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Clube de tiro e despachante já lucram com política armamentista de Bolsonaro

Mercado já se aquece com proposta do capitão de flexibilizar a posse e o porte de armas ao assumir o Governo

Aluno treina em stand de tiro.
Aluno treina em stand de tiro.Adriana Toffetti / Folhapress)
Gil Alessi

Anselmo Araújo tem motivos para comemorar neste final de ano. Despachante especializado em produtos controlados – “tudo o que o Exército e a Polícia Federal supervisionam” -, ele viu seus negócios crescerem cerca de 40% de junho para cá. “Aumentou muito o número de pedidos de registro de armas de fogo”, afirma. Por um valor que varia entre 800 e 900 reais, sendo 80 reais de taxa e o restante seus honorários, Araújo faz girar as engrenagens burocráticas que possibilitam que um cidadão tenha arma em casa ou no escritório, ou que possa ter pistolas ou revólveres para treinar em clubes de tiro. Desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro para a presidência os negócios do despachante florescem.

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O capitão da reserva já anunciou que deve flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, facilitando a posse (ter arma em casa) e o porte - andar armado, situação que atualmente só é permitida para algumas carreiras como policiais e promotores. A priori, a mudança conta com apoio de boa parte do Congresso, e um projeto de lei neste sentido já tramita na Câmara. “Meu público são civis que procuram uma arma para esporte ou defesa. Nos últimos meses tenho a impressão de que a informação relacionada à possibilidade de se ter armas ficou mais acessível”, afirma Araújo. Segundo ele, no imaginário de boa parte da população “é proibido ter arma de fogo”. “Mas não é. E durante as eleições a mídia, principalmente o Facebook e o Whatsapp, divulgaram mais como é o passo a passo para que alguém possa ter uma arma em casa”, afirma. O próprio presidente eleito acabou popularizando o assunto por meio do gesto que virou sua marca registrada: as mãos em posição de arma, repetida por seus eleitores e fãs.

A concessão do registro de armas pela Polícia Federal quintuplicou nos últimos dez anos, segundo dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação. Em 2008 fora 6.260 novos registros. Em 2017 o número saltou para 33.031. Estima-se que atualmente mais de 330.000 pessoas tenham armas registradas no país. O processo para a concessão do registro exige uma série de exames psicológicos e de aptidão técnica, bem como a apresentação de certificado negativo de antecedentes criminais, comprovante de residência e de atividade lícita. Além de uma justificativa sobre a necessidade de se ter uma arma em casa – uma ONG que milita pelo armamento da população desaconselha que sejam usados “fatos genéricos como o aumento da violência no país” nesta etapa. Em último caso, a concessão ou não do registro é um ato discricionário do delegado da Policia Federal responsável.

Além dos custos do processo para obter o registro, que tem validade de três anos segundo a legislação vigente, o interessado em ter uma arma pode se preparar para desembolsar mais 3.000 reais, o preço médio de um revólver calibre 38 da marca nacional Taurus, que possui praticamente o monopólio do comércio de armas no país. Os modelos mais caros chegam a 6.000 reais. “O prazo entre a abertura do processo e a emissão do registro demora entre 30 e 60 dias”, explica Araújo.

Em clubes de tiro como o Tatical Shoot, em Botucatu, interior paulista, o movimento também cresceu. Marcelo Danfenback, dono do espaço, afirma que a procura por cursos de tiro (um pré-requisito para a concessão do registro) aumentou “mais de 100%” este ano. “Nós temos uma demanda reprimida desde 2007, quando começou o desarmamento de fato”, diz. Danfenback também relata que muitas pessoas buscam o registro do tiro esportivo, que é mais caro e obtido com o Exército, como uma maneira de driblar as restrições impostas pela Polícia Federal na concessão da posse. “É um meio legal que as pessoas encontram de ter uma arma de fogo em casa e se sentirem seguras”, explica. “Eu sou contra a venda indiscriminada de armas. Não acho que distribuir arma para todos será a solução. Mas restringir totalmente a aquisição também não é o caminho”.

O bancário Jefferson de Souza, 29, foi um dos milhares de brasileiros que decidiriam obter o registro de armas de fogo este ano. O primeiro pedido à Polícia Federal foi negado, e ele teve que repetir o processo até obter a autorização. Além de possuir uma arma em casa, para proteção, ele também pratica tiro esportivo e tem outras duas armas avaliadas em 12.000 reais, que utiliza nos stands de tiro (o registro para o tiro esportivo é concedido pelo Exército). Apesar de estar cercado por armas, Souza diz não sentir-se protegido. “Antes de ter armas eu me sentia mais seguro do que hoje. Porque sei que arma é algo que pode ser do interesse do bandido”, afirma. “Sinto que virei um alvo, do momento que saio de casa para o stand de tiro até o momento em que volto”, diz. No entanto, o temor de ser assaltado e se ver obrigado a reagir ou perder seu armamento é suplantado pelo amor à prática do tiro: “Pra mim é terapêutico o processo de limpar a arma, municiar e disparar”.

Souza critica o fato de que no final de contas, a concessão ou não do registro fica à critério do delegado. Mas ele defende o restante do processo. “O exame psicológico é bem completo e sério, demora umas três horas com um especialista conversando com você e te avaliando mentalmente”, diz. Com relação à concessão do porte de armas para “o cidadão comum”, o bancário é taxativo. “Não sou favorável com relação à flexibilização do porte. Liberar o porte de arma em uma país que não tem a cultura da arma é incentivar alguns crimes. Gente alcoolizada armada, motoristas armados brigando no trânsito... Uma arma na cintura de cada um, isso não vai dar certo”, diz.

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