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Trump anuncia morte de al-Baghdadi, líder do Estado Islâmico, em operação militar na Síria

Ataque contra autoproclamado califa do EI coincide com retirada das tropas norte-americanas do conflito

Abu Bakr al-Baghdadi, em abril de 2019.
Abu Bakr al-Baghdadi, em abril de 2019.AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou neste domingo a morte do líder do Estado Islâmico (EI), Abu Bakr al-Baghdadi, em uma operação militar no noroeste da Síria. Considerado um dos terroristas mais procurados do mundo, al-Baghdadi proclamou em 2014 o califado do EI que durante os três anos seguintes de apogeu se espalharia pelo Iraque e pela Síria, semeando o terror com execuções em massa e impondo sua versão radical do islã.

“Era um homem doente e depravado e já se foi”, disse Trump, em um pronunciamento televisionado à nação. “Morreu como um cachorro, morreu como um covarde. O mundo é hoje um lugar muito mais seguro.”

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O presidente afirmou que não houve baixas norte-americanas na operação, que começou “algumas semanas atrás” e terminou no sábado com al-Baghdadi encurralado, detonando o cinto explosivo que estava usando. Por outro lado, houve um “bom número” de baixas entre os companheiros do líder do EI. As forças especiais norte-americanas se apropriaram de numerosas informações secretas relacionadas ao grupo terrorista, explicou Trump.

O assalto ao complexo residencial em que al-Baghdadi estava, localizado a menos de cinco quilômetros da fronteira com a Turquia, foi realizado por 50 a 70 membros da Força Delta e dos Rangers do Exército dos Estados Unidos. A operação também envolveu seis helicópteros de combate que partiram de Erbil, capital da região do Curdistão iraquiano.

Com a operação, Trump anota uma inquestionável vitória em política externa. O presidente, imerso em uma grande crise interna com um processo de impeachment em andamento contra ele, alcança um dos objetivos mais claros de seu primeiro mandato.

Abu Bakr al-Baghdadi liderou o Estado Islâmico desde 2010, quando o grupo terrorista ainda era um ramo clandestino da Al Qaeda no Iraque. A queda em 2017 de Mossul e Raqa, as fortalezas do grupo terrorista no Iraque e na Síria, respectivamente, despojou al-Baghdadi de seu poder e fez dele um fugitivo. Os ataques aéreos realizados pelos EUA mataram a maioria dos principais lugar-tenentes do EI e, antes de publicar uma mensagem em vídeo em abril na qual o líder terrorista aparece, havia informações contraditórias sobre se estava vivo ou não. Apesar de perder seu último território significativo, acredita-se que o EI tenha células adormecidas em todo o mundo e alguns combatentes operam nas sombras no deserto da Síria e em várias localidades iraquianas.

Trump, a noite do sábado, vendo ao vivo a operação no noroeste da Síria.
Trump, a noite do sábado, vendo ao vivo a operação no noroeste da Síria.AFP

A operação contra al-Baghdadi acontece no momento em que os Estados Unidos mostram hesitações em sua estratégia na região. A decisão do presidente Trump, há um mês, de retirar quase a totalidade do milhar de homens que tinha na Síria, em meio à ofensiva turca contra as forças curdas, que foram aliadas dos EUA na luta contra o EI, foi corrigida nos últimos dias. Washington agora cogita manter uma presença maior do que a inicialmente estimada, para proteger os campos de petróleo sírios do EI.

O fugitivo mais procurado do planeta

Supunha-se que o fugitivo mais procurado do planeta, com uma recompensa de 25,5 milhões de dólares (cerca de 100 milhões de reais) oferecida pelos EUA por sua cabeça, estivesse escondido em algum abrigo no deserto na fronteira entre Síria e Iraque, onde as células adormecidas do EI vagam à espera de reativação por meio do terror. Mas também Osama Bin Laden foi procurado nas montanhas do Afeganistão, quando vivia placidamente com a família perto da principal academia militar do Paquistão.

A província de Idlib, o último reduto da rebelião contra o regime de Bashar al-Assad, no norte da Síria, parecia um refúgio improvável para al-Baghdadi. O objetivo dos comandos da Força Delta, a aldeia síria de Barisha, fica a apenas uma dezena de quilômetros da fronteira da Turquia, em um território no qual os grupos insurgentes islâmicos se fortaleceram durante mais de oito anos de guerra.

Na luta pela hegemonia na rebelião salafista e jihadista, os herdeiros da Al Qaeda, dos quais al-Baghdadi se separou há seis anos para empreender a fundação do califado, haviam finalmente arrinconado ao EI em Idlib há um ano. A poderosa milícia Hayat Tahrir al-Sham controla a maior parte da província rebelde, cercada por forças sírias e russas, e onde o Exército turco estabeleceu uma dúzia de “postos de observação militar”. A presença do califa fugitivo em Idlib é interpretada como um sinal da fraqueza do EI na região do Eufrates, diante do assédio do Exército iraquiano e do avanço das tropas de Damasco e de suas agora milícias curdo-árabes aliadas da Frente Democrática Síria.

O líder do Estado Islâmico reapareceu em 16 de setembro em uma fita de áudio na qual exortava seus seguidores a libertar os prisioneiros jihadistas nas mãos das milícias curdas no nordeste da Síria. As fitas de áudio divulgadas em portais digitais de propaganda jihadista eram seu meio habitual de comunicação. Desde que proclamou o califado na grande mesquita de al-Nuri, em Mossul (norte do Iraque), em 2014, al-Baghdadi nunca mais foi visto. Em abril, quando caiu seu último feudo territorial na fronteira síria do rio Eufrates com o Iraque, reapareceu em um vídeo pela primeira vez em cinco anos.

A aniquilação do EI foi o único objetivo compartilhado pelos beligerantes enfrentados no tabuleiro global do conflito sírio, como Rússia e Irã, aliados de al-Assad; a Turquia, associada à rebelião islâmica, e os EUA, que bombardearam as bases do Califado durante mais de quatro anos. Antes mesmo da confirmação oficial da operação pela Casa Branca, das milícias curdas da Síria, agora aliados dispensados por Washington, aos serviços de inteligência militar do Iraque, tentaram anotar o tento de sua colaboração na operação ordenada por Washington.

Embora todos os indícios apontem para a Turquia como ponto de partida para a ação violenta norte-americana, Ancara mantém uma reserva oficial. Uma fonte do Governo de Recep Tayyip Erdogan consultada pelo EL PAÍS se limitou a apontar que “al-Baghdadi chegou ao local (Barisha) 48 horas antes do ataque”, informa Andrés Mourenza. A Turquia foi informada “com antecedência” e esteve “coordenada” com os EUA, acrescentou, sem confirmar ou desmentir a eventual colaboração dos serviços de espionagem turcos, que mantêm contatos estreitos com grupos rebeldes em Idlib.

“Congratulamo-nos com o que aconteceu; é um bom dia para os bons”, concluiu a fonte oficial turca, que pediu para não ser identificada, antes de afirmar que “a cooperação com os EUA e outros aliados” continuará na luta contra o EI. A intervenção de um comando aerotransportado norte-americano no noroeste da Síria só parece factível por duas vias: uma improvável cumplicidade da Rússia e da Síria ou a anuência da Turquia. A área base de Incirlik, no sudeste próximo de Anatólia, ou um porta-aviões ancorado no Golfo de Alexandreta parecem os pontos mais previsíveis para que a Força Delta possa lançar uma operação secreta em Idlib, onde mais de 30.000 insurgentes islâmicos radicais estão entrincheirados com artilharia e mísseis terra-ar.

Se, como apontaram fontes de Washington aos meios de comunicação norte-americanos, o presidente Trump deu a ordem de agir contra al-Baghdadi há uma semana, parece plausível que os serviços de inteligência de Ancara puderam informar os EUA sobre o paradeiro do chefe do EI durante a reunião que o vice-presidente Mike Pence e o secretário de Estado Mike Pompeo (ex-diretor da CIA) fizeram nos último dia 17 com o presidente Erdogan para conter a intervenção da Turquia na Síria.

Dado por desaparecido várias vezes, al-Baghdadi era sobretudo um símbolo político e religioso mais do que um chefe e estrategista militar. Sua morte não terá um impacto importante na ameaça jihadista global. O califa que chegou a reinar sobre 11 milhões de pessoas em um território do tamanho do Reino Unido já representava a imagem da derrota na última vez em que foi visto com vida. Cercado por seus comandantes no vídeo divulgado seis meses atrás, sua presença era apenas uma demonstração de que estava vivo para dezenas de milhares de membros e filiados do EI no Oriente Médio, Ásia, África e Europa. Liquidados o califado e o califa, o EI ainda aspira a continuar atingindo com o terror por meio de grupos de radicais e fanáticos que o reverenciam em meio mundo.

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