Polônia referenda o partido ultraconservador nas urnas
Segundo as pesquisas de boca de urna, o partido comandado por Jaroslaw Kaczynski obteve 43,6% dos votos (239 deputados), o que lhe permitiria governar sozinho
A Polônia endossou neste domingo nas urnas a linha autoritária do ultraconservador Governo do partido Lei e Justiça (PiS). De acordo com as pesquisas de boca de urna, o partido liderado por Jaroslaw Kaczynski obteve 43,6% dos votos (239 deputados de um total de 460) nas eleições legislativas, o que lhe permitirá governar sozinho e aprofundar as reformas que puseram em perigo o Estado de direito na legislatura que se encerra, como a do sistema judicial. Sua política de assistência social e o crescimento econômico do país conseguiram fidelizar um eleitorado desencantado com a oposição. A participação, segundo a pesquisa, foi de 61,1%, a segunda maior desde as eleições de 1989 (62%).
Após uma campanha descafeinada, o PiS conseguiu melhorar os resultados em relação a quatro anos atrás, quando obteve 37,6% dos votos e 235 cadeiras. Mateusz Morawiecki, o atual primeiro-ministro, buscava um segundo mandato, embora na prática o rosto da campanha tenha sido o de Kaczynski. "Recebemos muito, mas merecemos mais", disse o líder da legenda, segurando um buquê de rosas vermelhas e brancas, assim que as pesquisas foram divulgadas. A Coalizão Cívica (KO,) de centro-direita, liderada por Malgorzata Kidawa-Blonska, da Plataforma Cívica (PO), e da qual também fazem parte Os Verdes, o liberal Nowoczesna e a Iniciativa Polonesa, obteve 27,4% dos votos (130 deputados), resultado abaixo do alcançado pela PO sozinha nas eleições anteriores (24,1% e 138 assentos).
A coalizão de esquerda, Lewica, ficou na terceira posição, com 11,9% dos votos e 43 cadeiras, um avanço para os partidos que a compõem, até agora extraparlamentares. Em quarto e quinto lugar aparecem a união do PSL/Kukiz'15 –o partido dos agricultores que se apresenta como antissistema, liderado por um ex-roqueiro–, com 9,6% (34 deputados), e a extremista de direita Konfederacja (Confederação), uma nova força no Congresso, com 6,4% e 13 cadeiras.
Depois das mudanças experimentadas nos 30 anos de democracia desde a queda do comunismo, que fizeram da Polônia a sexta economia da União Europeia, o país passou na última legislatura por uma crise institucional que pôs em perigo parte desses avanços, aproximando algumas de suas políticas às da Hungria de Viktor Orbán. Sua reforma do sistema judicial, que inquietou a Comissão Europeia, por considerar que mina a independência dos magistrados e dá controle ao Executivo, e seu discurso anti-imigrantes – especialmente no início do mandato– e contra os homossexuais e grupos que defendem os direitos das mulheres marcaram esses quatro anos de Governo. O PiS, apoiado pela Igreja, se erigiu em defensor dos chamados valores nacionais.
No outro lado da balança, sua popular política social, com uma medida de destaque adotada logo após alcançar o poder, a que outorga 100 euros (455 reais) por mês para cada filho até os 18 anos, melhorou a vida de boa parte dos poloneses. Faltando apenas dois meses para as eleições, o Executivo eliminou o imposto de renda para os menores de 26 anos e nesta campanha também prometeu pagamentos extras aos aposentados, maiores investimentos em saúde e dobrar o salário mínimo, chegando a 925 euros (4.200 reais) até 2023.
"O que estamos fazendo é bom, viável e responsável", declarou Kaczynski neste domingo. “Repito responsável porque há uma parte da sociedade que se deixou convencer de que nossas medidas ao longo do tempo representarão um risco. Não faremos nada que seja um risco. Melhoramos radicalmente as finanças públicas e continuaremos a fazer isso”, afirmou.
O professor Adam Szymanski, da Faculdade de Ciências Políticas e Estudos Internacionais da Universidade de Varsóvia, considera que há três razões principais que levam os cidadãos a votar no PiS: “Por um lado, os benefícios sociais concedidos pelo Governo; por outro, as pessoas se sentem importantes pela primeira vez porque compram a retórica populista do Executivo, que proclama que são os primeiros a se interessar por elas; e, por fim, a ausência de uma oposição forte”. Na sua opinião, na Polônia falta educação cívica. "As pessoas não entendem por que a Corte Constitucional é importante", lamenta.
Embora seja impossível adivinhar quais serão os próximos passos do Governo do Lei e Justiça, Aleksander Smolar, analista político da Fundação Stefan Batory, explica que até agora vários elementos serviram como muro de contenção contra a guinada autoritária do PiS. “A resistência de centenas de juízes [que se mobilizaram quando a reforma do Supremo foi iniciada]; a da população, especialmente com os protestos dos dois primeiros anos do Governo; e a internacional, sobretudo a reação da UE”, afirma.
"É importante ir votar para mudar o Governo. Talvez agora não seja possível, mas, se queremos ser livres, temos que fazer tudo o que for necessário", afirmou neste domingo ao meio-dia Jakub, 35 anos, às portas de uma seção eleitoral lotada, localizada no coração de Varsóvia. “Há muitos jovens que não estão felizes com este Governo. Para que o futuro mude e seja melhor, precisamos votar”, comentava Klaudia, de 28 anos, sem muita esperança de alcançar esse resultado.
Nesse sentido, o líder da Plataforma Cívica, Grzegorz Schetyna –que decidiu não se apresentar como candidato– se dirigiu a seu eleitorado depois de conhecer os resultados. "Este é o único caminho, continuar trabalhando. Há eleições pela frente, as presidenciais [em 2020], e vamos vencê-las, é nossa promessa", concluiu.
Mateusz Morawiecki: O homem escolhido por Kaczynski
Apesar de ter buscado o cargo de primeiro ministro, Mateusz Morawiecki (Wrocław [Breslávia], 51 anos) não foi o rosto da campanha do partido Lei e Justiça (PiS). Ele também não atuou como líder do Governo desde que foi nomeado para o cargo em dezembro de 2017. É impossível entender a ascensão deste homem da banca, um tecnocrata alheio à política antes da chegada do PiS ao poder, em 2015, sem olhar para a figura do ultracatólico Jaroslaw Kaczynski. O presidente do partido administrou o país da sombra nos últimos quatro anos. Uma percepção compartilhada por analistas e pessoas comuns. Morawiecki assumiu o cargo no meio do mandato. Naquela época, a primeira-ministra Beata Szydlo desfrutava de grande popularidade no país. Na opinião da doutora em Ciências Políticas Malgorzata Kaczorowska, da Universidade de Varsóvia, Kaczynski decidiu substituí-la no cargo por um homem que projetasse outra imagem da Polônia no exterior, mas também porque "ter o controle de um político que goza de um grande apoio social é bastante complicado, ele pode começar a ser independente", comenta. "Morawiecki vem de fora e não tem mais apoio dentro do PiS do que Kaczynski, que é seu padrinho", observa.
Formado em Administração de Empresas, foi diretor-executivo do Banco Santander na Polônia –uma subsidiária do espanhol– e antes de assumir o posto de primeiro ministro atuou neste Governo como vice-primeiro-ministro e ministro de Desenvolvimento e Finanças. Seu pai, Kornel Morawiecki, que morreu em setembro, foi o líder do Solidariedade em Luta, uma das cisões radicais do movimento Solidariedade, e na última legislatura ocupou uma cadeira no Congresso por um partido de oposição.
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