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Explosivo relato de ex-advogado agita o debate sobre o impeachment de Trump

Depoimento de Michael Cohen no Congresso obriga os democratas a conjugarem a vontade de destituir o presidente com o pragmatismo de esperar as conclusões do procurador Mueller

Pablo Guimón
Michael Cohen, ex-advogado pessoal de Donald Trump, ao final de seu depoimento no Congresso, nesta quarta-feira
Michael Cohen, ex-advogado pessoal de Donald Trump, ao final de seu depoimento no Congresso, nesta quarta-feiraMANDEL NGAN (AFP)

“Fé é subir o primeiro degrau, mesmo quando você não vê a escada completa.” Ao dar início a uma jornada histórica em Washington, Elijah Cummings, presidente da comissão parlamentar que interrogou Michael Cohen nesta quarta-feira, citou Martin Luther King para elogiar o passo dado pelo ex-advogado de Donald Trump ao trair o chefe a quem serviu fielmente durante dez anos. Mas suas palavras, retrospectivamente, ilustram também o dilema que enfrentam os próprios correligionários de Cummings no Partido Democrata: o depoimento de Cohen alimentará a fé daqueles que querem dar o quanto antes o primeiro passo para o impeachment do presidente; mas os mais pragmáticos percebem que, ao menos por enquanto, a escada não está totalmente visível.

A importância do depoimento de Cohen esteve não tanto no detalhe das acusações, mas sim na descrição em primeiríssima mão da forma de atuação do presidente, um assombroso relato de um procedimento quase mafioso, que funciona como poderoso complemento ao trabalho mais técnico dos promotores federais que o investigam. Seu grande ponto fraco: Cohen é um reconhecido mentiroso, que irá para a prisão, entre outras acusações, por ter faltado à verdade justamente na instituição perante a qual compareceu na quarta-feira.

A fala de Cohen acarreta um desafio para os democratas. Sua recém-estreada maioria lhes permite utilizar os recursos do Congresso para investigar o presidente, como se viu na quarta-feira. Mas o elemento mais sensível, que mais ameaça a coesão da heterodoxa bancada democrata saída das eleições legislativas de novembro, é o debate sobre a conveniência ou não de iniciar um processo de destituição do presidente.

A Constituição atribui à Câmara de Representantes (deputados) a autoridade de iniciar, por maioria simples, o processo de impeachment com a finalidade de destituir o presidente por “traição, suborno ou outros crimes e faltas graves”. Depois, tem lugar um julgamento no Senado, que decide, por maioria de dois terços, se condena e destitui o chefe de Estado.

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Nancy Pelosi, astuta presidenta da Câmara de Representantes, conseguiu até agora neutralizar o debate entre os moderados da bancada democrata, escolhidos em distritos mais conservadores, e a ala esquerdista do partido, ansiosa por, nas palavras da jovem congressista Rashida Tlaib, “destituir esse safado”. A pergunta, depois do testemunho de Cohen, é por quanto tempo ainda será possível silenciar essa discussão.

“Não vi nem uma só palavra”, respondeu Pelosi aos jornalistas que pediam sua opinião sobre o depoimento de Cohen. “Vou lhes dizer uma coisa: importam-me muito mais as más políticas de Donald Trump que sua má personalidade”, acrescentou.

Os mais moderados sabem que o impeachment dificilmente prosperará no Senado, onde os republicanos ocupam 53 dos 100 assentos. E temem que empreender um processo condenado ao fracasso alimentaria a imagem de um Partido Democrata radical, como tanto gosta de explorar o presidente, e que isso lhes custará caro junto ao eleitorado centrista, considerado imprescindível para uma vitória na eleição presidencial de 2020.

A estratégia da liderança democrata é conter o ímpeto dos mais indignados e esperar a iminente conclusão da investigação do promotor especial Robert Mueller. “Vou repetir: precisamos esperar o relatório de Mueller e ver o que ele diz”, disse aos jornalistas o líder da maioria democrata, Steny Hoyer. Mover qualquer peça antes das conclusões do promotor especial, argumentam os líderes democratas, seria um suicídio eleitoral.

Mas o depoimento de Cohen foi poderoso. Além disso, ele mostrou um cheque, assinado pelo próprio presidente, com o qual este teria lhe reembolsado o pagamento destinado a silenciar uma atriz pornô com quem Trump supostamente manteve um relacionamento extraconjugal. Essa manobra durante a corrida presidencial de 2016 poderia envolver o magnata em um crime de financiamento ilícito de campanha, e a pressão da ala esquerdista para proceder com o impeachment crescerá. Mas uma parlamentar de destaque nesse grupo, Alexandria Ocasio-Cortez, que numa entrevista publicada na própria quarta-feira pela Rolling Stone dizia que “sem dúvida” votaria pelo impeachment de Trump, saiu mais cautelosa do depoimento de Cohen. “Os documentos nos foram entregues esta manhã, precisamos examiná-los”, afirmou.

A história dá a razão a quem pede paciência: até hoje, apenas dois presidentes sofreram um processo de impeachment: Andrew Johnson em 1868, e Bill Clinton 130 anos depois. Em ambas as ocasiões, a Câmara de Deputados aprovou formalmente as acusações, mas o Senado absolveu os presidentes. Mas há outro cenário possível: em 1974, depois do escândalo de Watergate, a Câmara também iniciou os trâmites para o impeachment de Richard Nixon, mas ele renunciou antes da votação no plenário.

A verdade é que, para que um processo de destituição prospere, os democratas precisam convencer alguns senadores republicanos. E se as conclusões dos dois anos de investigação de Mueller forem suficientemente contundentes, como já advertiu Pelosi, serão assim tanto para os democratas quanto para os republicanos. Seria difícil, para os defensores menos ardorosos de Trump, defender que conspirar com Moscou para ganhar as eleições e tentar obstruir o funcionamento da Justiça não constituem o “crime ou falta grave” de que fala a Constituição.

Além da investigação de Mueller, a recém-estreada maioria na Câmara dá aos democratas a possibilidade de escrutinar melhor a Administração de Trump e seus negócios e finanças pessoais. Tudo isso contribuirá para elaborar os argumentos para um eventual impeachment. O depoimento de Cohen é, voltando às palavras do reverendo King, só o “primeiro degrau”. Ninguém vê a escada completa por enquanto.

Advertência aos republicanos

O presidente Trump – que se encontrava na cúpula com o norte-coreano Kim Jong-un no Vietnã enquanto Michael Cohen prestava depoimento em Washington – questionou a credibilidade de seu ex-advogado, como já haviam feito os congressistas republicanos durante o depoimento. "Mentiu muito", disse Trump, destacando que a única verdade que falou foi ao negar uma conspiração com a Rússia. O fato é que o ex-advogado não negou que seu ex-chefe ou sua campanha tenham conspirado com a Rússia; ele disse apenas que não tinha provas de que isso tenha ocorrido. Cohen, em um dos momentos mais graves de seu depoimento, dirigiu-se aos legisladores republicanos para lhes advertir dos riscos de defender Trump. "Sou responsável por sua estupidez, porque eu fiz durante dez anos o mesmo que vocês fazem agora", disse. "Só posso alertar às pessoas: quem seguir cegamente o senhor Trump como eu fiz sofrerá as mesmas consequências que sofro agora."

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