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Prisão de Battisti, o ‘presente’ de Bolsonaro ao ministro populista italiano no poder

Radical de esquerda italiano, condenado a prisão perpétua por quatro homicídios cometidos nos anos setenta, foi preso na Bolívia. Chegada ao poder do militar da reserva provocou uma guinada radical na política externa brasileira em relação à do PT

Naiara Galarraga Gortázar
Cesare Battisti ao ser preso em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, em foto divulgada pelo Governo da Itália.
Cesare Battisti ao ser preso em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, em foto divulgada pelo Governo da Itália.EFE

A prisão do italiano Cesare Battisti, condenado por quatro homicídios cometidos na década de setenta, quando militava num grupo armado de ultraesquerda, serviu ao novo Governo do Brasil para fazer um aceno diplomático à Itália, atacar o Partido dos Trabalhadores (PT) e criar uma potencial dor de cabeça para o presidente da Bolívia, Evo Morales. Cesare Battisti, de 64 anos, foi detido neste sábado à noite em Santa Cruz de la Sierra por uma equipe da Interpol composta por agentes bolivianos e italianos e chegou na manhã desta segunda-feira na Itália. Battisti fugiu em dezembro do Brasil, onde vivia havia vários anos, depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux ordenou sua prisão preventiva para possível extradição. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, ambos de extrema direita, trocaram felicitações pelo Twitter —Salvini foi ao aeroporto para recepcioná-lo em solo italiano.

No início da noite, o Governo brasileiro confirmou que Battisti, que atuava num grupo denominado Proletários Armados para o Comunismo, seria entregue diretamente à Itália. O Governo de Bolsonaro, em um primeiro momento, havia alegado que o preso deveria retornar primeiro ao Brasil. Entretanto, ao anunciar a prisão, o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte afirmou que ele seguiria direto de Santa Cruz para Roma. Em nota numa rede social no final da tarde de domingo, Conte agradeceu ao Governo brasileiro pela "colaboração efetiva" que levou à prisão de Battisti. "É um agradecimento com o qual sinto que também posso interpretar o sentimento das famílias das vítimas e de todos aqueles que pediram justiça. Estamos satisfeitos com este resultado que o nosso país tem esperado por muitos anos", afirmou.

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O assassino sentenciado entrou na Bolívia com documentação falsa, segundo uma fonte do Governo boliviano citada pelo France Presse. Ao ser detido, na rua, não opôs resistência. A Itália há anos solicitava ao Brasil que entregasse Battisti, até que no mês passado, em plena transição de governo, sua perseguição foi reativada com um decreto do então presidente Michel Temer. O agora detido se tornou então um elemento central da incipiente relação entre Bolsonaro, ainda como presidente-eleito, e Salvini. O ultradireitista italiano, homem-forte do seu Governo, pediu publicamente e sem rodeios ao seu aliado ideológico que colaborasse. “Darei um grande mérito a Bolsonaro se ajudar a Itália a ter justiça nos dando esse presente”. Um mês depois, Battisti está sob custódia policial e mais perto de ser entregue à Itália.

O presidente Bolsonaro respondeu neste domingo ao líder da Liga italiana, usando também o Twitter – novo canal diplomático por excelência: “Parabéns e conte sempre conosco, ministro Salvini”. Horas antes seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal, já tinha anunciado ao italiano que “o presentinho está chegando”.

A captura de Battisti foi celebrada na Itália não só por Salvini, mas também por dirigentes políticos como o presidente Sergio Mattarella e o ex-primeiro-ministro esquerdista Matteo Renzi. Um avião italiano já está a caminho da Bolívia para assumir a custódia do detento.

Bolsonaro aproveitou a ocasião para jogar o caso Battisti na cara do PT.  Cesare Battisti conseguiu não ser extraditado para o seu país quando o presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia do seu segundo mandato (31 de dezembro de 2010), decidiu recusar a ordem de extradição não vinculante ditada pelo STF. “Finalmente se fará justiça com o assassino italiano e companheiro de ideias de um dos Governos mais corruptos que já existiram no mundo”, tuitou neste domingo o novo mandatário brasileiro.

Battisti não é um desses prófugos como os nazistas de antigamente ou o militante de ultradireita espanhol Carlos García Juliá, condenado pelo massacre de Atocha na transição democrática espanhola e detido em São Paulo em dezembro passado. O italiano, diferentemente daqueles, não levava uma vida discreta, tentando passa despercebido. Depois de ser condenado à prisão perpétua na Itália por quatro crimes que diz não ter cometido, Battisti se instalou na França, onde se tornou um bem-sucedido escritor de romances policiais. Em meados dos anos noventa teve que retomar a fuga. Primeiro, para o México; depois para o Brasil, onde se casou e um teve um filho.

A chegada ao poder do militar da reserva provocou uma guinada radical também na política externa brasileira em relação à do PT. Bolsonaro participa dessa rede de mandatários nacionais-populistas liderada pelo magnata Donald Trump (Estados Unidos), e na qual militam de maneira destacada Salvini (ministro e líder da xenófoba Liga na Itália), Benjamim Netanyahu (Israel) e Viktor Orban (Hungria). O caso Battisti lhe serve agora para estreitar laços com a Itália.

Paralelamente, a detenção e o processo de entrega poderiam colocar o presidente boliviano em uma posição difícil. Morales é o último dos representantes da esquerda que dominou a América Latina no ciclo anterior que não foi defenestrado por seus vizinhos, e o único mandatário esquerdista da região que compareceu à posse de Bolsonaro 12 dias atrás em Brasília, ato para o qual foram desconvidados os Governos da Venezuela, Nicarágua e Cuba.

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