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Dez dias de Bolsonaro: choque de realidade e desgastes com indicações em estatais

Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro já recuou de dez anúncios, teve que exonerar um indicado para o Itamaraty e agora recebe críticas por nomear amigo para gerência da Petrobras

O presidente Bolsonaro no dia 9, na Marinha.
O presidente Bolsonaro no dia 9, na Marinha.Mateus Bonomi (GTRES)

Que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) reage facilmente à opinião pública, quase todos já sabiam. É algo que ficou bem claro em sua campanha eleitoral movida aos moinhos das redes sociais. O que não se esperava eram tantas idas e vindas como as ocorridas nos primeiros dez dias de Governo. Foram ao menos dez, até a manhã desta sexta-feira. Todas ocorridas diante do choque de realidade do Governo, o que fez até subordinados do segundo escalão desmentirem afirmações do presidente —como no caso em que ele disse ter assinado um decreto de aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF), que acabou sendo negado por Marcos Cintra, secretário da Receita, órgão vinculado ao Ministério da Economia.

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Na ocasião, coube ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, amenizar os deslizes de seu chefe. “Acredito que aquilo foi fruto de uma primeira semana, o peso em cima das costas do presidente é muito grande, ele acaba ouvindo muita coisa sem ter tempo nem de conferir se o que ele ouviu está valendo ainda”.

Assessores acabaram orientando Bolsonaro a não tratar de temas econômicos publicamente. E, excluindo suas postagens nas redes sociais sobre a alta do índice da bolsa de valores e da queda do dólar, os pedidos foram atendidos. A coleção de recuos mais recente completou-se na quarta-feira passada, quando três vieram à tona: as mudanças dos livros didáticos, o fechamento da Emissora Brasil de Comunicação (EBC) e a suspensão da reforma agrária —as duas últimas amplamente comemoradas por sua base de eleitores.

Antes, o Governo já havia revisto decisões relacionadas ao reajuste do salário mínimo —que não ia ser assinado no dia 1º, mas acabou o sendo; ao aumento do IOF e à redução do imposto de renda para a faixa mais alta, de 27,5% para 25%; no uso do nome do presidente na comunicação oficial —algo que foi considerado ilícito; na instalação de uma base americana no Brasil —dito pelo mandatário em uma entrevista ao SBT e depois criticado pelos próprios militares aliados; na revisão do acordo entre a Boeing e a Embraer —que acabou sendo aceito nesta quinta após a ameaça de não sê-lo; à “despetização” da Casa Civil e; ao veto ao nome do ex-ministro Carlos Marun (MDB-MS) para um cargo de conselheiro da Itaipu.

Essas últimas duas medidas foram tipicamente políticas. A primeira, anunciada pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, implicou na paralisação dos trabalhos da Comissão de Ética Pública porque com uma canetada ele demitiu 16 dos 17 funcionários do órgão sob o argumento da "despetização". Cinco dias depois, tiveram de ser readmitidos. No caso de Marun, antes de assumir, Bolsonaro sinalizou que não aceitaria a indicação do ex-ministro de Michel Temer. Voltou atrás porque era agradecido a Temer por ter colaborado com a equipe de transição. Pelas regras, nenhum dirigente partidário pode ocupar cargos em conselhos de empresas da União. Marun é um dos vice-presidentes do MDB de Mato Grosso do Sul.

Ao longo da semana, uma outra decisão também ameaçou ser revista, a da demissão do presidente da Agência de Promoção e Exportações do Brasil (Apex), Alecxandro Carreiro. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou, pelo Twitter, que Carreiro havia pedido demissão. Filiado ao Patriotas, indicado para o cargo pela bancada do PSL e nomeado pelo presidente Bolsonaro, ele se negou a deixar a função. Até deu expediente ao longo do dia na agência, o que gerou um mal-estar entre o Itamaraty e o Palácio do Planalto. Apesar de a Apex estar vinculada ao ministério, a nomeação de seu presidente é feita pelo chefe do Executivo. Diante da confusão generalizada, Bolsonaro decidiu, por fim, exonerar Carreiro na manhã desta sexta-feira e indicar o embaixador Mário Vilalva, escolha do ministro da pasta. Em dez dias de Governo, já houve a primeira baixa.

Uma crise resolvida, logo se emendou uma nova polêmica: o presidente passou a ser criticado nas redes após ter anunciado em seu Twitter na tarde desta quinta-feira a indicação de Carlos Victor Guerra Nagem para o cargo de Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras. O nome ainda será submetido aos procedimentos internos de governança da Petrobras, alertou Bolsonaro, que adiantou que o indicado é funcionário da estatal há 11 anos, seis deles nesta área, que possui mestrado em administração, tem dez anos de docência e é capitão-tenente da Marinha. Em um primeiro post, terminava a apresentação alertando que a "era do indicado sem capacitação técnica acabou". Mas apagou o tuíte e o refez, sem esta última frase. A imprensa revelava algo que ele deixou de fora: Nagem é amigo de Bolsonaro. As críticas logo surgiram e foram rebatidas por ele ironicamente, também na mesma rede social nesta manhã: "Peço desculpas à grande parte da imprensa por não estar indicando inimigos para postos em meu Governo!"

Como é movido pelas redes sociais, Bolsonaro e seu entorno, as aproveitam como espaço para se defender das críticas relativas a tantos recuos. Em seu Twitter, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um de seus filhos políticos, replicou uma postagem que apresentava o roteiro que a mídia faria do Governo. Diz o texto: “Consultei meus búzios e afirmo que amanhã: 1. Imprensa publicará notícia sobre um ato ‘polêmico’ do governo; 2. Os peões da internet compartilharão até dar calo nos dedos; 3. O Governo emitirá nota desmentindo e/ou esclarecendo; 4. Imprensa dirá que ‘presidente recuou’”.

O próprio presidente, defende-se de duas maneiras. A primeira delas, é atacar a imprensa. Foi o que fez com O Estado de S. Paulo, um dos jornais que revelaram as mudanças relacionadas aos livros didáticos que seriam comprados pelo Governo. Pelas regras publicadas em 2 de janeiro, haveria uma flexibilização do controle de erros, se permitiria publicidade nas obras enviadas às escolas e não se exigiria mais referências bibliográficas nas publicações. Disse o presidente: “É notório o nível de desinformação nas manchetes deste jornal. A referida medida foi feita pelo Governo anterior e corrigida por nós”. A afirmação não é 100% correta, já que as alterações foram publicadas no dia 2, já na gestão Bolsonaro. A segunda de suas estratégias é ressaltar como o mercado tem reagido positivamente ao seu Governo. Sugere, inclusive, que oscilações positivas em outros países são relacionadas ao Brasil. “O cenário mundial somou-se ao otimismo no Brasil com o novo Governo.”

Os recuos quase diários ocorrem em um momento de parcial calmaria em Brasília. Até o início de fevereiro, nem o Judiciário nem o Legislativo estão trabalhando. Para aliados do presidente, é tempo para um freio de arrumação. Ao menos para ajustar a comunicação governamental.

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