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Governo Bolsonaro
Tribuna
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Para lidar com a China, Bolsonaro tem um instrumento nas mãos

Apesar da aproximação aos EUA, fortalecer a atuação do Brasil nos Brics faria sentido para o novo governo

Comitiva que inclui parlamentares brasileiros na China, em foto da senadora do PSL Soraya Thronicke.
Comitiva que inclui parlamentares brasileiros na China, em foto da senadora do PSL Soraya Thronicke.Instagram Soraya Thronicke
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Jair Bolsonaro prometeu uma revolução na política externa, e as primeiras semanas de seu governo indicam que liderará a mudança mais radical na história das relações internacionais do Brasil, rejeitando muitos dos pilares da tradição diplomática do país. Um alinhamento completo com os Estados Unidos de Trump é a peça central da nova política externa brasileira, com consequências diretas em todas as suas áreas, como fóruns multilaterais, negociações sobre o clima, defesa e conflito Israel-Palestina, nas quais Bolsonaro deverá vir a emular o posicionamento de Trump.

Considerando essa mudança inédita, alguns tentarão convencer o presidente de reduzir a participação do Brasil no grupo BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ou sair dele completamente, argumentando que se trata de mais uma iniciativa petista que merece ser descartada. O chanceler Ernesto Araújo questiona a utilidade do grupo e alega que o Brasil deve buscar laços mais estreitos com países como Israel, Itália, Polônia e Hungria. De fato, considerando que as intensas tensões entre os Estados Unidos e a China são o novo normal - muitos já falam de uma "nova Guerra Fria" - o alinhamento incondicional de Bolsonaro a Trump pode reduzir o escopo de cooperação nas iniciativas lideradas pelos BRICS. Da mesma forma, o mal-estar criado em Pequim pela retórica anti-China de Bolsonaro durante a campanha ainda não foi superado, e os recentes ataques de eleitores de Bolsonaro e de Olavo de Carvalho contra parlamentares do PSL que visitam a China sugerem que a cooperação com Pequim poderá ter significativo custo político.

Reduzir a participação no BRICS, porém, seria uma oportunidade perdida para o novo presidente. Ao contrário, faria mais sentido para seu governo fortalecer sua atuação no bloco para alcançar seus objetivos principais de política externa: ganhar o respeito de Trump e renegociar a relação bilateral com a China.

Diferentemente do que o chanceler Ernesto Araújo parece acreditar, o Brasil não vai ganhar o respeito de Trump expressando admiração incondicional, como Eduardo Bolsonaro fez durante sua primeira viagem recente a Washington. O presidente dos EUA é conhecido por exigir lealdade absoluta e oferecer nenhuma em troca. Trump tem pouco interesse ou incentivo para criar a parceria de longo prazo com a qual sonha o ministro das Relações Exteriores do Brasil. A decisão de Trump de não comparecer à posse de Bolsonaro e enviar apenas o secretário de Defesa, Mike Pompeo, demonstra como será difícil estabelecer laços fortes entre o presidente brasileiro e seu ídolo norte-americano.

Em novembro, Bolsonaro terá oportunidade única de se projetar como estadista globalmente relevante quando sediar a 11ª Cúpula dos BRICS. Ele receberá os líderes da China, Índia, África do Sul e Rússia, além da maioria dos presidentes da América do Sul. Será uma das cúpulas mais relevantes das relações internacionais em 2019 e muito provavelmente o maior evento diplomático do primeiro mandato do presidente. Isso torna Bolsonaro muito mais interessante para Trump do que um fiel cãozinho de estimação, tal como Araújo e Eduardo Bolsonaro acabam por projetá-lo.

Ademais, preocupar-se com a ascensão da China não é motivo para deixar o grupo dos BRICS - na verdade, todos os outros membros do bloco - Índia, Rússia e África do Sul - compartilham muitas das preocupações do Brasil em relação ao tema. A Cúpula Presidencial anual do BRICS e as numerosas reuniões ao longo do ano - entre ministros da Educação, Meio Ambiente, Defesa e assim por diante - proporcionam acesso privilegiado aos líderes políticos chineses, oferecendo uma plataforma única para defender os interesses do Brasil em relação à China. O que muitos críticos do BRICS não percebem é que as reuniões do bloco não se limitam a alinhar ideias, mas também oferecem ao Brasil a oportunidade de influenciar Pequim. Em vez de rebaixar os BRICS, Bolsonaro poderia pensar em coordenar com o premiê indiano, Modi; o presidente russo, Putin; e o presidente sul-africano, Ramaphosa, uma estratégia conjunta para pressionar Pequim em relação ao que os quatro países querem da China.

Seria um erro acreditar que a ideologia de Bolsonaro difere muito da de alguns de seus pares no grupo dos BRICS. Modi e Putin são ambos nacionalistas de direita, que adotam uma retórica chauvinista conservadora e de tom religioso que deixaria Ernesto Araújo à vontade. O Brasil é o único país dos BRICS onde a cooperação Sul-Sul é considerada, incorretamente, uma ideia de esquerda. Ocupando a presidência temporária do grupo dos BRICS neste ano, Bolsonaro tem a oportunidade promover debates sobre temas que preocupam seu governo: defesa, política antidrogas, redução do crime e antiterrorismo. Em algumas dessas áreas, outros países do BRICS têm larga experiência, e o Brasil pode aprender com eles - em particular quando se trata de antiterrorismo, importante para o país se Bolsonaro vier de fato a transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.

Por fim, independentemente da orientação ideológica de seu presidente, qualquer país no mundo hoje – mesmo aqueles críticos a Pequim -- precisa ter o conhecimento necessário para lidar com a China, que caminha para ser em breve o centro econômico do mundo. Com o grupo BRICS, o Brasil já tem a vantagem de ser parte de uma plataforma institucionalizada que facilita a adaptação a essa nova realidade. A importância geopolítica do bloco hoje é maior do que nunca. A 11ª Cúpula dos BRICS ocorrerá em meio a uma profunda incerteza sobre o futuro da ordem econômica global. Isso cria uma oportunidade para o BRICS - e o Brasil nele - assumir um papel mais proeminente.

Oliver Della Costa Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV

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