‘Vidro’: psicopatologia do super-herói e do supervilão
Ao contrário de seus antecessores, o novo filme de M. Night Shyamalan se vê obrigado a aplicar uma rigorosa lógica narrativa e a expor suas surpresas com cálculos óbvios e, talvez, previsíveis
Raras vezes se percebe a importância dos espaços em uma história de super-herói: a base de operações, o covil do vilão, o espaço público como palco do confronto ... E, no entanto, aprofundar a carga simbólica destes espaços foi uma das questões-chave na revolução vivida pelas historietas do gênero no final dos anos 80. Vejamos, por exemplo, a instituição psiquiátrica: o Asilo Arkham do universo DC, tradicionalmente usado como um destino disciplinar para os supervilões de Gotham City, mas reformulado, em obras como Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo, de Grant Morrison e Dave McKean, ou Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, de Frank Miller, como um território de ambiguidade onde se expõe a linha tênue que separa o supervilão do super-herói , duas figuras igualmente patológicas.
É uma feliz decisão que M. Night Shyamalan tenha escolhido o Hospital Estadual de Allentown, na Pensilvânia, como o principal cenário de Vidro, o filme que, em princípio, encerra uma das trilogias mais heterodoxas que inspiraram a mitologia do super-herói. Aqui, o cineasta enfrentou uma radical mudança de regras: se a verdadeira natureza da narrativa se manifestava como guinada surpreendente tanto em Corpo Fechado (2000) – aproximação hiper-realista e deprimente da figura do super-herói – como em Fragmentado (2016) – aparente psychothriller que se transmudava em reflexão sobre a dor como força que engendra o supervilão –, aqui o ponto de partida já se insere explicitamente dentro do gênero. Talvez por essa razão, Vidro, ao contrário de seus antecessores, se veja obrigado a aplicar uma lógica narrativa rigorosa e expor suas surpresas – que existem – com cálculos óbvios e talvez previsíveis.
Apesar disso, Vidro mantém fortes linhas de parentesco com outras obsessões temáticas de Shyamalan: como em A Vila (2004) e A Dama na Água (2006), aqui falamos da construção de uma narrativa e dos efeitos tóxicos ou libertadora que tal história pode ter no público receptor, que acabará sendo seu público cativo e, também, seu círculo de iniciados. O cineasta, talvez presa da própria mitologia que construiu, toma as decisões narrativas mais consequentes – a do cenário do clímax final é modelar –, mas como sempre, o que mais brilha é outra coisa: o estilo, a fluidez da câmera percorrendo os espaços. Em suma, essa firme e cada vez mais anômala confiança no poder da encenação.
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