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China prende outro canadense após o ‘caso Huawei’

Pequim confirma que deteve o empresário Michael Spavor e o ex-diplomata Michael Kovrig por “atividades que ameaçam a segurança nacional”

Macarena Vidal Liy
O canadense Michael Spavor (esquerda), com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, em janeiro de 2014 em Pyongyang
O canadense Michael Spavor (esquerda), com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, em janeiro de 2014 em PyongyangAFP

A tensão nas relações diplomáticas entre a China e o Canadá registrou uma escalada drástica. Há dois canadenses detidos pelas autoridades chinesas em aparente represália pela prisão no Canadá, em 1º de dezembro, da diretora financeira do gigante das comunicações Huawei, Meng Wanzhou. Além do ex-diplomata Michael Kovrig, está preso o empresário Michael Spavor, proprietário de uma agência de intercâmbio cultural com a Coreia do Norte. Os dois foram detidos na segunda-feira, 10, não pela polícia chinesa, mas pelo Ministério de Segurança do Estado – responsável pelos serviços de espionagem –, e estão sendo investigados por "atividades que prejudicam a segurança nacional".

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Na coletiva de imprensa diária do Ministério das Relações Exteriores chinês, o porta-voz deste departamento, Lu Kang, confirmou que desde segunda-feira "medidas coercitivas" foram tomadas contra Kovrig e Spavor, “de acordo com a lei". Segundo Lu, os "direitos e interesses legítimos" dos dois cidadãos estão garantidos e o governo canadense foi notificado.

Os dois canadenses compartilham um interesse profissional pela Coreia do Norte. Kovrig, como analista para o Nordeste da Ásia, do International Crisis Group (ICG), um centro internacional de estudos sobre crise internacional, sem fins lucrativos, sediado em Bruxelas e especializado em prevenção de conflitos. Spavor, por sua vez, mantém relações no mais alto nível na Coreia do Norte. Ele foi um dos mediadores e guias na visita do jogador de basquete Denis Rodman a Pyongyang em 2013 e é um dos poucos estrangeiros que conseguiram se reunir com o líder supremo do regime, Kim Jong-un.

Spavor foi preso em sua casa em Dandong, na fronteira entre a China e a Coreia do Norte. Inicialmente, ele conseguiu contatar as autoridades canadenses para notificar que agentes de segurança chineses tinham vindo buscá-lo. Depois, o contato com ele foi perdido. O empresário planejava ir a Seul na segunda-feira. Sua empresa, a Paektu Cultural Exchange, organiza intercâmbios culturais e esportivos e visitas a turistas, e se descreve como uma ONG.

A ministra de Relações Exteriores do Canadá, Chrystia Freeland, que na noite de quarta-feira revelou a segunda prisão, ressaltou que, nos contatos entre os dois governos sobre ambos os casos, o Governo chinês desvinculou essas detenções da prisão de Meng. O Canadá prendeu a executiva a pedido dos Estados Unidos, onde é acusada de fraude com a intenção de violar as sanções dos EUA contra o regime iraniano.

Mas é difícil acreditar que não haja uma conexão. Os dois canadenses foram detidos pelas forças de segurança chinesas na segunda-feira, depois que a China convocou o embaixador canadense, John McCallum, no fim de semana, e advertiu o Governo de Justin Trudeau de "graves consequências" se Meng não fosse libertada imediatamente.

Para o Governo chinês, que um país estrangeiro se atreva a prender Meng é quase um crime de lesa majestade. A Huawei é uma das empresas que a China considera de importância estratégica e, com sua forte presença externa, um dos símbolos da ascensão nacional. Além do mais, Meng é filha do fundador da Huawei – o ex-militar Ren Zhengfei – e a aparente herdeira do império.

Meng está em liberdade condicional depois que um tribunal canadense a fez pagar uma fiança de 10 milhões de dólares canadenses (cerca de 29 milhões de reais) e impôs obrigações como pernoitar entre as 23h e as 6h em sua casa em Vancouver (oeste do Canadá) e sempre usar uma tornozeleira eletrônica que transmita sua localização.

Além de seu interesse comum pela Coreia do Norte, os dois canadenses detidos também trabalham para ONGs. Na quarta-feira, Lu havia afirmado que o Crisis Group, o centro de estudos para o qual Kovrig trabalha, não está registrado na China como uma ONG, tal como a lei prescreve. Se Kovrig estivesse realizando "trabalho relevante" para o ICG em solo deste país, estaria "violando a lei", disse Lu.

A questão é importante. A lei das ONGs estrangeiras, aprovada em 2016 em meio a fortes queixas de organizações estrangeiras, impõe exigências complicadas para operar em solo chinês: desde ter uma instituição local que concorde em endossá-las até aceitar duras restrições ao seu financiamento. Como resultado, desde sua aprovação muitas ONGs optaram por cancelar suas operações na China.

Mas a lei sobre ONGs estrangeiras faz parte do Direito Administrativo chinês, e é a Polícia ­– o Ministério da Segurança Pública – que a aplica. Um suspeito pode ser detido por um período máximo de quinze dias.

No entanto, a acusação de agir contra a segurança do Estado é muito mais séria. Os detidos sob esta suspeita podem ser mantidos incomunicáveis por até seis meses sem acesso a seus advogados ou familiares, e um veredicto de culpado pode implicar anos de prisão.

O Canadá já tem um precedente. Após a detenção em seu solo de um cidadão chinês exigido pelos Estados Unidos em 2014, a China prendeu um casal de missionários cristãos residentes no país, como foi o caso de Spavor, em Dandong. Ela, Julia Garrett, foi libertada depois de seis meses, mas seu marido, Kevin Garrett, só pôde retornar ao Canadá em 2016.

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