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O passo atrás de Bolsonaro no enfrentamento contra Maia

Ministro, governador e deputada costuraram a trégua entre presidente e Rodrigo Maia, mas há dúvidas sobre a permanência do armistício

Paulo Guedes e Rodrigo Maia, no dia 28.
Paulo Guedes e Rodrigo Maia, no dia 28.Luis Macedo (Ag. Câmara)

Após quase duas semanas de ataques verbais, os presidentes da República, Jair Bolsonaro (PSL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-GO), selaram uma espécie de armistício e decidiram dar andamento de fato à reforma da Previdência, o principal projeto que tramita no Congresso Nacional. Não está claro, contudo, até que ponto essa calmaria persistirá. Na próxima quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, participa de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e deve ser alvo de uma série de críticas por parte da oposição. Guedes havia sido orientado nesta semana a não comparecer ao debate. O alerta permanece válido, mas o chefe do Executivo já havia se decidido a enviar seu ministro, alegando que a gestão tem de ser transparente.

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A preocupação da bancada governista é que o responsável pelas finanças parta para o confronto direto com alguns dos congressistas que o provocarem e acabe prejudicando a imagem da “Nova Previdência”, o nome dado pelo Governo à proposta de emenda constitucional que trata das aposentadorias. “O que será discutido na CCJ são apenas questões técnicas como admissibilidade, boa técnica legislativa e constitucionalidade do projeto. Não precisava mandar o ministro. Aliás, se fosse eu o Governo, o blindaria”, afirmou o líder do DEM, Elmar Nascimento. Para ele, o ministro deveria participar somente do debate na comissão especial da Previdência, quando será discutido o mérito da proposta.

Outros dois parlamentares governistas, um deles do PSL que pediu para não ter seu nome publicado, concordaram com essa avaliação e sugeriram que Bolsonaro deveria enviar profissionais técnicos que representassem a Advocacia-Geral da União ou a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. “Se alguém apertar o Guedes como apertaram o Ricardo Vélez, a vergonha pode ser ainda maior. O Vélez se demonstrou perdido, mas é calmo. O Guedes é o oposto. Sabe muito do assunto, mas seu estopim é curto e a experiência política é quase nula”, ponderou o deputado do PSL. Ele faz referência ao embate entre a deputada neófita Tábata Amaral (PDT-SP) e o ministro da Educação. Na ocasião, ela disse que ele era despreparado e pediu que se demitisse da pasta. O vídeo da discussão viralizou e, após a repercussão, gerou uma onda de boatos nas redes sociais de que Vélez havia sido demitido.

Na atual composição titular da CCJ há 26 deputados que fazem oposição ao Governo. Outros 30 que, teoricamente, são da bancada de Bolsonaro. E dez que se dizem independentes. Ou seja, não há uma tropa de choque como costuma ocorrer na relação entre Executivo e Legislativo. “Quem do PSL, por exemplo, é capaz de proteger o Guedes, de fazer a defesa enfática do Governo? Não sei se há”, afirmou Nascimento.

No plenário da Câmara, também o apoio ao Governo é incerto. Na teoria, entre as legendas que apoiam a gestão, há 343 parlamentares, contra 170 opositores. Na prática, esses dados ainda são incertos já que nenhum projeto de relevância apresentado por Bolsonaro foi votado até o momento. Pelo contrário, quando, em meio aos ataques a Maia os parlamentares mostraram espírito de corpo e quiseram demonstrar independência. Em uma única noite, a toque de caixa, eles aprovaram, em dois turnos, a PEC do Orçamento Impositivo. A proposta, que agora tramita no Senado, é uma espécie de pauta-bomba que engessa até 97% das finanças da União.

Guerra e paz

Neste momento, a avaliação no Parlamento é que o Governo perdeu muito tempo com os confrontos entre Maia e Bolsonaro. Desde o início do ano, a popularidade do presidente caiu 15 pontos percentuais. No auge da discussão, quando um acusou o outro de brincar de presidir o país e ao ser provocado de que estava “abalado” com a prisão de seu sogro, a bolsa regrediu e o dólar subiu. Ao mesmo tempo, alguns dos empresários que o apoiavam já não demonstram mais tanta confiança. Ainda emitiram sinais de aprovação ao vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) que se reuniu nesta semana com cerca de 600 representantes do alto empresariado brasileiro na sede Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O temor é que com o passar do tempo, o Governo perca seus três pilares de sustentação: aprovação popular, apoio legislativo e ao menos expectativa positiva na economia.

“O presidente notou que do jeito que estava, todos perdiam. Na minha terra, diria que ele se lembrou do ditado: ‘a língua é o chicote da bunda’. Por isso, resolveu mudar a postura”, avaliou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio Gomes. Na avaliação dele, o pior nesse momento seria se rebelar contra Maia. “O presidente da Câmara, atualmente é o mais hábil político do país. A votação da PEC do Orçamento Impositivo mostrou a força dele”, afirmou.

A aparente paz entre os representantes de dois Poderes foi articulada por pelo menos três pessoas: o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP). Heleno foi o responsável por aconselhar Bolsonaro a reduzir os ataques pessoais contra Maia. Caiado esteve com os dois e pediu para apararem as arestas. Hasselmann, como líder do Governo no Congresso, se reuniu com Maia e ligou para Bolsonaro para passar o recado, conforme seis diferentes fontes, entre parlamentares e assessores do Planalto. Por fim, o presidente chamou o embate de uma “chuva de verão”. 

A questão é que há muitos núcleos no Governo e há a instabilidade de discurso e comportamento do próprio Bolsonaro, algo que para alguns analistas não é fortuito, mas um método para desnortear os interlocutores e a própria imprensa. Nas cercanias do Planalto, seguem assessores como Filipe G. Martins que pregam abertamente o enfrentamento para se manter fiel à retórica de campanha —e nesta estratégia as declarações contra a "velha política" são essenciais. As próximas semanas mostrarão se o céu já está realmente limpo e se essa trinca será capaz de ajudar Bolsonaro e Maia de alguma forma.

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