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Bolsonaro exibe autonomia de Guedes a grupo de investidores

Em fórum, presidente diz que quem manda na economia é o ministro. Após notícia de que Estados Unidos indicaram Argentina e Romênia à OCDE, Trump reitera apoio ao Brasil

Naiara Galarraga Gortázar
Paulo Guedes, Onyx Lorenzoni e Bolsonaro no Fórum de Investimento, em São Paulo, nesta quinta-feira.
Paulo Guedes, Onyx Lorenzoni e Bolsonaro no Fórum de Investimento, em São Paulo, nesta quinta-feira. AMANDA PEROBELLI (REUTERS)
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Os investidores interessados no Brasil podem ficar tranquilos: a política econômica não está nas mãos do presidente. Como o próprio Jair Bolsonaro explicou nesta quinta-feira aos 1.500 empresários reunidos em São Paulo, ele é apenas o treinador de jogadores nos quais confia. E a política econômica, reiterou o polêmico mandatário, é assunto do czar econômico, Paulo Guedes. “A economia é dele, não indiquei ninguém. Não interfiro”, disse o presidente à plateia, que respondeu com intensos aplausos. Bolsonaro e Guedes não conseguiram chegar ao fórum de investidores com a reforma da Previdência definitivamente aprovada, mas o ministrou afirmou: “A democracia e os mercados são o nosso guia.”

O ultraliberal Guedes entrou no Gabinete do ultradireitista Bolsonaro com a missão de recuperar a economia brasileira. Em seu discurso, apresentou a chegada do presidente ao poder como uma completa revolução para corrigir a política econômica de um país fechado ao comércio, com uma imensa burocracia e normas infindáveis. “Os Governos anteriores colocaram a economia acima do país”, disse o ministro, que enriqueceu no mundo das finanças e quase não tinha experiência política. Desde a sua nomeação, ele implementa uma agenda para sanar as contas públicas, desregular, encolher a estrutura do Estado e fazer concessões e privatizações.

Pouco depois de Bolsonaro terminar seu discurso, a agência Bloomberg publicou que o Governo dos Estados Unidos apoia, em uma carta enviada à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a entrada da Argentina e da Romênia no grupo das economias mais industrializadas do mundo, e não a do Brasil. O presidente Donald Trump tinha prometido ao seu homólogo apoiar a candidatura brasileira.

Na sequência, a embaixada norte-americana no Brasil divulgou comunicado para dizer que os EUA mantêm o apoio ao Brasil, mas dando a entender que a entrada do país no grupo levará mais tempo. "A declaração conjunta de 19 de março do presidente Trump e do presidente Bolsonaro afirmou claramente o apoio ao Brasil para iniciar o processo para se tornar um membro pleno da OCDE e saudou os esforços contínuos do Brasil em relação às reformas econômicas, melhores práticas e conformidade com as normas da OCDE. Continuamos mantendo essa declaração".

A mensagem divulgada pela embaixada destaca ainda que os EUA apoiam "a expansão da OCDE a um ritmo controlado que leve em conta a necessidade de pressionar as reformas de governança e o planejamento de sucessão". "Continuaremos a trabalhar com outros membros da OCDE para encontrar um caminho para a expansão da instituição. Todos os 36 países membros da OCDE devem concordar, por consenso, com o calendário e a ordem dos convites para iniciar o processo de adesão à OCDE”, finaliza a mensagem.

A questão causou tanto barulho que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, se manifestou por meio de sua conta no Twitter para dizer que "a carta vazada [e divulgada pela agência Bloomberg] não representa com precisão a posição dos Estados Unidos em relação ao alargamento da OCDE". "Somos apoiadores entusiasmados da entrada do Brasil nesta importante instituição e os Estados Unidos farão um grande esforço para apoiar a adesão do Brasil", disse. Em seguida, foi a vez de Donald Trump se pronunciar:  "A declaração conjunta divulgada com o presidente Bolsonaro em março deixa absolutamente claro que apoio o Brasil no início do processo de adesão plena à OCDE. Os Estados Unidos defendem essa afirmação e defendem. Este artigo é FAKE NEWS!", escreveu em sua conta no Twitter.

Concessões

Enquanto o fórum com empresários acontecia, o Brasil começava a licitar concessões de exploração do petróleo. “Estamos tirando travas ao petróleo, que está há cinco anos no mar [sem ser explorado]”, declarou. O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, disse que o Brasil começa a recuperar a confiança internacional. “Num momento em que muitos países olham para si mesmos e questionam o comércio exterior, o Brasil está colocando em marcha uma ambiciosa agenda de abertura econômica e inserção internacional”, afirmou Moreno, num discurso em que também recordou um dos dados que simbolizam a atrofiada economia brasileira. Uma empresa precisa de 2.000 horas anuais para pagar os impostos, um recorde mundial.

A reforma da Previdência, estrela da agenda legislativa deste Governo e um passo imprescindível para conter a sangria das contas públicas, está a ponto de concluir o seu processo de aprovação no Parlamento, mas por poucos dias não chegou a tempo. Aprovada com folga em julho na Câmara dos Deputados, deve ser submetida à votação final no Senado a partir do dia 22, para permitir uma profunda mudança no sistema de aposentadorias, que trará aos cofres públicos uma economia de cerca de 900 bilhões de reais em uma década.

A chave é ver como ficará esse saldo quando a lei for definitivamente aprovada. Esse é o sinal que os investidores esperam. Embora a tramitação tenha sofrido diversos atrasos, já contemplados pelo Governo, o motivo do último deles é no mínimo curioso: a canonização da Irmã Dulce (a primeira santa brasileira), neste domingo 13 de outubro, em Roma. “Sou católico, mas o país é laico. Ir no meio desse processo para dizer ‘vamos empurrar mais 10 dias para pressionar mais o Executivo para votar a Previdência’? Dá licença, isso é uma piada para o mundo. Só que nessa piada muita gente sofre”, disse o senador Major Olímpio, líder do Governo no Senado. A próxima grande reforma econômica, a tributária, já está em andamento.

Bolsonaro mencionou o vazamento de petróleo que contaminou mais de 100 praias do Nordeste e falou do meio ambiente em geral, um tema importante para os investidores, mas que também gera as maiores críticas no exterior. Após dizer que pretende explorar a Amazônia “de maneira sustentável”, o presidente reafirmou sua intenção de regular a mineração. “Queremos legalizar o garimpo para os brancos, como dizem os índios, e para os índios”, afirmou o presidente, que considera que as regulações ambientais, até agora vitais para a preservação da floresta tropical, são muito restritivas. Sua chegada ao poder significou um enorme enfraquecimento da fiscalização ambiental. Justamente a licitação petrolífera realizada nesta quinta-feira, segundo os ambientalistas, traz riscos para a região de maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.

Mas as enormes expectativas dos mercados pela chegada de Guedes e Bolsonaro — com altas recordes na Bolsa — não se traduziram no crescimento econômico inicialmente esperado. Em parte pela conjuntura internacional, mas também porque o Governo mergulhou numa infinidade de polêmicas e não manteve com o Congresso uma relação com a fluidez exigida pela tradição política brasileira. “O crescimento agora é sustentável, saudável, não uma bolha artificial”, declarou Guedes.

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