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Juan Arias
Coluna
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Sinais do aumento de feminicídios. Por que elas são mortas?

Se nós, homens, fôssemos sinceros, deveríamos aceitar que criamos para as mulheres e os negros um mundo de excluídos

Juan Arias
Mulheres fazem ato no Rio, em junho.
Mulheres fazem ato no Rio, em junho.Tomaz Silva (Ag. Br.)

O presidente da extrema-direita Jair Bolsonaro comemora que o número de homicídios caiu 20% em 2019 no Brasil e o de estupro 12%, segundo dados compilados pelo Ministério da Justiça, sob o comando de Sergio Moro. Os dados coexistem, no entanto, com fortes sinais de que os feminicídios disparam, pois aumentaram 44% em São Paulo este ano (até agosto, segundo dados compilados pelo site G1). Na comparação entre 2017 e 2018, houve um crescimento de 4% dos feminicídios em todo o país. A cada quatro horas uma mulher é morta por ser mulher, por medo ou por ódio.

O Brasil não é apenas o quinto país com mais feminicídios do mundo, mas esses números podem aumentar, já que parte dos homicídios de mulheres registrados poderiam ser também feminicídios, assim como a maioria dos estupros de mulheres seguidos de morte devem ser consideradas também feminicídios por terem como motivo o ódio e o desprezo pela mulher.

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Estamos na paradoxal situação de que enquanto menos homens no Brasil são vítimas mortais da violência, mais mulheres, a grande maioria negras e pobres, são sacrificadas todos os meses no Brasil, onde o Governo tenta introduzir cânones do modelo de família tradicional e cristã, cujos únicos valores são aqueles que vigiam antes da Constituição de 1988, quando se considerava que a mulher existia para servir o homem ou, como reza a doutrina tradicional cristã, para “obedecer ao marido em tudo”.

Perguntaram-me há alguns dias se tenho esperança de que a mulher possa recuperar a mesma dignidade do homem na sociedade, o mesmo respeito como pessoa humana e o mesmo direito à vida. O que penso é que essa utopia só acontecerá quando também as mulheres, e não apenas os homens, e no Brasil principalmente as negras e pobres que são maioria, puderem escrever a história.

O mundo contado apenas pelos homens brancos e por eles governado continuará sendo machista porque eles moldaram as leis e criaram os mitos, entre eles o de que a mulher é inferior ao homem e a ele deve se submeter. E isso das cavernas até hoje. E até nas religiões. Na Igreja Católica, São Tomás de Aquino chegou a duvidar que a mulher tivesse alma. O que a Igreja de Roma nunca deixou de acreditar e pregar é que a mulher é uma causa de pecado para o homem. Por isso, talvez, até hoje a mulher não possa ter acesso ao sacerdócio. Continua sendo vista como inferior.

O mundo, as guerras, o amor, a vida e a morte, os sentimentos foram forjados apenas por metade da humanidade. A outra metade sofreu e aguentou até hoje, e no Brasil está em ascensão o machismo que volta a matar mais mulheres do que antes. Eu sei que me dizem que prefiro agora um mundo regido pelo elemento feminino em substituição ao masculino. Não, mas como foram os homens que contaram o mundo às mulheres, deixemos que elas provem o mesmo direito de se equivocar como nós. E se elas conseguissem criar um mundo diferente com menos ódio e mais colaboração? E se forem capazes de criar uma sociedade na qual a violência e a desigualdade escandalosa não sejam a chave da história, nem das guerras, nem da cor da pele nem da cor da sexualidade?

Se nós, homens, fôssemos sinceros, deveríamos aceitar que criamos para as mulheres e os negros um mundo de excluídos. Até a história do passado fomos nós que escrevemos. Hoje estamos diante de um Brasil duplamente dominado pelo pior da masculinidade e pela maior rejeição à mulher e àqueles que não se encaixam no modelo do macho alfa. Não seria por isso que o país está menos alegre, mais dividido, mais violento e com o ódio que corre solto?

O pouco da história que aqui foi criado e contado pelas mulheres aqui é o das mães, especialmente as pobres e negras, que tiveram de sustentar sozinhas seus filhos e família. E nessa história, às vezes escrita com sangue, podemos tocar com as mãos a força, o sacrifício e o trabalho amoroso que essas mulheres heroínas às vezes exibem até com alegria. Choram, mas são mais fortes e menos covardes do que os homens que as abandonam à própria sorte.

São essas mulheres que um dia também poderiam escrever a história deste país, como havia começado a fazer no Rio de Janeiro a jovem negra e lésbica Marielle Franco, assassinada porque a história que tinha começado a fazer e escrever assustou os homens, que matam as mulheres que pretendem viver em liberdade para criar um mundo que, como se conta no mito bíblico da criação, “Deus viu que era bom”.

No entanto, nesse mesmo livro da Bíblia, que é um formidável mito literário, duas versões diferentes da criação do homem e da mulher são apresentadas em seguida no primeiro capítulo do Gênesis. Na primeira, a libertadora, Deus cria o homem e a mulher do mesmo barro da terra. Ambos com a mesma dignidade, para que juntos tecessem a história. E na segunda, a machista, Deus cria primeiro Adão e a partir de uma de suas costelas faz Eva nascer, porque, diz o relato que “não era bom que o homem estivesse sozinho”. A mulher aqui é criada para o alívio da solidão do homem. É a alvorada da escravidão feminina.

Talvez apenas quando, no mundo novo que está palpitando para nascer, a humanidade recuperar a versão da mulher criada como o homem com os mesmos pecados, mas com a mesma liberdade de acertar e errar, só então poderemos ter um mundo onde conceitos como feminicídio, machismo e homofobia sejam apenas objetos de museu.

As mulheres, como sempre, continuam sendo mortas porque se tem medo delas. No final, sempre, se matou no mundo por medo ou por ódio. O feminicídio, um termo feliz criado pela socióloga sul-africana Diana E.H. Russell para indicar quando se matam mulheres pelo mero crime de serem mulheres, é um dos mais covardes e perversos criados pelo homem. Até quando?

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