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Economia mirrada deixa pet sem banho e coloca marcas baratas no carrinho

Enquanto a retomada não deslancha, nível do desemprego continua alto- e as famílias freiam o consumo. Depois de um ano e meio, o país voltou a fechar mais lojas do que abrir

Consumidores recorrem a marcas mais baratas na hora das compras para poupar.
Consumidores recorrem a marcas mais baratas na hora das compras para poupar.Alvaro Garcia
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Com a paralisia da economia brasileira, Marcelo Matos viu o movimento do seu pet shop diminuir nos últimos meses. Os clientes da loja localizada em Higienópolis, na região central da capital paulista, começaram a frear os gastos com os animais de estimação, e a procura por serviços de banho e tosa está cada vez mais espaçada. "Alguns donos que traziam o cachorro uma vez por semana passaram a vir a cada quinze dias. Outros, apenas uma vez por mês. É o reflexo da estagnação da economia. O dinheiro para a classe média está mais curto, as pessoas estão precisando economizar", diz Matos. Em alguns casos, a estratégia da clientela para cortar os custos é optar pela tosa do pelo dos cães para facilitar a higiene dos animais de estimação em casa. "Assim fica mais fácil para os donos mesmos conseguirem dar o banho nos cachorros e poupar a ida ao pet. A tosa saí, na média, cem reais e o banho e secagem 45 reais. Optando pela tosa, eles conseguem eliminar os gastos semanais e acabam economizando".

Sócio e gestor de um bar na Vila Mariana, na zona Sul de São Paulo, Valter Luiz Sanches, também vem sentindo uma queda na frequência do seu estabelecimento. "Começamos o ano otimistas com a mudança de Governo, mas não está surtindo muito efeito. Está todo mundo diminuindo os custos e a primeira coisa que as pessoas pensam em cortar são as saídas e alimentação fora de casa", explica. No balanço do primeiro semestre do ano, Sanches não perdeu nem ganhou muito no faturamento. Alguns meses foram bons e outros horríveis."Pelo menos o ticket médio de gasto não caiu", diz. Para driblar as contas, o empresário resolveu, no entanto, cortar o número de funcionários e contratar uma consultoria para repaginar o cardápio e criar alternativas para atrair clientes. Criou promoções de happy hour e inseriu uma carta de drinks autorais.

Vale tudo para reduzir os gastos em tempos de vacas magras. Os produtos com a marca própria dos varejistas – tintas Leroy Merlin, ou os alimentos Qualitá e Taeq, do Grupo Pão de Açúcar, por exemplo –, vendidos a preços ao menos 20% mais baixos que a concorrência, estão ganhando espaço no carrinho do supermercado, nas farmácias e nas lojas de material de construção. “São itens que começam a crescer em momentos de insegurança política e econômica”, diz Neide Montesano, presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro). “Os produtos com marca própria nunca tiveram tanta importância no Brasil como nos últimos dois anos”, comenta Montesano, que calcula um crescimento de 10% nas vendas do setor desde julho do ano passado. “Infelizmente, crescemos com a crise do país”, conclui.

A retração do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre apenas confirma o que a população vem sentindo na vida prática: a atividade econômica brasileira está paralisada. E enquanto a retomada não deslancha, o nível do desemprego continua alto- atingindo mais de 13 milhões de brasileiros- e as famílias freiam o consumo. A Intenção de Consumo das Famílias, apurada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), registrou, em maio, queda de 1,7% em relação ao mês passado, a terceira seguida. A estagnação no comércio, que avançou apenas 0,3% no primeiro trimestre em relação ao período anterior, também já traz consequências: depois de um ano e meio, o país voltou a fechar mais lojas do que abrir. Tanto em shoppings como nas ruas de São Paulo, os fechamentos já são visíveis. Entre janeiro e março, o saldo foi de 39 estabelecimentos que encerraram a atividade.

O número que parece pequeno é, no entanto, um termômetro realista da trajetória da economia brasileira nos primeiros três meses do ano e mostra uma mudança de rota, segundo o economista Fabio Bentes, da CNC. "No último trimestre do ano passado, houve um período de muito otimismo com o desenrolar das eleições. Foram abertos quase 5 mil estabelecimentos comerciais. Havia uma expectativa de que aconteceria um choque que aceleraria a retomada,mas que não se confirmou. Apesar do índice de confiança dos empresários com a economia continuar alto, o fechamento das lojas é um indicador mais real", explico.

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Ainda que, em abril, o Brasil tenha registrado quase 130 mil novos postos formais de trabalho, o economista ressalta que os dados do emprego no varejo não tiveram uma boa performance. Foram fechadas 101 mil vagas nos primeiros três meses do ano, um aumento de 20% de cortes em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram encerradas 84 mil vagas. "O que está por trás dessa deterioração do setor é um desemprego crescendo acima do esperado neste ano, a inflação também mais alta e contaminada principalmente pelo aumento do preço dos alimentos. Por ser um produto de primeira necessidade, se ele sobe, os bens duráveis e serviços mais supérfluos são sacrificados", afirma Bentes. Na avaliação do economista, a dificuldade de articulação política do Governo de Jair Bolsonaro empacou os planos de reformas, como a da Previdência, e devolveu aos empresários e consumidores um sentimento de cautela.

Alguns economistas, como o desenvolvimentista José Luis Oreiro, professor da UNB, já acreditam que o país tem grande chances de entrar em uma recessão técnica- dois trimestres seguidos de retração - no segundo trimestre deste ano. Outros, como o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, também se questionam sobre o próximo trimestre, mas ainda acreditam num ligeiro crescimento de maio a junho deste ano. O Itaú projeta um avanço de 0,1% na atividade do período, mas ressalta que os dados ainda são bastante preliminares.

Nesta semana, o mercado financeiro reduziu pela 13ª vez seguida a estimativa de crescimento da economia brasileira para este ano. A mediana das projeções das instituições financeiras para o PIB foi reduzida de 1,24% para 1,23%, segundo pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central. Para 2020, a projeção foi mantida em 2,5%. Enquanto as reformas não saem do papel e os indicadores econômicos não avançam muito, o país continua em compasso de espera.

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