mais possibilidades do que os folhetos usuais”, diz Alfred Pavia, diretor de criação da agência.

No total 24 mulheres ligaram para a Artemis em pouco mais de um ano e meio de duração da experiência. Duas apresentaram denúncia e o restante foi enviado ao Centro da Mulher para que as ajudassem a sair do ciclo de violência. “Por fim o que pretendemos já não é somente as denúncias, mas também que as mulheres sejam conscientes do problema e tomem medidas”, afirma Gadea. As vítimas não identificam os maus-tratos psicológicos com gestos cotidianos de seus companheiros, como controlar o celular e dizer como podem ou não se vestir, gestos cada vez mais frequentes entre adolescentes.

Muitas das pessoas envolvidas em tornar essa experiência maior trabalharam de graça em um projeto que começou há quatro anos. É uma iniciativa singular, mas existiram outras com objetivo parecido, como a que foi feita no Brasil, onde foi lançada uma campanha para detectar marcas na pele e tatuadores, profissionais que estão a um palmo da pele, receberam formação, o que ajudou a identificar possíveis casos de agressão.

José Martínez Espasa, delegado-chefe da Polícia Local de Dénia, acrescenta que a ideia surgiu após a detecção de novos casos, porque as vítimas não são totalmente conscientes de que sofrem violência de gênero e não a exteriorizam. “Queríamos mostrar-lhes que havia recursos a sua disposição e que entrar no circuito de ajuda e assistência não era difícil”, afirma.

A grande acolhida da inciativa permitiu continuar com o projeto ampliando o número e o tipo de estabelecimentos dispostos a colaborar com essa causa. O projeto da revista foi totalmente modificado para continuar garantindo a segurança das vítimas. Além disso, a Unidade Artemis apresentou o projeto a delegacias de outras localidades, que já mostraram interesse em implementá-lo pelos bons resultados obtidos.

O projeto, liderado pela Câmara Municipal de Proteção da População, queria chegar às vítimas, dar-lhes informação e, principalmente, favorecer a denúncia, uma vez que 80% das mulheres assassinadas não haviam denunciado anteriormente.

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