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O presidente do Chile prefere governar uma colônia

Com a transferência da COP-25 para a matriz europeia, perdeu-se uma oportunidade histórica de conectar o debate climático com as preocupações da população

Eliane Brum
Trabalhadores de saúde protestam nesta quinta-feira na capital Santiago.
Trabalhadores de saúde protestam nesta quinta-feira na capital Santiago. CLAUDIO REYES (AFP)
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O cancelamento da COP-25 no Chile e a transferência para a Espanha aponta o apartheid climático. Mostra também que alguns dos principais atores não compreendem as forças que estão em jogo. Não é uma questão apenas de milhões de dólares irem pelo ralo, de participantes enlouquecerem para mudar planos e passagens, da reorganização em tempo recorde de um evento gigantesco em outro continente. Trata-se de escolha política que denuncia o presente e compromete o futuro. Que a transferência da COP-25 seja da antiga colônia espanhola para a matriz europeia é altamente simbólico. O discurso oficial de que a COP continua sendo do Chile, mas em território espanhol, seria mais um detalhe saboroso caso se tratasse de uma obra de ficção. Não é.

O Chile vive o seu maior levante popular desde o fim da ditadura militar. Mesmo que não sejam assim nomeadas, insatisfação e desespero estão conectados com a emergência climática. O colapso do clima não é uma alegoria no horizonte distante, mas algo que já está fazendo vítimas e determinando migrações e insurreições pelo planeta. As desigualdades serão ainda mais ampliadas pelos impactos do superaquecimento global. Em vez de conectar os levantes com o debate climático, fazendo com o que é da Terra desça à terra e seja atravessado pelas questões prementes da população, o conservador Sebastián Piñera preferiu cancelar a COP. A final da Libertadores, claro, foi mantida — e só mais tarde transferida para Lima, no Peru.

Mais uma vez, uma oportunidade histórica é perdida. Os negociadores não querem sujar as mãos com as ruas da América Latina em diferentes tipos de convulsão. Preferem manter as negociações intermináveis em ambiente climatizado. A ironia aqui não é opcional. Querem mesmo controlar o clima do debate e não ser pressionado por aqueles que sofrem a falta de políticas públicas para enfrentamento do maior desafio da trajetória humana.

Quando o presidente chileno anunciou o cancelamento da COP, os movimentos sociais que organizam a Cumbre de los Pueblos, de 2 a 10 de dezembro, fizeram uma declaração de resistência: #NoHayCOPSiHayCumbre. Manterão no Chile o encontro que movimenta a sociedade civil. O evento só será cancelado se a maioria virar as costas para a América Latina e rumar para a Europa. Os organizadores sinalizam que, se temos alguma chance para enfrentar o colapso climático, é pelas bases. O presidente do Chile tratou o país como colônia. O povo declarou que o Chile é livre.

Parte da Europa tem posado de iluminista no debate climático, enquanto suas empresas disseminam agrotóxicos em outros continentes e suas mineradoras contaminam rios na Amazônia. O gesto “generoso” da Espanha de abrigar a COP busca reforçar a imagem de uma Europa “civilizada”. Não se pode esquecer, porém, que veio da Europa a destruição que hoje o mundo inteira paga. Se ainda existe floresta viva é graças aos povos indígenas que os colonizadores europeus tentaram exterminar e não conseguiram. O que os organizadores da COP-25 precisam compreender com urgência é que, sem descolonizar o pensamento, não haverá futuro. #SiHayCumbre.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Brasil, Construtor de Ruínas, Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, meus desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum/ Instagram: brumelianebrum

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