Ueslei Marcelino e a coroação do Pulitzer
No fotojornalismo perdemos nossa vida pessoal para mostrar aspectos da realidade que têm pouca atenção da sociedade
Poucas pessoas acompanham de perto a trajetória individual dos(as) fotojornalistas brasileiros(as) anos a fio a ponto de estabelecer projeções acertadas acerca do futuro e das conquistas destes profissionais. Num grande mar de imagens repetidas e feitas às pressas que inundam os minguantes espaços fotográficos nas publicações, alguns trabalhos brilham como pérolas no fundo deste oceano. Sim, apesar do atual momento de forte ataque e descrédito ao jornalismo sério e da grave crise que atravessa a imprensa mundial, o Brasil ainda produz excelentes fotógrafas(os) comprometidos(as) em relatar as desigualdades e injustiças que historicamente assolam a sociedade. Neste sentido, não é surpresa para ninguém do meio midiático a coroação com o prêmio Pulitzer de uma vida inteira dedicada ao fotojornalismo contundente do fotógrafo da agência Reuters, baseado em Brasília, Ueslei Marcelino.
A conquista coletiva do prêmio Pulitzer na categoria Breaking News Photography, anunciado no último dia 15, a 11 fotógrafos(as) da agência Reuters reafirma a relevância do fotojornalismo como ferramenta fundamental para compreendermos as questões urgentes da contemporaneidade. Ueslei Marcelino foi ainda eleito fotógrafo do ano da agência Reuters pelo seu árduo e potente conjunto de foto reportagens produzidas no ano de 2017 e agora integra o seleto time de brasileiros que ganharam um prêmio Pulitzer. Antes, apenas Mauricio Lima (2016) havia ganho o prêmio. “Minha vida mudou através da fotografia. Quem ganha com o Pulitzer é a fotografia brasileira que se reforça mas devemos dedicar este prêmio a todas as pessoas que são deslocadas forçadamente de suas casas em busca de uma vida melhor” conta Ueslei. Se para alguns fotojornalismo parece uma profissão solitária, para Marcelino ela é para lá de coletiva:
"Trata-se de um trabalho coletivo e portanto compartilhado com família, editores, fixers e motoristas. Se fomos nomeados 11 fotógrafos vencedores do prêmio, há pelo menos 100 pessoas trabalhando seriamente para que ele acontecesse” conta o fotógrafo que ficou, entre idas e vindas, quase dois meses cobrindo a Caravana de Migrantes que marchava rumo aos Estados Unidos. “Ganhamos o prêmio pelo empenho na pauta. É um registro histórico belíssimo. Mas o que eu guardo na memória com carinho são todas as pessoas com quem conversei e fotografei e pretendo revisitar” diz o fotógrafo cuja imagem premiada registra um pai segurando uma criança de colo enquanto atravessa um rio em meio a bombas de gás numa tarde tensa em uma ponte que divide a Guatemala e o México.
A dedicação de Ueslei à fotografia é admirável e destoa do ambiente de trabalho nacional fortemente marcado pela acirrada competição, vaidade e ego. “É um peso muito grande ser fotojornalista para transmitir informações corretas. É preciso acordar cedo, dormir tarde, checar e re-checar as informações. Isso é fazer jornalismo com responsabilidade”, relata Marcelino cuja personalidade amigável e generosa se destaca entre os pares. Se em muitos momentos o cotidiano maçante das redações rouba a energia vital dos profissionais e consequentemente o material fotográfico produzido se torna repetitivo e ultrapassado, Ueslei Marcelino resgata o amor pelo ofício: “Fotografo minha filha da mesma forma que trabalho em uma pauta, com muita dedicação e amor. Temos que fazer um trabalho com tal nível de excelência que nos tornemos indispensáveis”, reflete. Os tempos não são nada favoráveis para o fotojornalismo mas sua condição primária de estar onde as coisas acontecem somado à capacidade de relatar e denunciar realidades absurdas e desconhecidas do grande público o tornam cada dia mais poderoso neste mundo permeado pela efemeridade. “Estamos nos reinventando. O fotojornalismo é uma missão de vida na qual perdemos muito da nossa vida particular para mostrar o que ninguém quer ver” define Marcelino.
Ueslei Marcelino faz parte de um pequeno grupo de fotógrafos(as) que acredita na coletividade profissional e no talento das novas gerações que trazem consigo trabalhos pulsantes que nos revelam novos aspectos da sociedade brasileira. “Precisamos discutir, debater e conversar sobre fotografia para criar novos espaços para além desta elite do fotojornalismo. Temos que construir um caminho democrático e inclusivo. Existem muitas mulheres com trabalhos fantásticos que ainda são sub representadas pelas instituições culturais e pelos editores dos veículos de imprensa” sintetiza Marcelino. Sem dúvida há um longo caminho, rumo à democracia, a ser percorrido mas existe um exército de fotógrafos e fotógrafas extremamente dedicado em produzir imagens e narrativas poderosas capazes de ampliar nossa compreensão dos complexos problemas do Brasil. O Pulitzer é a premiação máxima dada a jornalistas e fotógrafos de todos os países. Que este belo prêmio venha para lembrar a sociedade da importância do jornalismo feito com seriedade e indispensável para uma democracia sólida. Parabéns Ueslei, merecido é pouco! Viva a dedicação.