Julian Assange, espionado 24 horas por dia
EL PAÍS tem acesso aos vídeos, áudios e relatórios que confirmam a espionagem a que foi submetido o ciberativista na embaixada do Equador no Reino Unido
Julian Assange foi espionado 24 horas por dia durante sua estadia na embaixada do Equador em Londres onde permaneceu refugiado nos últimos sete anos. Documentos, vídeos e áudios aos que o EL PAÍS teve acesso mostram que a empresa de defesa e segurança privada espanhola Undercover Global S.L., encarregada de proteger a legação diplomática no Reino Unido entre 2012 e 2017, mandou seus homens captarem toda a informação possível do ciberativista, especialmente sobre seus advogados e colaboradores.
Várias câmeras de vídeo gravaram, com áudios de dezembro de 2016 a março de 2017, dezenas de encontros do fundador do Wikileaks com seus advogados e visitantes em que conversou sobre sua estratégia de defesa. Os aparelhos reuniram vários planos secretos da equipe de Assange para retirá-lo disfarçado da embaixada e levá-lo à Rússia ou Cuba, projetos secretos que por fim não foram levados adiante pela negativa do ativista australiano que os considerava “uma derrota”.
A atividade febril e obsessiva dos vigilantes da UC Global S.L. sobre “o hóspede”, como o chamam em suas notas, se intensificou durante o Governo de Lenín Moreno que recentemente entregou o ativista às autoridades britânicas. Seu antecessor, Rafael Correa, foi quem deu refúgio a Assange e o abrigou durante sete anos na embaixada.
Monitorar todos os movimentos do ativista, gravar suas conversas e verificar seu estado de ânimo era a tarefa diária e cotidiana dos empregados de segurança na embaixada. Mas a obsessão por conhecer os segredos mais íntimos de seu objetivo levou a equipe a realizar sem seu conhecimento um teste grafológico, publicado em um relatório de seis páginas, e a pegar uma amostra das fezes de um bebê em uma fralda para comprovar se era filho de Assange e de uma de suas mais fiéis colaboradoras. Trabalhos de inteligência que nada tinham a ver com a pretensa proteção do convidado e refugiado na embaixada.
A equipe de segurança da empresa espanhola, com sede em Puerto Real (Cádiz), redigia todos os dias um relatório confidencial que enviava a seu proprietário David Morales, um ex-militar formado na Unidade de Operações Especiais da Infantaria da Marinha. Os detalhes colocados nesses relatórios são uma amostra do interesse da empresa em acumular toda a informação possível sobre o homem que enfrenta 18 processos por revelar milhares de documentos secretos do Departamento de Estado dos EUA, assim como informação secreta sobre as guerras do Iraque e Afeganistão.
“Muita exaltação e nervosismo no hóspede após a comunicação de indulto a Manning (a soldado acusada de vazar documentos secretos ao Wikileaks)”, diz o relatório de 17 de janeiro de 2017; “Julian está dando muita informação. O convidado não para de anotar em sua agenda. A tensão é visível na sala. O convidado cobre o tempo todo sua agenda com as mãos. Stella aparece na porta da sala pensando que poderia ter alguém escutando”, escreve o vigilante sobre a visita de Walaman Adan Robert em 12 de janeiro de 2017.
Assange suspeitava e ligava um distorcedor de voz que não impediu que suas reuniões com seus advogados fossem gravadas
O relatório de 21 de janeiro de 2017 começa assim: “15h30 – 18h28. Pamela Anderson. Passam informação por notas. Tiram fotos dentro da sala de reuniões. O distorcedor (de voz) ficou ligado o tempo todo”; “Aproximadamente desde as 21h, tanto o hóspede como Stella estão levando coisas do quarto (roupa, colchão, malas etc.) ao aposento da entrada. São 23h35 e continuam”, diz o relatório de 5 de fevereiro do mesmo ano.
Uma das pessoas que mais interesse despertou aos vigilantes da empresa espanhola foi Andy Müller-Maguhn, um conhecido hacker alemão, que em uma de suas visitas teve fotografados o interior de sua mala de viagem e, especialmente, os números de seus celulares.
Se os vigilantes estavam obcecados em captar qualquer detalhe sobe o “hóspede” que fosse produzido no “hotel” (a embaixada), o fundador do Wikileaks também o estava por não ser espionado. Sempre que se reunia com seus advogados e visitas o encontro só começava quando Assange ligava o distorcedor de voz escondido em um abajur. Mas o aparelho não impedia que os áudios instalados na câmera gravassem tudo. E em alguns vídeos é possível ver como o ciberativista escrevia suas notas em uma pasta levantando sua capa para que sua escrita não fosse captada.
A paranoia de Assange em ser espionado o levou a se encontrar com alguns de seus visitantes no banheiro feminino, um local que considerava seguro. Um relatório assinado pelo vigilante José Antonio em 15 de janeiro de 2017 diz: “11h18 Aitor Martínez (advogado espanhol) leva uma pasta, celular e notebook. 11h20 hóspede, Stella e Aitor Martínez se dirigem ao banheiro feminino onde fazem a reunião. 13h saída do banheiro feminino”. Dias antes, no dia 9 outro vigilante informa sobre a reunião do ativista com seus advogados Melynda Taylor, Jennifer Robinson, Aitor Martínez e Baltasar Garzón.
Durante meses se reuniram no banheiro feminino para evitar a espionagem
David Morales, proprietário e diretor da UC Global S.L. se recusa a responder se sua empresa espionou Assange. “Toda a informação é confidencial e pertence ao Governo equatoriano. Nossa empresa foi subcontratada pelo Governo do Equador. Nós nos limitamos a realizar um trabalho. Não posso comentar nada do que fizemos ali, não posso dar nenhum detalhe”, diz por telefone. Vocês espionaram o senhor Assange? “Temos nossas normas éticas e morais e nenhuma delas foi quebrada”, afirma.
O interesse das reuniões de Assange com seus advogados não diminuiu quando o Governo de Lenín Moreno cancelou o contrato com a UC Global S.L. que durou de 2012 até o final de 2017 e delegou a segurança de sua embaixada à empresa equatoriana Promsecurity. As câmeras de vídeo continuaram gravando todas as reuniões e, pelo menos, em uma ocasião funcionários da embaixada ou da nova equipe de segurança fotografaram a pasta do advogado Aitor Martínez em um recesso de sua conversa com o ativista australiano.
Com essas fotografias, assim como com dezenas de vídeos e áudios gravados na embaixada durante essa nova etapa, tentaram extorquir o fundador da Wikileaks exigindo o pagamento de três milhões de euros (13 milhões de reais). A Audiência Nacional investiga o caso e dois dos supostos chantagistas foram presos.
O Reino Unido acaba de aprovar a entrega do ciberativista aos EUA. As autoridades norte-americanas têm contra ele 18 acusações de difusão de material secreto.
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