“Parceria Público-Privada” para o crime ambiental
Se os rumos pareciam tortos nos últimos anos, a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência parece significar a mais drástica ruptura na política ambiental brasileira
O crime ambiental, verdadeiro atentado contra o patrimônio da sociedade brasileira, costuma orientar sua dinâmica pelos sinais emitidos por Brasília. Após o registro de altas taxas de desmatamento na Amazônia, o Brasil adotou, a partir de 2004, uma política de Estado, com a atuação direta de mais de dez ministérios, denominada Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Sua estruturação se deu em três eixos: ordenamento territorial, com o reconhecimento de terras indígenas e criação de unidades de conservação no bioma; monitoramento e controle ambiental, com a intensificação da fiscalização contra crimes ambientais; e fomento às atividades produtivas sustentáveis, destinado a garantir alternativas econômicas às atividades ilegais. O esforço estatal foi tamanho que a aplicação da política não demorou a produzir resultados notáveis, com benefícios econômicos e sociais diretos ao País, além de amplo reconhecimento internacional: o desmatamento na Amazônia caiu continuamente entre 2004 e 2012, passando de 27.772 km² para 4.571 km² — uma redução de 84%.
O ano de 2012 marca a retomada do crescimento do desmatamento no bioma. As seguidas altas refletiram um incremento de 73% entre 2012 e 2018 (7.900 Km²), o dobro da meta climática brasileira para 2020. Entre outros fatores, contribuíram para esse expressivo aumento a contínua redução dos investimentos estatais no PPCDAm, a ofensiva contra áreas protegidas e a aprovação do novo Código Florestal em 2012, o qual, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator das ações sobre o Código, “ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, (...) sinalizou despreocupação do Estado para com o Direito Ambiental, o que mitigou os efeitos preventivos gerais e específicos das normas de proteção ao meio ambiente.”
Se os rumos pareciam tortos nos últimos anos, a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência parece significar a mais drástica ruptura na política ambiental brasileira, rumo à condecoração e ao incentivo do crime ambiental. Desde a campanha eleitoral, afirmou que acabaria com a “festa” da “indústria da multa” do IBAMA e do ICMBio e que pretendia “tirar o Estado do cangote de quem produz”, além de cogitar a extinção do Ministério do Meio Ambiente. Com sua provável vitória, medições oficiais detectaram um aumento de 39% no desmatamento da Amazônia durante o período eleitoral, inclusive em Terras Indígenas (62%) e Unidades de Conservação (95%), onde a atividade é essencialmente ilegal.
Nos primeiros quatro meses de governo, o que se viu foi uma avalanche de ações que, ao final, representam verdadeiro convite ao crime ambiental: nomeação de um ruralista para a pasta ambiental, condenado em primeira instância judicial pela adulteração de plano de manejo de unidade de conservação, cujas ações representam uma das principais fontes de ameaça ao meio ambiente; esvaziamento das funções do ministério, como a exclusão das competências de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas; cortes orçamentários profundos, afetando principalmente a fiscalização; vacância de cargos diretivos no ministério; deslegitimação dos dados oficiais do INPE e desprezo às considerações da comunidade científica; perseguição a servidores dos órgãos ambientais federais por cumprirem sua missão legal, com exonerações e instauração de processos disciplinares; menor índice de autuações lavradas pelo IBAMA em vinte e quatro anos; extinção de conselhos de meio ambiente e indisponibilidade de informações públicas essenciais, como o mapa de áreas prioritárias para a conservação, reduzindo a transparência e a possibilidade de controle social; anulação do processo administrativo relativo à multa aplicada a Jair Bolsonaro, quando deputado, seguida da exoneração do agente autuante; liberação de leilão para exploração de petróleo em Abrolhos, à revelia de pareceres técnicos dos órgãos ambientais; disposição em acatar pleitos de extinção ou redução de unidades de conservação; possível extinção do ICMBio; e o simbólico episódio em Rondônia, no qual o Presidente desautorizou operação do IBAMA e defendeu o descumprimento da lei contra atividade madeireira ilegal dentro da Floresta Nacional do Jamari, com prejuízo a empresa que atua legalmente na área.
Se o meio ambiente encontrava-se combalido nas gestões anteriores, na atual, o crime ambiental, cujo combate é dever constitucional do poder público, parece ter encontrando no governo seu parceiro de primeira ordem.
Mauricio Guetta é consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).
Antonio Oviedo é pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.