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A vertigem de Quito, do caos à militarização

Depois do toque de recolher decretado por Lenín Moreno na capital do Equador, os indígenas e o Governo ensaiam uma aproximação enquanto os distúrbios prosseguem

Manifestantes enfrentam a polícia neste domingo, em Quito.
Manifestantes enfrentam a polícia neste domingo, em Quito.Paolo Aguilar (EFE)
Francesco Manetto

As negativas começaram no sábado pela manhã. "Impossível", em todas as suas variações. "É proibido ir". Os transportadores, justamente a categoria mais afetada pelos ajustes econômicos e o aumento do preço dos combustíveis que há 12 dias desencadearam uma onda de protestos no Equador, estão com medo. Muitos deles não querem ouvir falar de Assembleia Nacional ou de Parque del Arbolito, epicentro das mobilizações das comunidades indígenas em Quito. O trajeto entre o centro financeiro da capital e o Parlamento, de cerca de 4,5 quilômetros, é uma imersão em uma cidade fantasmagórica e abandonada.

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Primeiro, os distantes sinais de fumaça. Depois, as explosões antecipam o cenário da batalha campal que começou por volta do meio dia. Os violentos confrontos entre grupos de manifestantes e forças de segurança abriram a caixa de Pandora. E enquanto a Confederação das Nacionalidades Indígenas (Conaie), que se afastou da ação dos violentos, anunciava sua disposição de dialogar com o Governo, o presidente Lenín Moreno tomava uma decisão radical e decretava a militarização e o toque de recolher por 24 horas em todo o distrito metropolitano.

“Determinei ao comando conjunto das forças armadas que adote imediatamente as medidas e operações necessárias. Restabeleceremos a ordem em todo o Equador", afirmou então o presidente. A medida não impediu novos distúrbios, mas os conteve. Acima de tudo, gerou um clima de inquietação e incerteza que se somou às imagens do incêndio da Controladoria, o principal órgão de controle fiscal do país, e ataques a meios de comunicação. A organização indígena atribuiu sua mudança de posição justamente à tentativa de "evitar um banho de sangue". Nos últimos dias, Quito viveu momentos de guerrilha urbana. Houve saques, vandalismo, violência, prisões em massa e episódios de repressão. Pelo menos cinco pessoas morreram, segundo a Defensoria do Povo (órgão de ouvidoria).

A noite de sábado transcorreu em meio à expectativa da primeira reunião entre as partes, facilitada pelas Nações Unidas e pela Conferência Episcopal. O encontro, cujos resultados ainda são incertos, estava marcado para as três horas da tarde, horário local, mas foi adiado após repetidas cenas de tumulto e repressão nas ruas da capital. Durante a manhã, escutaram-se panelaços em algumas partes da cidade. Os sons que vinham das janelas colidiram com o silêncio sepulcral da maioria das ruas. O Parque de La Carolina Park, na área de Iñaquito, permaneceu deserto, enquanto patrulhas uniformizadas protegiam hotéis e prédios públicos. As vias para o aeroporto estavam inutilizáveis e várias companhias cancelaram as operações.

Na manhã deste domingo, enquanto se aguardava a reunião entre os representantes indígenas e o Executivo, o Exército suspendeu parcialmente as restrições de mobilidade até as 20 horas deste dia. Os moradores, incluindo algumas famílias, foram à Avenida de El Salvador para retomar, pouco a pouco, sua rotina. Um violoncelista toca Vivaldi em uma esquina, enquanto a imensa maioria dos bares, restaurantes e centros comerciais permanece fechada.

Camila Torres, de 44 anos, contadora em uma empresa de autopeças, procura uma loja aberta para comprar comida. Diz que sentiu medo. "Não sabíamos o que iria acontecer", afirma. Espera que a negociação acalme as águas e a partir desta segunda-feira possam voltar ao trabalho. "Temos que receber a quinzena", lembra. A cidade continua, de todo modo, mergulhada na comoção. Moreno insistiu em culpar pelo que aconteceu "forças obscuras ligadas ao crime político organizado e lideradas por [o ex-presidente Rafael] Correa e [o presidente da Venezuela, Nicolás] Maduro em cumplicidade com o narcoterrorismo, com gangues e com cidadãos estrangeiros violentos". No entanto, concordou em revisar o pacote de cortes solicitado pelo FMI, conhecido como decreto 883, mesmo sem modificar, pelo menos até agora, o aumento do preço dos combustíveis. Em troca, o presidente propôs um bônus de 20 dólares (83 reais) por mês aos funcionários do setor privado.

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