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Trump alimenta conflito racial em busca da reeleição

Presidente estimula nova batalha identitária em um momento de especial polarização

Amanda Mars
Donald Trump, na quarta-feira em um comício em Greenville (Carolina do Norte).
Donald Trump, na quarta-feira em um comício em Greenville (Carolina do Norte).Jonathan Drake (REUTERS)
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“Mande-a embora, mande-a embora!”: a polêmica racista aparece no comício de Trump
Congressistas atacadas por Trump: “Não mordam a isca, isso é uma distração”

O boato nasceu praticamente no mesmo dia que sua corrida à Casa Branca. Barack Obama não havia nascido no Havaí, como dizia sua biografia e seu passaporte, e sim no Quênia, de modo que não era norte-americano e não poderia ser presidente. As teorias conspiratórias sobre aquele que viria a ser o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos datam pelo menos desde 2008, impulsionadas pelo grupo ultraconservador Tea Party, mas em 2011 chegaram a um nível tão irrespirável — cada vez mais gente respondia nas pesquisas que ele era natural de outro país — que Obama se sentiu obrigado a mostrar sua certidão de nascimento: Barack Hussein Obama nasceu em 4 de agosto de 1961 em Honolulu. Na liderança dessa campanha estava um famoso empresário de Nova York que planejava entrar na política: Donald Trump.

A carreira política do republicano está intimamente ligada às polêmicas raciais e racistas em sua gênese. Apresentou sua candidatura em 2015 agitando as tensões migratórias, vinculando estrangeiros ilegais ao crime, e ao longo de sua presidência os incêndios brotaram de forma intermitente. No domingo passado, em sua conta do Twitter, atravessou uma espécie de linha vermelha ao convidar quatro congressistas norte-americanas de minorias étnicas a “voltar” a seus países.

“Que interessante ver as congressistas democratas ‘progressistas’, que vêm de países cujos Governos são uma completa e total catástrofe, e os piores, os mais corruptos e ineptos do mundo (sequer funcionam), dizer em voz alta e com desprezo ao povo dos Estado Unidos, a maior e mais poderosa nação da Terra, como governar”, publicou em sua conta do Twitter. “Por que não voltam e ajudam a arrumar esses lugares, que estão totalmente destruídos e infestados de crimes? Depois voltem para cá e nos digam como se faz”, finalizou.

As mencionadas eram Alexandria Ocasio-Cortez, nova-iorquina de nascimento, de origem porto-riquenha; a afro-americana Ayanna Pressley, nascida em Cincinatti e criada em Chicago; Rashida Tlaib, natural de Detroit de pais palestinos; e Ihlan Omar, que chegou aos EUA quando criança vinda da Somália e se naturalizou norte-americana na adolescência.

Esse é um país feito de imigrantes, 13% dos atuais legisladores são filhos de um, 5% nasceram em outro país e, ampliando o foco a duas ou três gerações atrás, se veria a história dos descendentes de milhões de italianos, irlandeses, alemães e cubanos que vieram a essa parte da América procurando uma vida melhor. A convivência entre as raças, entretanto, continua tensa: seis em cada 10 norte-americanos acreditam que a relação não é boa, de acordo com um estudo da Pew Research de abril, e quase a mesma proporção acha que o presidente piorou a situação.

Mas essa percepção sobre Trump está tremendamente polarizada entre democratas e republicanos. De acordo com uma pesquisa da Ipsos/USA Today dessa semana, 57% dos republicanos concordam com as mensagens que o mandatário publicou na semana passada. Na quarta-feira, em seu primeiro ato após a polêmica, o público gritou: “Mande-a embora, mande-a embora”, em referência a Omar. Muçulmana, muito crítica a Israel e à política exterior dos EUA, é o bode expiatório para os conservadores e a mais atacada por Trump. A imagem de um público inteiro — pelas imagens, majoritariamente branco — pedindo sua expulsão foi muito perturbadora para que o republicano, que nessa noite ficou quieto, não fosse relacionado aos gritos no dia seguinte. Trump apela, como em 2016, ao norte-americano que se sente insultado em relação à chegada da imigração, menos predominante em uma demografia cada vez mais diversa. Trump brinca com fogo em um clima de especial polarização política.

Muitos analistas também chamaram nessa semana o ataque contra as deputadas como uma manobra de distração, fogos de artifício macabros para desviar a atenção da chamada política real a esse ringue de boxe em que atua tão bem. As próprias mencionadas, em uma entrevista coletiva na segunda-feira, pediram para “não morder a isca” e esquecer “as coisas que importam e têm consequências aos norte-americanos”, nas palavras da congressista Pressley.

As palavras de Trump têm consequências aos norte-americanos? Andre M. Perry, pesquisador da Brookings Institution sobre raça e desigualdade estrutural, alerta que “o racismo nunca deveria ser reduzido a uma distração, a história ensina muito bem que a utilização estratégica da intolerância é uma prática utilizada automaticamente para enfraquecer a democracia”, “Incorporar o nativismo, a linguagem xenófoba — continua em uma postagem — foi o prelúdio da codificação dessa intolerância em leis”.

Durante a campanha eleitoral, após o atentado de San Bernardino (Califórnia), Trump chegou a pedir que muçulmanos não entrassem nos EUA, “até que as autoridades de nosso país possam averiguar o que está acontecendo”, para reduzir o risco terrorista. Uma de suas primeiras medidas, ao chegar à Casa Branca, consistiu em um veto temporário para imigrantes e refugiados de sete países de maioria muçulmana.

“Reduzindo o racismo a uma distração, vemos a normalização do racismo”, diz Perry. Esse é um desafio para o Partido Democrata em seu embate com Donald Trump: como responder com contundência aos ataques a certos valores de consenso nos Estados Unidos, como é a diversidade, sem permitir que acabe determinando a agenda, a conversa política, agora que colocou em andamento a máquina eleitoral para 2020.

Na fixação do republicano pelas quatro deputadas é possível identificar um cálculo além do identitário. Ocasio-Cortez, Omar, Tlaib e Pressley chegaram ao Capitólio em janeiro dentro da nova onda democrata trazida pelas eleições de novembro. Têm entre 29 e 45 anos, são amigas, consideradas a ala mais progressista do partido e se diferenciam por ser abertamente combativas nas redes sociais, às vezes com membros de seu próprio partido. Receberam o apelido de squad (o esquadrão) em Washington e são muito midiáticas, mas levando em consideração seu tamanho legislativo e relevância no partido, não representam um poder efetivo.

Em um momento em que mais de vinte pretendentes começaram a corrida para se transformar no candidato que desafiará o republicano nas eleições de 2020, Trump opta por fixar sua atenção nas quatro congressistas “socialistas” e aumentar o temor de seus seguidores contra o comunismo e o radicalismo. É algo que preocupa os democratas. O partido trabalha com uma pesquisa, divulgada pelo portal de informação política Axios, feita em maio com mil eleitores brancos de formação de dois anos ou menos na universidade, que diz que Ocasio-Cortez era reconhecida por 74%, mas somente 22% tinham uma imagem positiva dela; Ilhan Omar era reconhecida por 53% com 9% de visão positiva.

Fixar a imagem dessas quatro mulheres na mente das bases republicanas é uma maneira de agitá-las para garantir sua reeleição. Falta um ano para saber quem será seu rival nas urnas e a corrida democrata está muito aberta. O ex-vice-presidente de Obama, Joe Biden, considerado moderado, lidera as pesquisas das primárias, seguido pelo senador esquerdista Bernie Sanders, e nas colocações seguintes flutuam Elizabeth Warren, senadora com planos econômicos bem progressistas, e sem a marca de esquerda socialista a senadora Kamala Harris e o prefeito de South Bend (Indiana), Pete Buttigieg. O partido está muito dividido sobre qual é a estratégia mais segura para derrotar Trump, com uma guinada mais ou menos marcada à esquerda, mas nessa semana todos se uniram para condenar os ataques do presidente contra o rebelde “esquadrão”.

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