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Promotoria vai investigar Prefeitura de São Paulo por novo cadastro de lixo

Empresário que presta serviços ambientais se ofereceu, de graça, para coletar dados sobre resíduos de empresas da cidade exigidos pela gestão municipal. Especialista vê ilegalidade em obrigação

Prefeitura de São Paulo obriga contribuintes a darem informações em site operado por empresa privada
Prefeitura de São Paulo obriga contribuintes a darem informações em site operado por empresa privadaReprodução
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A Prefeitura de São Paulo decidiu entregar para uma empresa privada, de graça, a gestão de um manancial inédito de informações sensíveis das empresas da cidade. Desde abril, por incumbência da gestão municipal, a empresa paulistana Green Platforms administra e controla uma base de dados que inclui informações sobre a produção de lixo, o IPTU e até o consumo de energia de todas as companhias da capital paulista, atendendo a uma demanda da Prefeitura para planejamento e "controle de transporte de resíduos". A empresa ganhou a função porque se ofereceu a doar, também de graça, o trabalho de gerenciamento das informações para a administração municipal. Na prática, enquanto o mundo debate os limites para proteger os dados privados do uso impróprio por Governos e empresas, a Prefeitura de São Paulo vai permitir que uma empresa, que tem como administrador um empresário do setor de gestão de lixo, tenha ao menos contato com dados detalhados sobre potenciais clientes.

O caso, no qual tanto a gestão municipal como a empresa negam irregularidades, já entrou no radar do Ministério Público do Estado de São Paulo. A Promotoria do Patrimônio Público vai investigar se houve improbidade administrativa na parceria firmada pela Prefeitura de São Paulo com a Green. O EL PAÍS apurou que o promotor Christiano Jorge Santos foi designado nesta quarta-feira para a investigação.

Pelas regras apresentadas no site para o cadastro digital, qualquer empresa, do microempreendedor que trabalha como ambulante aos gigantes do mercado financeiro, precisa se cadastrar no site www.ctre.com.br, administrado e controlado pela Green Platforms, para que não esteja sujeito a sofrer multa. Questionada pelo EL PAÍS sobre a ilegalidade apontada por especialistas pelo fato de o cadastro ser apresentado como obrigatório, a Prefeitura de São Paulo afirmou em nota que só vai multar os grandes produtores que não se cadastrarem.

O prazo para o novo cadastro terminava na última segunda-feira, mas, diante de reclamações, a Prefeitura ampliou o prazo para até 31 de outubro. Entre as informações solicitadas pelo cadastro estão a cópia do cartão CNPJ da empresa, o número do IPTU e a cópia do IPTU, a área construída do imóvel, o número de funcionários e dados da geração de lixo diária. A Prefeitura afirma que, com os dados, pretende reduzir gastos com a coleta pública na capital paulista, pois não tem obrigação legal de coletar resíduos de grandes produtores de lixo, isto é, de empresas que produzem mais de 200 litros de resíduos por dia.

Marco Civil da Internet

Quem revelou que a gestão e o controle da base de dados estava sendo feita por uma empresa privada foi o jornalista Marcelo Soares, na segunda-feira, em sua conta no Twitter. "Esse site está registrado no nome de um particular — no caso, o sujeito que assinou pela empresa o contrato com a prefeitura em abril de 2018”, informou.

Usuários reclamaram nas redes sociais que uma empresa privada faça a gestão de tantas informações sensíveis e que a cessão dos dados seja obrigatória. Também foi criticado o fato de a coleta dos dados ter sido entregue a um empresário que também atua no ramo de gestão de lixo. Trata-se do português Francisco Miguel da Sousa Goulão Rego, conhecido como "Chicko Sousa", administrador do site www.ctre.com.br, que também é sócio da Greening Gestão Ambiental, uma empresa que lucra milhões com o transporte e a reciclagem de resíduos de grandes empresas produtoras de lixo.

Em entrevista ao EL PAÍS, Guilherme Magalhães Martins, professor de direito civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e promotor do Ministério Público do Estado do Rio, declarou que a atitude da Prefeitura de São Paulo foi ilegal. De acordo com o especialista, a iniciativa viola o Marco Civil da Internet, que proíbe a obrigação do preenchimento de cadastros na Internet administrados por empresas privadas. Nenhuma lei federal autoriza que toda e qualquer empresa seja obrigada a preencher cadastros de controle privado, ainda mais para informar quanto produz de lixo. "Isso é abusivo, ainda que não seja uma relação de consumo. A lei é expressa ao exigir consentimento para compartilhamento de dados pessoais. Deve ser dada a opção de recusa", afirmou o especialista em entrevista ao EL PAÍS.

Questionada pelo EL PAÍS sobre a potencial ilegalidade da exigência, a Prefeitura respondeu: "A respeito do Marco Civil, a empresa pode se negar a fornecer seus dados e não realizar o cadastro, porém, caso ela seja um grande gerador [de resíduos], a mesma será multada, conforme o artigo 141 da Lei 13.478, de 2002, o qual prevê que todos os grandes geradores de resíduos sólidos deverão contratar uma empresa responsável para a execução dos serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final dos resíduos gerados, mantendo via original do contrato à disposição da fiscalização".

Procurado, o empresário Chicko Sousa informou, por escrito, que "a Green Platforms esclarece que, conforme contrato assinado com a Amlurb – Autoridade Municipal de Limpeza Urbana, os dados cadastrais das empresas pertencem e são exclusivamente utilizados pela Prefeitura de acordo com o contrato firmado e o chamamento público à época".

Ao EL PAÍS, a Prefeitura informou que a Green Platforms foi a única empresa que respondeu a um chamamento público para administrar o cadastro. Disse ainda que o contrato de doação feito com a empresa, pelo qual a Green disponibilizou seu sistema eletrônico para operar o cadastro, proíbe que a companhia utilize dados da plataforma. O documento dos termos da doação dos serviços da empresa diz que a Green não se responsabiliza se eventos "de força maior" afetarem os dados. O documento diz ainda que, após sete anos, os dados serão da Prefeitura.

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