_
_
_
_
_

Renúncia de May abre disputa dos conservadores por adeptos do Brexit selvagem

Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, é o favorito em todas as pesquisas

Boris Johnson, na entrada de Downing Street, em 2015.
Boris Johnson, na entrada de Downing Street, em 2015.Carl Court (Getty)
Rafa de Miguel
Mais informações
Theresa May e o Brexit: a primeira-ministra que se isolou do mundo
Como será nomeado o sucessor de Theresa May?

A corrida para liderar o Partido Conservador é a corrida para conseguir a bênção dos poderosos eurocéticos, que impuseram na formação um pensamento único no qual nada é mais relevante do que o Brexit. E o favorito se chama Boris Johnson. Não porque tenha conseguido transmitir que possua rigor e da seriedade necessários para o posto, mas porque as pesquisas indicam que é o único capaz de evitar a drenagem de votos que estão fugindo para propostas mais radicais, como as do ultranacionalista Nigel Farage. Estes são os nomes para liderar o Partido Conservador depois da saída de Theresa May.

Boris Johnson

Ninguém nega o carisma de Johnson, demonstrado durante seus dois mandatos à frente da prefeitura de Londres. Produto do elitista colégio de Eton e das salas de aula universitárias de Oxford, este político iconoclasta é capaz de tirar o melhor e o pior de si mesmo. Essa é a principal preocupação de muitos de seus correligionários, incapazes de ver nele a constância e a tenacidade necessárias para resgatar o Reino Unido do marasmo do Brexit. As pesquisas o colocam em uma confortável primeira posição, com três vezes mais apoios que seu rival mais próximo.

Johnson é o mais solicitado em todos os atos locais do partido e sua indiscutível força eleitoral é vista, por aliados e rivais, como a única fórmula para deter a debandada de muitos eleitores, que abandonaram os conservadores para apoiar o Partido do Brexit, do populista Farage. No entanto, Johnson demonstrou em muitas ocasiões que não é confiável. Abandonou a corrida pela sucessão de David Cameron depois de ter protagonizado a campanha a favor do Brexit no referendo de 2016, praticamente no mesmo dia em que ia lançar sua candidatura.

Theresa May deu-lhe a oportunidade de resgatar sua reputação como estadista ao oferecer-lhe o cargo de ministro das Relações Exteriores. Para além das célebres gafes, como recitar um poema de Rudyard Kipling, o poeta britânico oficial das glórias passadas de um império colonial, durante sua visita a Mianmar, a antiga Birmânia — o embaixador teve de interrompê-lo meio do seu discurso —, Johnson deixou uma imagem aterrorizante entre seus colegas europeus, que cruzam os dedos diante da ideia de que se torne primeiro-ministro.

Nos últimos meses deu mostras de uma temperança renovada e usou sua coluna semanal no The Daily Telegraph para abordar questões de envergadura como a mudança climática, enquanto não desperdiçava o espaço no jornal para arremeter contra a maneira inábil com que May conduzia o Brexit.

Dominic Raab

Dominic Raab
Dominic RaabAFP

Jovem na idade e na aparência (45 anos), Dominic Raab se empenhou nos últimos meses em oferecer a imagem de seriedade e solidez que Johnson não tem. Exibiu, enquanto lhe foi conveniente, lealdade à primeira-ministra que foi correspondida com o cargo de ministro do Brexit. Sua atitude arrogante e temerária, denunciada pelo próprio comissário da UE encarregado das negociações com o Reino Unido, Michel Barnier, era na verdade uma plataforma para sua própria projeção política. Abandonou o cargo e a fidelidade a May assim que a primeira-ministra pôs sobre a mesa o Acordo de Retirada pactuado com Bruxelas, feito às suas costas.

Liberal de ascendência tatcheriana, conta com forte apoio do Grupo de Pesquisas Europeias, o lobby eurocético dirigido por Jacob Rees-Mogg e que condicionou a estratégia da primeira-ministra durante estes três anos. Raab já conta com uma plataforma semipública de apoio a sua candidatura e lançou propostas econômicas banais, como promover o maior corte de impostos da história. Seu principal inconveniente, segundo os críticos, foi a precipitação em se lançar em uma corrida que ninguém ainda havia convocado oficialmente. As maneiras fazem o homem, dizem os ingleses.

Andrea Leadsom

Andrea Leadsom.
Andrea Leadsom.AFP

Foi a mais séria adversária de Theresa May durante a luta pela liderança tory em 2016, mas, como Johnson, abandonou a luta antes do tempo. A precipitada renúncia do ex-primeiro-ministro David Cameron deu impulso a uma série de candidatos que não estavam acostumados a sujar as mãos e não aguentaram. Leadsom foi um deles. Seu comentário depreciativo, em uma entrevista ao The Times, sobre o fato de May não ter filhos se voltou contra ela. “Deve ter sobrinhos e outros parentes. Mas eu tenho filhos que, por sua vez, terão filhos, que farão parte direta de tudo o que virá a seguir.” Seus colegas de partido qualificaram como “vis” estas palavras e decidiram que Leadsom “não era feita do material necessário para ser primeira-ministra”.

May contou com ela em seus governos. Até recentemente, ocupou o poderoso posto de ministra das Relações com a Câmara dos Comuns. E demonstrou lealdade à primeira-ministra, apesar de ser uma das mais vozes mais fortes da linha dura no Gabinete. Defendeu até o último minuto a opção de um Brexit selvagem, sem acordo, em vez de ceder aos compromissos que May foi obrigada a pactuar com Bruxelas. A última aposta de sua chefa, a oferta de que os deputados se pronunciassem sobre a possibilidade de um segundo referendo, foi a gota que encheu seu copo e que a levou a renunciar.

Amber Rudd

Amber Rudd.
Amber Rudd.REUTERS

A ministra das Pensões e do Trabalho, de 55 anos, é a exceção que confirma a regra. Defende a permanência do Reino Unido na UE e propôs combater a deriva extremista à qual seu partido se dirige, na ânsia de não perder terreno para o Partido do Brexit, a formação do ultranacionalista Nigel Farage. David Cameron escolheu esta política, sólida em suas convicções, para ser a face televisiva do lado a favor da permanência na UE durante a campanha do referendo de 2016, e ficou na história a sacudida que deu em Johnson durante o debate: “Não é o homem que você deixaria que te levasse de carro para casa no final do dia”.

Isso não significa que Rudd se dedique a romper pontes com aqueles eurocéticos que, ela bem o sabe, têm as rédeas do seu partido. Tem amizade com o ex-prefeito de Londres — “Você precisa de mim para levá-la a algum lugar”, grita-lhe Johnson toda vez que cruza com ela. Suas chances de vitória são remotas, mas sabe que tem influência suficiente para reforçar lideranças com seu apoio e, talvez, moderar o lado selvagem de seus adversários.

Sajid Javid.
Sajid Javid.AFP

Sajid Javid

O atual ministro do Interior, muçulmano praticante de 49 anos, era a estrela emergente de um Partido Conservador tentado a se dotar do ar de modernidade de que sempre carece. Filho de Abdul Ghani-Javid, que emigrou para o Reino Unido depois de perder tudo na partição da Índia em 1947, Sajid foi o primeiro membro de sua família a obter um diploma universitário. Formou-se em Política e Economia na Universidade de Exeter. Seu sucesso no mundo das finanças foi fulgurante. Aos 25 anos ocupou o cargo de vice-presidente do Chase Manhattan Bank e depois foi contratado pelo Deutsche Bank, onde se especializou em mercados emergentes.

Sua paixão pela ex-primeira-ministra Margaret Thatcher o levou à política. É bilionário. Sua média anual de renda durante a carreira no mundo bancário chegou a 3,5 milhões de euros. Em 2010 ele deu o salto, ao obter a cadeira de deputado pela circunscrição de Bromsgrove, cidade ao sul de Birminghan com alto nível de renda.

Sua proximidade com o ministro da Economia do Governo Cameron, George Osborne, fazia pressagiar que seus dias de estrelato sob o mandato de May estavam contados. Mas Javid é uma imagem poderosa demais para um Governo e um partido que têm um sério problema com as minorias raciais do Reino Unido. Seus críticos o acusam de ser o “mascote étnico” dos tories, mas sua história de construção pessoal e sua imagem de um caso de integração bem-sucedido fazem dele um rival a ser levado em conta. Nos últimos anos, cultivou uma imagem de ministro duro com o crime, que sempre funciona entre o eleitorado conservador.

Michael Gove

Michael Gove.
Michael Gove.REUTERS

Michael Gove (Edimburgo, 51 anos), como todos os políticos recentes que a Escócia produziu — os ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown continuam no imaginário britânico —, é um aliado que convém ter sempre por perto. Sua brilhante oratória parlamentar, sua inteligência e sua paixão pelas causas impopulares são de enorme utilidade. Defendeu o thatcherismo em um terreno tão hostil à Dama de Ferro como Edimburgo; defendeu Tony Blair, apesar da rivalidade partidária, em sua aventura bélica no Iraque; e defendeu o Brexit, no referendo de 2016, contra as propostas de seu então amigo e primeiro-ministro, David Cameron. É protagonista da maior punhalada nas costas da história recente da política britânica. Comprometeu-se a dirigir a campanha de Boris Johnson para acabar anunciando, 24 horas antes de o ex-prefeito de Londres apresentar sua candidatura, não apenas que o abandonava — “por desconfiança em sua solidez como político” —, mas que estava disposto a competir contra ele.

Gove é um daqueles políticos britânicos que se deleita prolongando um tanto mais do que o necessário a pronúncia das vogais, e desejaria ter nascido em uma época mais eduardiana ou vitoriana do que a que lhe coube viver. Mas nunca frustra, é capaz de superar seus próprios ridículos e mudar a percepção que se tenha dele com um dos seus felizes discursos.

Penny Mordaunt

Penny Mordaunt.
Penny Mordaunt.Getty

Ninguém demonstrou mais do que Penny Mordaunt (46 anos) a disposição de se jogar na piscina. A recém-nomeada ministra da Defesa, que substituiu Gavin Williamson, demitido por causa dos vazamentos do escândalo Huawei, é famosa entre o público por sua participação mais que notável no concurso de televisão Splash!, em que celebridades de todo tipo competem para manter o estilo e a compostura ao pular de um trampolim.

Filha de um notável oficial de paraquedista britânico, e ela mesma reservista da Marinha Real, sua desenvoltura lhe valeu uma merecida posição nas fileiras dos defensores do Brexit. Embora, como muitos deles, não tenha hesitado em exagerar os argumentos e jogar com falsidades, como quando disse que o Reino Unido seria incapaz de vetar a entrada da Turquia na União Europeia.

Muito querida entre os militares, sua elevação a esse ministério de Estado foi para muitos a pista do impulso que a própria Theresa May teria querido lhe dar em uma de suas últimas decisões como primeira-ministra.

Jeremy Hunt

Jeremy Hunt
Jeremy HuntREUTERS

Se for eleito, Hunt (52 anos) seria a continuidade de Theresa May com um toque de sofisticação. Educado em Oxford, onde forjou sua amizade com Cameron e Johnson, é o membro mais rico do atual Governo (seu patrimônio é estimado em 17 milhões de euros), e o que mais durou no posto, junto com o ministro da Economia Philip Hammond. Passou muitos anos no Japão e lá adquiriu um conhecimento do idioma que não hesita em exibir quando tem a chance.

Amável com a imprensa, alto, longilíneo, com uma elegância muito britânica e um temperamento que convence seu interlocutor de que realmente o ouve, Hunt poderia ser um fantástico trunfo para os conservadores se não fosse pelo fato de compartilhar com May o mesmo estigma: fez campanha a favor da permanência na UE durante o referendo de 2016, embora nos últimos tempos tenha se convencido da necessidade de defender o veredito do cidadão e defenda o Brexit.

Tem devoção pelo ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, encontrou-se com ele em pelo menos quatro ocasiões e ambos mantêm abundante correspondência. Tem obsessão pela China e seu futuro como superpotência. E se considera, de alguma forma, o último dos cameronianos (conservadorismo avançado no social e estrito no fiscal) contra o avanço de um nacionalismo dentro do Partido Conservador com o qual não concorda. Apresenta-se como reformista das instituições e mostra como credenciais próprias a reforma que realizou no Sistema Nacional de Saúde (NHS), que lhe valeu a inimizade de muitos profissionais da medicina, mas que o tempo demonstrou ser necessária para salvar o sistema, embora tenha esticado seus recursos para extremos quase intoleráveis.

Matthew Hancock

Matthew Hancock.
Matthew Hancock.

A enorme autoestima de Matthew Hancock (Chester, 40 anos) diz muito que seja o único político britânico que tem um aplicativo dedicado a si mesmo. Quando foi lançado, para melhorar a comunicação e a gestão de sua circunscrição eleitoral, a zombaria entre seus colegas de partido e nas redes foi generalizada, mas muitos começaram a suspeitar que a ideia tinha algo de genialidade. O secretário de Estado da Saúde tem esse ecocentrismo inconsciente dos fãs das redes sociais que desperta um misto de curiosidade e fascínio no mumificado ambiente do Partido Conservador.

Foi chefe de gabinete do ex-ministro da Economia, George Osborne, durante o mandato de David Cameron. E sobreviveu ao expurgo dos cameronianos que May iniciou assim que chegou a Downing Street. Nomeou-o secretário de Estado para Assuntos Digitais, Cultura, Mídia e Esportes, e a partir desse posto de menor relevância conseguiu continuar fazendo barulho e gerando lealdades.

É um animal político e um tipo afável, e demonstrou ser fiel a May até o último minuto. Poucos sabem o que mais poderia trazer ao partido além dessa paixão pela transformação digital, mas talvez no atual momento da ideologia extrema que vive a formação, personagens tão adaptáveis como Hancock acabem sendo imprescindíveis.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_