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Kevin Spacey vai responder na Justiça por abuso sexual de menor

O ator, que caçoa de sua situação, compareceu ao tribunal nesta segunda-feira para o primeiro julgamento de uma série de acusações

Yolanda Monge
Kevin Spacey na chegada ao tribunal do condado de Nantucket, em Massachusetts.
Kevin Spacey na chegada ao tribunal do condado de Nantucket, em Massachusetts.Steven Senne (AP)
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Kevin Spacey não pronunciou uma única palavra durante a audiência de quase 11 minutos perante um juiz distrital no condado de Nantucket, Massachusetts, enquanto eram lidas as acusações de suposta agressão sexual contra um jovem de 18 anos, em julho de 2016. Durante a audiência, não houve declaração de culpa ou inocência do vencedor do Oscar. A promotoria concordou em não pedir fiança. E Spacey apenas se limitou a acenar com a cabeça quando o juiz Thomas Barrett o informou que ele não precisava ficar o tempo todo em pé e que poderia sentar se quisesse.

O advogado do ator, Alan Jackson, tentou desmantelar a acusação do jovem William Little, filho de Heather Unruh, uma famosa ex-apresentadora de um canal de televisão de Boston, alegando que o adolescente não denunciou os fatos de imediato, ao que o juiz pediu que todas as comunicações eletrônicas do então adolescente sejam protegidas para que nenhuma evidência seja apagada. Spacey pode pegar até cinco anos de prisão se for condenado. Little acusa o ator de o ter atacado em um bar da exclusiva Nantucket. "Spacey pagou ao meu filho uma bebida atrás da outra [ele menor na época, impedido legalmente de beber nos EUA, onde a idade mínima é de 21 anos] e depois o atacou sexualmente", afirmou Unruh. A jornalista foi uma das primeiras pessoas a mencionar Spacey após a eclosão do escândalo do produtor Harvey Weinstein em outubro de 2017 e depois que o ator Anthony Rapp acusou Spacey de abuso sexual durante uma festa em 1986, quando tinha apenas 14 anos.

Rapp abriu a Caixa de Pandora. Foi o início do fim para o ator de Seven. Spacey reagiu rapidamente. Mas mal. Para justificar seu comportamento, o ator vencedor do Oscar se desculpou e fez isso publicando uma declaração em que revelou sua homossexualidade. Foi como jogar vinagre na ferida. Sarah Kate Ellis, presidente da GLAAD (organização fundada por pessoas que compõem o coletivo LGBTQ), disse: "Não estamos interessados na orientação sexual de Spacey, mas no fato de que um menor sofreu abusos sexuais”.

A acusação em Nantucket é a primeira de uma série  que o ator de 59 anos pode enfrentar. Há outros casos em investigação, provenientes de mais de 30 alegações de suposta agressão sexual em Los Angeles e na Inglaterra. O juiz marcou uma data para uma nova audiência, 4 de março, na qual Spacey não precisará comparecer.

Visivelmente desanimado e cansado, vestindo um terno cinza com uma camisa lilás e uma gravata de bolinhas, o ator chegou ao tribunal, onde dezenas de jornalistas, tanto locais quanto internacionais. Spacey pediu ao juiz algumas semanas atrás para não comparecer pessoalmente a fim de evitar um circo midiático na pequena cidade costeira, que no inverno não excede 10.000 habitantes, mas o magistrado rejeitou o pedido. Nesta segunda-feira, o juiz não determinou a fiança, mas ordenou que o ator de House of Cards não tenha contato com a suposta vítima e sua família.

Vida reclusa

Spacey vive recluso em um luxuoso apartamento com vista para o mar na cidade de Baltimore (Maryland), a menos de uma hora da Casa Branca, da qual foi presidente na série de ficção House of Cards. Fotos obtidas pelo The Daily Mail mostram, através das janelas da residência de cerca de seis milhões de dólares (22 milhões de reais) imagens da CNN com fotos do ator. Talvez Spacey esteja preparando sua defesa. Ou talvez se recorde que, sem dúvida, o tempo passado tenha sido melhor, assistindo de vez em quando as suas antigas glórias cinematográficas e televisivas.

Por ora, a história recente do cinema e da televisão o apagou, no que constitui um exercício quase stalinista de negação do passado. O diretor Ridley Scott, com o filme Todo o Dinheiro do Mundo já finalizado, eliminou Spacey das filmagens e regravou todas as cenas em que ele aparecia, substituindo-o por Christopher Plummer. Mais do mesmo com House of Cards. A Netflix decidiu não contar mais com seu personagem, Frank Underwood. E, atenção, aqui vem um spoiler: a empresa escreveu um roteiro com sua morte e deixou sua mulher, Claire (Robin Wright), como a única protagonista à frente de uma Casa Branca infestada de conspirações e mortes pelo poder absoluto.

Pode ser que Spacey já não saiba quem é. Que confunda realidade com ficção. Caso contrário, não há como explicar ou entender o vídeo que divulgou na véspera do Natal. Em sua cozinha, vestindo um avental com detalhes de Papai Noel e intitulado Let me be Frank (Deixe-me ser Franco) – duplo sentido com a palavra Frank, nome de seu personagem, que se traduz como sincero, direto –, Spacey se enquadra na categoria do surrealismo. Olhando para a câmera, como seu alterego Underwood, imitando o forte sotaque sulista de seu personagem em House of Cards, Spacey se compraz em um monólogo de mais de três minutos em que insinua sua inocência, se defende e flerta com a ambiguidade.

O desafiante vídeo do ator

Desafiador, Kevin Spacey afirma no vídeo, olhando para a câmera: "Eu sei o que você quer. Ah, claro, alguns tentaram nos separar, mas o que temos é muito forte, muito poderoso ". E continua: "Claro, algumas pessoas acreditaram em tudo. Estão esperando com a alma em suspense que confesse tudo. Morrem para que declare que tudo que foi dito é verdade ". Com seu maquiavélico personagem se apoderando dele, o ator afirma: "Se tudo fosse tão simples assim ...". "Mas você não acreditaria no pior sem provas, certo? Você não se precipitaria em julgar sem fatos, certo? Você é mais esperto do que tudo isso ... ", Spacey faz um desafio ao espectador do vídeo, visto por mais de oito milhões de pessoas. Em seguida, lança seu último desafio: "Se aprendemos alguma coisa nesses anos, é que nada deve ser descartado. Você nunca me viu morrer, certo? Certas conclusões podem ser muito enganosas."

E uma última pergunta, íntima, direta ao cidadão-jurado-espectador: "Você sente falta de mim?".

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