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O ambicioso pacote de privatização de Bolsonaro vai dos Correios à concessão de Jericoacora

Planalto contradiz Onyx e diz que Bolsonaro descarta vender controle da Petrobras ao setor privado. Maioria das vendas depende da aprovação do Congresso

Marcelo Camargo (Agência Brasil)

O Governo Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta-feira a relação de 14 empresas estatais brasileiras que iniciarão o processo de privatização neste ano, com a expectativa de arrecadar 2 trilhões de reais. O pacote que inclui os Correios e até a Casa da Moeda é uma das mais ousadas apostas de sua gestão, que diz fazer o maior pacote de desestatização do mundo, mas boa parte das propostas ainda depende de incerta aprovação do Congresso Nacional, onde é forte a pressão de funcionários das empresas públicas. O simples anúncio fez aumentar a cotação das estatais e o mercado trabalhou com informação de bastidores de que a Petrobras também entraria na fila até o final do Governo. O Planalto não rechaçou cabalmente a informação sobre a maior empresa do país. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, informou que há estudos em andamento para privatizar a holding Petrobras, algo que o presidente Bolsonaro já disse que não faria e foi reiterado pelo porta-voz do Planalto nesta quarta.

Entre as principais empresas incluídas no pacote de privatização, além dos Correios e da estatal que imprime o dinheiro brasileiro, estão a Telebras, que tem a missão de fornecer bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação no país, Eletrobras, líder em geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, além do Serpro e a Dataprev, ambos que atuam com processamento de dados e são as maiores fornecedoras de tecnologia da informação do poder público.

Na lista também aparecem outras empresas a serem privatizadas como a Codesp e a Codesa, que administram portos nos Estados de São Paulo e Espírito Santo, entre eles o Porto de Santos, o maior do hemisfério Sul, a Ceitec, que produz microeletrônicos,  Trensurb e CBTU, responsáveis por metrôs e trens urbanos de seis capitais de Estados brasileiros. O plano abarca Ceagesp e Ceasaminas, responsáveis pelo abastecimento de mercados de produtos agrícolas de São Paulo e Minas Gerais, e ainda a Emgea, que gere os ativos da União, a ABGF, que atua na área de seguros. “Seguramente, o Brasil tem o maior programa de desestatização do planeta”, disse o ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura.

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Nesta quarta-feira, o Governo também anunciou que nos próximos meses preparará a concessão de três parques nacionais (dos Lençóis Maranhenses, o de Jericoacara, e o de Foz do Iguaçu) e que iniciará um processo de programas de parceria para a construção de creches, escolas e penitenciárias federais.

Alta de 7% nas ações da Petrobras

Ao longo da tarde ventilou-se a possibilidade de se anunciar a privatização da Petrobras. Mesmo a informação não sendo confirmada oficialmente, suas ações subiram 7% na bolsa de valores. Questionado se a petroleira seria, de fato, privatizada, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reforçou que estudos estavam sendo feitos nesse sentido. Não disse se havia uma decisão definitiva. “A Petrobras como um todo passará por estudos da equipe do PPI, do Ministério das Minas e Energia e do BNDES. Por tudo que ela significa, será feito algo muito criterioso”. Afirmou ainda que a Petrobras é “enorme” e que os estudos são realizados aos poucos. “A holding Petrobras é enorme e vamos passo a passo”.

O debate de privatizações é acalorado, com a oposição acusando o Governo de se desfazer dos ativos a preços baixos. Entre os especialistas e economistas, também há divergências. Três deles ouvidos pela reportagem disseram que cada caso precisa ser analisado individualmente e que empresas estratégicas poderiam ser poupadas. “A pergunta que tem de ser feita é: privatizar para quê? Se for só para pagar dívida, como quer o ministro Paulo Guedes, não tem sentido. É apenas uma fórmula ideológica liberal que não tem dado certo em lugar nenhum do mundo”, avaliou o economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília. “Você tem de privatizar pensando no interesse da população, fazendo uma análise não ideológica e não enviesada. Não dá para querer privatizar tudo”, afirmou o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas.

Em outro sentido, opina o sócio da consultoria Mazars, o administrador Fábio Pecequilo. Ele enxerga as empresas como uma engrenagem com três dentes: emprego, impostos e o capital do acionista. “Sempre que um dos dentes estiver maior do que os outros, é provável que essa engrenagem não trabalhe bem. O que se sabe das estatais é que via de regra elas têm um aumento muito grande de pessoal, cumpre a função social do emprego, mas não permite que as outras duas engrenagens funcionem bem”.

Longo processo

Apesar de anunciar que tem pressa em seu pacote de privatização, esse processo é longo e dificilmente será encerrado neste ano. Um dos motivos é que nem todos os estudos técnicos foram concluídos, o dos Correios é um deles. A outra razão é que o Supremo Tribunal Federal decidiu que as privatizações das companhias estatais precisam da aprovação prévia do Congresso Nacional, em votação nas duas casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. O Governo terá de enviar um projeto específico de cada uma das empresas e negociar com os parlamentares para que cada um seja aprovado individualmente.

Companhias com maior número de trabalhadores, como os Correios que têm quase 100.000 funcionários, costumam ter forte influência sobre os parlamentares. Além disso, a articulação da gestão Bolsonaro com o Legislativo não é das mais fáceis. Na pauta econômica, todavia, tem contado com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do partido Democratas, e de um grupo de partidos de centro e de direita.

“Estamos buscando alternativas para barrar essa privatização. Uma das saídas seria transformar os Correios em uma empresa de logística do Governo federal”, explicou o secretário de imprensa da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect), Fischer Marcelo Moreira. Para ele, além do lucro, o Governo deveria leva em conta a função social do órgão. “Distribuir livros didáticos ou vacinas para o interior da Amazônia não dão lucro, mas são serviços necessários. Não acredito que uma empresa privada vá querer fazer esse trabalho”, afirmou Moreira.

O órgão é avaliado em cerca de 5 bilhões de reais e possui agências em todos os 5.570 municípios brasileiros. Os dados sobre seus gastos, contudo não são tão transparentes. Há informações do próprio Governo de que a empresa apresentou lucro de 300 milhões de reais no ano passado e outros que mostram que ela teve rombo de 3 bilhões de reais. Nesse caso, estão incluídos os gastos com o fundo previdenciário da empresa, que foi alvo de investigações policiais nos últimos anos. Empresas como DHL, Amazon e Ali Baba são vistas como potenciais compradores dos Correios, conforme agentes do mercado.

Outra empresa que é vista com alto potencial de arrecadação é a Eletrobras. Seu processo de privatização iniciou no ano passado com a venda de distribuidoras, que não precisam de autorização prévia do Congresso. Ela chegou a ser incluída no pacote atual, mas acabou sendo excluída para aprofundamento dos estudos. Está avaliada em cerca de 50 bilhões de reais. Sua venda é vista com ressalvas por especialistas. “Você não pode deixar um ativo público importante para a estratégia de desenvolvimento ser guiado simplesmente pelo lucro. E a Eletrobras é estratégica”, analisou o economista Nelson Marconi, da FGV.

Herança de Temer

Parte dos processos de privatização já havia começado na gestão do presidente Michel Temer por meio do Programa de Parceria e Investimento (PPI). Acabaram sendo acelerados pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando assumiu a função, ele decidiu privatizar a maioria das 134 empresas estatais. Um estudo do PPI mostra que seria possível entregar à iniciativa privada 75 dessas companhias públicas. Bolsonaro, contudo, colocou uma barreira e disse que empresas como a Petrobras e instituições financeiras como Caixa e Banco do Brasil não estariam nessa relação.

Desde janeiro deste ano, o Governo já privatizou quatro subsidiárias da petroleira Petrobras e vendeu participações acionárias em outras quatro áreas, de seguros, de energia e de educação. Como não era venda direta de companhias públicas, essas concessões não dependeram da aprovação do Legislativo. Além disso, fez 27 leilões para conceder uma série de aeroportos, ferrovias e rodovias pelo país. Entre elas o da ferrovia Norte-Sul e de um lote de aeroportos no Nordeste. Há previsão de que outros na área de transporte ocorram até dezembro. Também até lá está prevista a venda da Liquigás, a distribuidora de gás vinculada à Petrobras.

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