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Oscar
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘Se a Rua Beale Falasse’: Amor supremo

O modo como a câmera se move entre os personagens nos diálogos é um claro indício de que a escrita visual se coloca a serviço de algo tão intangível quanto seu coração neste candidato ao Oscar de melhor roteiro adaptado

Regina King e Colmam Domingo, no filme.
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Alguma coisa acontece quando Tish e Alonso, protagonistas de Se a Rua Beale Falasse — candidato a três estatuetas no Oscar, entre eles o de melhor roteiro adaptado, que estreia nesta quinta-feira no Brasil — se olham e descobrem que o que era uma amizade de infância se transformou em poder transformador da vida e do olhar. É um jogo simples de plano e contraplano, mas não há dúvida de que os olhos que estão contemplando cada um desses rostos são os olhos de um sujeito perdidamente apaixonado. Há um claro ponto de estilização na fotografia de James Laxton, que o diretor Barry Jenkins relaciona com a estética de Wong Kar-Wai, embora, na verdade, flua da fonte Sirk: fundos desfocados enquadram cada rosto, destacando sua beleza. Um detalhe relevante amplia o efeito: os olhares rompem o pacto da transparência, olham diretamente para a câmera, atravessam a tela e questionam o espectador. É um dos muitos detalhes expressivos que, após seu excepcional Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), atestam Jenkins como mestre de uma especialidade anômala numa época em que o cinismo e o sentimentalismo superficial compartilham o mercado: o cineasta é um autêntico ourives da empatia. Sua câmera não captura: acaricia os corpos.

Publicado em 1974, Se a Rua Beale Falasse, quinto romance de James Baldwin, transformou a voz narrativa, cuidadosamente construída, da jovem do Harlem Tish Rivers em instrumento dinâmico de rapsódica vitalidade, capaz de transitar do carinho à raiva enquanto narra como uma poderosa história de amor se torna uma forma de resistência contra a opressão sistêmica sofrida pela comunidade afro-americana. Jenkins consegue o milagre de transformar aquela voz em forma cinematográfica, em puro estilo e, embora tenha se inclinado a uma certa idealização — os amantes são mais bonitos do que o imaginado por Baldwin, o trágico destino de um personagem é omitido... —, o resultado é impressionante.

SE A RUA BEALE FALASSE

Direção: Barry Jenkins.

Intérpretes: Kiki Layne, Stephan James, Regina King, Brian Tyree Henry.

Gênero: drama. Estados Unidos, 2018.

Duração: 119 minutos.

A forma como a câmera se move de um personagem a outro nas sequências de diálogo — especialmente no encontro com o demolido amigo Daniel —, a elegância dos jogos com o foco para criar movimento dentro do plano e a orgânica habilidade para harmonizar os diferentes tempos da história são indícios claros de que a escrita visual deste filme é colocada a serviço de algo tão intangível quanto seu coração. Porque Baldwin e Jenkins falam sobre isto: sobre o afeto — de uma comunidade, de uma família — que envolve dois amantes e transforma seu desejo em invencível couraça contra o ódio.

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