Turim se apaixona por Cristiano Ronaldo
Juventus o blindou diante do caso de suposto estupro, e ele oferece ao time sua melhor versão. Cristiano reanimou o ‘calcio’ italiano e devolveu o orgulho à cidade piemontesa
É outra pessoa. Como se tivesse começado sua carreira novamente, dizem com exagero na quase sempre contida Turim. Alguns detalhes, insistem ao visitante incrédulo, reescreveriam seu passado. No último fim de semana, por exemplo, marcou o segundo gol da Juventus contra o Sassuolo e foi comemorá-lo na área do escanteio. Os torcedores alucinaram quando o viram levar a mão ao rosto imitando a famosa comemoração da máscara de Dybala, inventada pelo jogador argentino, que está passando mais tempo no banco nesta temporada. "Estávamos esperando uma prima donna. E, em vez disso, chegou um atleta humilde, que dá exemplo", afirmam membros do clube, omitindo o histórico narcisista de sua nova estrela.
Cristiano Ronaldo, de 34 anos, que já se tornou o artilheiro da Série A (19 gols) e com o melhor cartão de visitas para os contratos das redes de TV, deu à Juventus justamente o que o time precisava após sete scudetti consecutivos e uma certa estagnação competitiva. O clube está feliz e se sente capaz de tudo com ele, começando com a classificação para as oitavas de final da Champions nesta quarta-feira contra o Atlético de Madrid, no estádio Metropolitano. Mas a operação CR7 vai além do gramado.
O jogador também carrega em seus ombros o relançamento do crepuscular calcio italiano e da cidade de Turim, que definhava após a recusa do Governo para grandes projetos, tais como o trem de alta velocidade entre Turim e Lyon ou os Jogos Olímpicos de 2026, planejados para restaurar o brilho da antiga capital da Itália. CR7 é o elemento estratégico do clube e da cidade para retornar à vitrine global. Uma operação de 360 graus que custou 100 milhões de euros (cerca de 421 milhões de reais) pelo passe e cerca de 85 milhões de euros (357 milhões de reais) ao ano.
Uma quantia que, segundo especialistas, será recuperada com o aumento do preço dos ingressos, chegando à final da Champions e assinando novos contratos comerciais. Especialmente com este último. Desse modo, além dos gols, a imagem de Cristiano é crucial. "Toda a operação está baseada na questão de imagem, e basta um pouco de sombra para perder dinheiro; já vimos isso em outros casos", diz Marco Bellinazzo, autor do best-seller La Muerte del Calcio e conhecedor dos bastidores desta operação.
A grande sombra de Las Vegas
Por isso, os escritórios da Juventus em Turim, um bunker blindado à prova de rumores, despertaram em 5 de outubro do ano passado com um enorme susto. As cotações dos títulos da empresa de futebol, em alta desde a contratação de Cristiano Ronaldo em meados de 2018, caíram 30%. A reabertura do caso de um suposto estupro em 13 de junho de 2009, em Las Vegas, que não havia recebido muita importância até então, preocupou a marca mais importante de roupas esportivas e principal patrocinadora de sua nova estrela. "Estamos profundamente preocupados", afirmou a Nike em comunicado. "Continuaremos monitorando a situação." Foi o suficiente para fazer tremer um exército de advogados e executivos comerciais. Começava, assim, um caminho difícil para o CR7 em um ano em que aceitou uma sentença de 23 meses de prisão por um crime fiscal.
A Juventus, que está em baixa desde o recesso das festas de fim de ano, está blindada e o que tinha de dizer disse primeiro em um único tuíte, com a sintaxe própria de um advogado. Depois, seu presidente, Andrea Agnelli, expressou seu total apoio ao jogador. Segundo ele, bastou olhar Cristiano nos olhos e perguntar-lhe sobre o assunto. "A sensação real é que é um escândalo montado e que será resolvido com dinheiro", dizem membros do clube. Mesmo depois de pouco mais de um mês a promotoria de Las Vegas ter solicitado um teste de DNA ao jogador de futebol. Mas nada disso pesou em campo, na opinião do clube. Os números, desta vez, confirmam a sensação.
Cristiano Ronaldo se adaptou perfeitamente às rotinas da equipe, e Allegri avalia que o jogador se sente confortável em dois sistemas de jogo diferentes. Está com tudo na Série A (19 gols e 9 assistências) e durante meses deixou evidente o vazio no Real Madrid. No vestiário, não há queixas. Inclusive, dizem fontes próximas ao clube, seus colegas estão surpreendidos com sua humildade. É o primeiro a chegar e o último a sair. Dino Zoff, lendário goleiro da Juventus e da seleção italiana, acredita que o clube já está rentabilizando a contratação no nível esportivo e emocional. "Há uma opinião muito positiva sobre ele. Tem contribuído muito para o clube. Não apenas com gols, mas também demonstrando sua liderança. A Juventus está determinada a vencer a Champions, 23 anos depois, e ele trouxe essa vantagem competitiva que talvez estivesse faltando", disse Zoff.
Mudança por segurança
O lema não escrito de Turim é Esageruma nen, que no dialeto piemontês significa algo como "não exageremos". A cidade, quintessência na Itália da discrição burguesa, adora a vida a portas fechadas. Mas a operação Cristiano Ronaldo mudou alguma coisa na cidade, onde até os torcedores do Torino, rival histórico dos Angelli, sorriem ao ter um elemento que revitalize a marca. "Nisso, as cores não importam", exclama Giacomo, dono de uma quitanda no centro da cidade, apontando para a caixa registradora. Nos primeiros meses, todos acompanhavam os movimentos do jogador, isolado em uma mansão na colina (muitos colegas, como Dybala, vivem no centro). Agora, em plena mudança por razões de segurança no residencial da La Mandria, um lugar completamente isolado, ninguém procura mais pelo aríete nas ruas.
Giovanni de Luna, historiador da Juve, acredita que o time vive algo inédito. A capital piemontesa, uma cidade burguesa e atolada em uma crise emocional e econômica em relação ao seu rival de Milão, recuperou algum vigor com Cristiano Ronaldo. "A cidade nunca precisou se alegrar com um elemento do futebol, mas estava deprimida", afirma.
A Fiat saiu de Turim e hoje a cidade se sustenta sobre outros pilares, como a marca de café Lavazza ou o impressionante Museu Egípcio. Sua presidenta, Evelina Christillin, conhece melhor do que ninguém a dicotomia entre a Juve e a cidade. Foi presidenta do comitê executivo que trouxe os Jogos de Inverno de 2006 a Turim, comanda o museu e é membro do conselho da FIFA. Christillin acredita que o impacto da chegada do português não tem precedentes, nem para o futebol italiano nem para a cidade. Por enquanto, Turim e o CR7 vivem uma história de amor.
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