Soldados venezuelanos matam dois compatriotas na fronteira com o Brasil
O fechamento da passagem determinado por Maduro não impediu que pessoas atravessassem por atalhos
Os preparativos na fronteira do Brasil para enviar ajuda humanitária à Venezuela estão avançando com o baixo perfil que tem caracterizado o envolvimento do Governo de Jair Bolsonaro na operação. O clima é bem diferente do existente em Cúcuta (Colômbia). Apesar da discrição das autoridades brasileiras, horas depois que o líder chavista Nicolás Maduro fechou, na quinta-feira, a única passagem fronteiriça entre os dois países, ali perto, do lado venezuelano, ocorreu o primeiro incidente violento relacionado à ajuda humanitária. Soldados venezuelanos abriram fogo contra compatriotas indígenas em Kumarakapay, a 80 quilômetros da passagem de Pacaraima. Dois civis morreram e pelo menos 12 ficaram feridos, confirmaram líderes indígenas à agência Reuters.
O incidente entre soldados venezuelanos e indígenas ocorreu no lado venezuelano da fronteira com o Brasil. O venezuelano Salomón Pérez, de 45 anos, chegou nesta sexta-feira ao hospital de Boa Vista na mesma ambulância em que transferiram seu irmão Alfredo, de 48 anos, ferido de bala. Dois de seus sobrinhos, de vinte e poucos anos, também são admitidos junto com seis outros indígenas Pemón-Taurepan. O incidente ocorreu no início da manhã em sua comunidade, Kumarakapay, a cerca de 80 km da fronteira. "O Exército, a Guarda Nacional, chegou para proteger a fronteira. Os indígenas saíram na estrada para conversar com o general e começaram a atirar ", explica este membro da comunidade indígena. Os feridos conseguiram atravessar a fronteira de ambulância, embora a Venezuela tenha decretado o fechamento na quinta-feira.
O Governo de Bolsonaro está armazenando alimentos e remédios em uma base aérea de Boa Vista, capital de Roraima, um dos Estados mais pobres do país. Lá aterrissou nesta sexta-feira um avião de carga C-767 da Força Aérea Brasileira carregado de arroz, açúcar e leite em pó doados pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), informou ali mesmo seu representante no Brasil, Michael Eddy. O carregamento também incluía várias caixas de medicamentos entregues pelo Governo do Brasil. Segundo o representante norte-americano, até este sábado devem chegar a Boa Vista 178 toneladas de ajuda humanitária. O Governo não detalhou qual será sua contribuição total. Também é uma incógnita quando e por quem os suprimentos serão transportados para o território venezuelano.
O plano de Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino da Venezuela pelos EUA, boa parte da América Latina e quase toda a União Europeia, de que a ajuda entre simultaneamente neste sábado pelas fronteiras terrestres da Venezuela, enfrenta aqui o fechamento do único posto fronteiriço nos 2.100 quilômetros de fronteira entre o Brasil e seu vizinho do norte. O fechamento determinado por Maduro não impediu que algumas pessoas atravessassem a fronteira nesta sexta-feira usando atalhos adjacentes ao posto fronteiriço de Pacaraima, assinalou a imprensa local. Guaidó divulgou pelo Twitter um decreto em que, entre outras coisas, ordena que os militares venezuelanos reabram o posto fronteiriço com o Brasil.
O desafio lançado por Guaidó contra Maduro em torno da distribuição de ajuda humanitária colocou Bolsonaro em um campo minado. Por um lado, é a chance de o presidente brasileiro reforçar sua nascente aliança com o EUA de Donald Trump (principal aliado de Guaidó nesta operação) e de contribuir para que Maduro abandone o poder. Mas, por outro lado, Roraima é o único Estado brasileiro não conectado à rede nacional de eletricidade. Dois terços de seu fornecimento de energia elétrica vêm da Venezuela, um assunto importante na dinâmica bilateral, que tem preocupado muito o governador de Roraima, Antonio Denarium, do partido de Bolsonaro.
O Brasil, apesar de sua retórica anti-Maduro, teve de recorrer recentemente a bancos russos, segundo revelação da Folha de S. Paulo, para driblar as sanções impostas por Washington e pagar a Caracas o que lhe devia pela energia. Além disso, a chegada de 95.000 venezuelanos desde 2017 a Roraima gerou manifestações de xenofobia, embora esse total seja apenas uma pequena parte dos 3,4 milhões que deixaram sua pátria.
O incidente entre os soldados venezuelanos e os indígenas ocorreu do lado venezuelano da fronteira com o Brasil quando estes tentavam impedir que os militares avançassem por seu território, que é também um parque natural, afirmaram fontes ligadas a Guaidó em Boa Vista. Os feridos foram levados para um hospital desta cidade.
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