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Putin acusa os EUA de elevarem o risco de guerra nuclear

Presidente russo afirma que a decisão norte-americana de abandonar tratados armamentistas leva a “um perigoso precipício”

O presidente russo, Vladimir Putin, durante sua tradicional entrevista coletiva do final de ano, nesta quinta-feira.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante sua tradicional entrevista coletiva do final de ano, nesta quinta-feira.YURI KOCHETKOV (EFE)
María R. Sahuquillo

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, alertou nesta quinta-feira ao Ocidente que o mundo se encaminha para uma situação “muito perigosa” se alguns importantes acordos de controle armamentista não forem mantidos. “Infelizmente há uma tendência a subestimar a possibilidade de uma guerra nuclear, e essa tendência está inclusive crescendo”, afirmou Putin em sua tradicional entrevista coletiva de final de ano. O presidente russo acusou os Estados Unidos de elevarem o risco de choque nuclear com sua decisão de abandonar o crucial tratado bilateral de controle de armas nucleares de curto e médio alcance, e acrescentou que Washington parece ter pouco interesse em prorrogar outro pacto estratégico importante. Isso, advertiu o líder russo, conduz o planeta a “um precipício”.

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“Estamos presenciando a desintegração do sistema de controle de armas”, declarou Putin. “E há uma tendência à redução do limiar para o uso [de armas nucleares]. Mas essa redução poderia levar a uma catástrofe nuclear global”, ressaltou o presidente na coletiva em Moscou, que durou quase quatro horas, e na qual anunciou que seu país desenvolveu armas nucleares que podem lhe dar vantagem sobre outros países, avivando assim o temor de uma situação sem volta. “O New Start [outro tratado bilateral que limita o número de mísseis nucleares estratégicos e de ogivas nucleares da Rússia e EUA] expira em 2021. E ainda não temos negociações em andamento. [Os EUA] não querem falar disso? Não lhes interessa? Bom, tudo bem. Nós estaremos a salvo, sabemos como nos proteger”, disparou Putin.

Desde outubro, quando o presidente Donald Trump anunciou que os EUA deixariam o Tratado sobre Forças Nucleares de Médio Alcance, alegando que Moscou o estava violando, o controle das armas –sobretudo as nucleares– se tornou um dos pontos de atrito mais graves na cada vez mais complicada relação entre os dois países. E também virou uma preocupação para o resto dos jogadores do tabuleiro geopolítico global, que, como a União Europeia e a China, estão tentando manobrar para que Washington e Moscou mantenham o acordo assinado em 1987 pelo então presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo secretário-geral do Partido Comunista da antiga URSS, Mikhail Gorbachov, que previa a destruição de toda uma categoria de armas nucleares.

Nesta quinta-feira, Putin acusou os Estados Unidos de tornarem o mundo menos seguro com sua atitude. “É difícil imaginar o que vai acontecer. Se esses mísseis [dos EUA] forem instalados na Europa, teremos que garantir nossa segurança”, ameaçou o presidente russo, que já insinuou em ocasiões anteriores que a Rússia responderia de “maneira simétrica” à implantação desses mísseis na sua vizinhança.

Putin, que destacou a importância de normalizar as relações com Trump, afirmou ainda que Washington está considerando o uso de mísseis balísticos com ogivas convencionais. O lançamento de um míssil desse tipo poderia ser confundido com um disparo nuclear, desencadeando uma catástrofe global, segundo ele. “Se isso ocorresse, poderia acarretar a destruição de toda a civilização e ser inclusive o fim do nosso planeta”, alertou às quase 1.700 pessoas – em sua grande maioria jornalistas – presentes no auditório. Brandindo a ameaça nuclear, buscou se apresentar como a parte razoável. “Espero que a humanidade tenha suficiente bom senso e senso de autoconservação para não levar as coisas a tais extremos”, acrescentou.

A coletiva anual de Putin virou uma maratona de perguntas e respostas, num show em que o presidente russo dá rédea solta a seu discurso e lança mensagens a aliados e adversários. Tudo isso enquanto os jornalistas tentam chamar sua atenção para obter a palavra – com cartazes, vestindo trajes regionais ou agitando lenços e até bandeiras. Putin, de 66 anos, está no poder, como presidente ou primeiro-ministro, desde 1999, e esta foi sua 14ª. entrevista desse tipo. Culmina um ano em que, apesar de ser reeleito por esmagadora maioria (mais de 76% dos votos), sua popularidade está em declínio devido a uma impopular reforma previdenciária, que aumenta a idade de aposentadoria, e ao estancamento econômico derivado do desabamento do preço do petróleo e das sanções.

Russofobia e sanções

O líder russo tem também cada vez mais frentes abertas no terreno internacional, com a escalada da tensão com a Ucrânia cada vez mais quente, além das revelações sobre as interferências da Rússia em assuntos de outros países. Mas Putin ironizou, inclusive brincado, sobre quem diz que quer dominar o mundo, e afirmou que é o Ocidente que deseja dobrar a Rússia, por causa do seu grande potencial.

De fato, Putin tornou a falar em “russofobia”. E citou como exemplo o caso do ex-espião russo Serguei Skripal, envenenado em território britânico com sua filha Yulia por agentes dos serviços secretos russos, segundo a versão do Reino Unido. “São movimentos políticos, e se não tivesse havido o caso Skripal teriam inventado algo. O objetivo é muito simples: frear o desenvolvimento da Rússia como um possível competidor”, declarou o mandatário.

Putin esquivou-se convenientemente do fato de que tanto os serviços de inteligência britânicos como diversas investigações jornalísticas identificaram os autores do envenenamento como sendo dois agentes de um dos serviços secretos russos (o GRU). Também tratou de minimizar a importância das sanções impostas à Rússia depois do caso Skripal, que se somaram a outras impostas pelo Ocidente a Moscou depois da anexação da península da Crimeia (em 2014), e pelos EUA devido à ingerência nas eleições presidenciais de 2016. Restrições que vão da proibição da importação e exportação de alguns produtos e alimentos – à qual Moscou também respondeu impondo suas próprias sanções – ao bloqueio de contas de oligarcas russos e empresários relacionados ao Governo.

Assim, embora a economia russa esteja estagnada, Putin disse que essas sanções não têm efeito sobre a Rússia, que teria se adaptado perfeitamente às circunstâncias. Afirmou que na verdade é o Ocidente que mais está sofrendo por essas restrições. “As sanções foram contraproducentes para aqueles que as impuseram”, disse. “Para eles [o Ocidente] é notável. Veja a Espanha. Lá eles têm 15% de desemprego. Nós, 3%”, apontou o presidente russo, num momento em que voltam a ser debatidas novas restrições a Moscou devido ao incidente do final de novembro no mar de Azov, quando a guarda-costeira russa abordou, alvejou e capturou uma flotilha ucraniana.

Desde então, a Rússia mantém 24 marinheiros ucranianos sob custódia, acusados de penetrarem ilegalmente em águas que Moscou considera suas. Um fato que causou uma escalada no conflito com Ucrânia e que Putin considerou “uma provocação” de Kiev e do presidente Petro Poroshenko para conquistar apoio com vistas à eleição de março em seu país. “Quanto ao destino dos marinheiros, estes foram enviados para morrer”, acusou o presidente russo, que insistiu em que essa era a estratégia de Poroshenko.

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