OTAN e Rússia usam máquina de guerra para exibição de força às margens do Ártico
Aliança Atlântica realiza na Noruega suas maiores manobras desde a Guerra Fria enquanto Moscou anuncia uma resposta
Cinco explosões terrestres e quatro marítimas alertam que algo está errado no idílico fiorde de Trondheim, no centro da Noruega. O país é alvo de uma incursão militar de uma potência estrangeira, e seu Exército, com o do restante dos países da OTAN, orquestra uma resposta por terra, mar e ar. Essa ficção constitui o episódio central do Trident Juncture, o maior exercício militar realizado pela Aliança Atlântica desde o fim da Guerra Fria, com 50.000 participantes. Apesar da natureza fictícia, a exibição de força militar aliada às portas da Rússia irrita suas autoridades, que improvisaram outra manobra militar na área. É um teste de mísseis que começará nesta quinta-feira, 1º. A tensão está garantida.
"Espero que a Rússia se comporte com profissionalismo. Isso não muda os planos do nosso exercício, apesar de que, claro, vamos acompanhar de perto o que eles fazem", disse nesta terça-feira o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, pouco antes da exibição militar em Trondheim, para a qual EL PAÍS foi convidado. A resposta russa, que terá como palco as águas internacionais do Mar da Noruega, foi notificada na semana passada.
Este enésimo desencontro entre duas forças que conviveram em relativa harmonia desde o início dos anos 1990 até 2014 proporcionou um fundo de realidade para a encenação norueguesa. Depois das palavras do líder da OTAN, cerca de 3.000 soldados de vários países aliados, 22 navios e outras embarcações de guerra, 42 aviões e 14 helicópteros se reuniram em Byneset, um pequeno território dessa região escandinava onde foi realizado um dos exercícios para mostrar garra militar. Depois de uma hora de acrobacias no ar, sucessões de disparos e agitação marítima, os aliados derrotaram o inimigo misterioso que não apareceu em momento algum na encenação.
Enquanto isso duas aeronaves médicas desembarcavam a poucos metros da dezena de casas de madeira que povoavam a cena. Tudo sem alterar uma vírgula na harmoniosa paisagem escandinava, adornada por um pequeno cume nevado.
Fazia anos que a Noruega, o país de origem do líder da OTAN – Stoltenberg foi primeiro-ministro durante nove anos – estava se preparando para este desafio. A edição anterior, em 2015, transcorreu no setor sul da Aliança (Espanha, Portugal e Itália). "A Noruega se prontificou porque queríamos mostrar que somos capazes de trazer todas estas forças para cá", explica May Brith Valen Odlo, agora destacada no Comando Conjunto da OTAN em Nápoles, que combate as ameaças do Sul. Embora o exercício completo esteja sendo feito no momento, as primeiras unidades chegaram à Noruega em 17 de agosto e o último navio partirá em 28 de dezembro, diz o Exército norueguês. "O exercício é algo único. Uma oportunidade para demonstrar a unidade da Aliança ", acrescenta seu companheiro Darko Pntaric, comandante na mesma missão.
Para além de dissuadir qualquer potencial invasor – um cenário considerado muito remoto – o exercício procura reforçar a ideia de defesa coletiva entre os próprios membros da OTAN. Ainda assim, o primeiro que o questiona é o presidente dos EUA, Donald Trump, ao sugerir que quem não gasta o suficiente em defesa não está protegido. "Há uma determinação em demonstrar que a OTAN pode trabalhar em conjunto. Por isso, o mais importante é o número de nações que participam", argumenta o coronel Luis Villar, que dá apoio ao deslocamento aéreo da Trident Juncture a partir da base de Kallax (Suécia). Além dos 29 países aliados, participam das operações a Suécia e a Finlândia, neutras, mas cada vez mais próximas da Aliança, em razão das crescentes preocupações que sentem em relação ao seu vizinho russo.
Risco de ciberataques
Além dos militares espanhóis destacados por parte da OTAN, o Exército da Espanha enviou 1.800 pessoas, segundo dados do Estado-Maior da Defesa. Também contribuiu com sete aeronaves, dois navios e mais de cem veículos. Embora seja um dos países que fornece mais recursos, o papel de suas forças nas manobras na Noruega é limitado.
A encenação colossal de uma hipótese militar clássica, um ataque convencional estrangeiro, contrasta com a verdadeira natureza das ameaças de hoje. Um ataque cibernético de um estado hostil atualmente é muito mais provável que uma incursão terrestre. A voz narrando o exercício praticado nesta terça-feira alertou para um "alto nível de sofisticação" em ciberataques, que pode ser "tão perigoso quanto um ataque convencional." Apesar de tudo, os jogos de guerra continuam sendo realizados em cenários físicos.
Escalada de exercícios nos dois blocos
Tanto a OTAN como a Rússia respondem às maiores turbulências na segurança mundial aumentando o poder de seus exercícios militares. Desde 2014, quando a invasão russa da península ucraniana da Crimeia alterou o equilíbrio entre os dois blocos, as manobras batem recordes.
Os 50.000 soldados, 31 países, 250 aviões, 65 embarcações e navios de guerra e 10.000 veículos que compõem a Trident Juncture empalidecem ao lado dos 300.000 soldados que participaram no mês passado do Vostok-2018, exercício russo também classificado como o maior desde a Guerra Fria (embora as cifras possam estar superdimensionadas). Essas manobras também contaram com a colaboração da China e Mongólia. "O desafio hoje é que tudo é menos previsível", argumentou Stoltenberg.
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