Brasil assina pacto global de migração, mas chanceler de Bolsonaro anuncia retirada
165 Estados dos 193 que integram a ONU apoiam primeiro acordo sobre mobilidade internacional de pessoas. EUA boicotaram evento e pressionaram por não adesão
O chamado Pacto Global por uma Migração Segura, Ordenada e Regular foi adotado formalmente na manhã de segunda-feira em Marrakesh por consenso pela conferência intergovernamental da ONU. O encontro teve a participação de representantes de 165 países dos 193 que integram a ONU. O texto contém 23 objetivos não vinculantes aos Estados que o assinam. Pelo Brasil, esteve presente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que exaltou o acordo e lembrou da nova lei de imigração brasileira, considerada positiva. Apesar de o documento não comprometer juridicamente nenhum Governo, só levou algumas horas para que o futuro chanceler do Governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, fosse ao Twitter anunciar que o Governo brasileiro vai se dissociar do pacto no ano que vem. "(É) um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país", escreveu ele.
A desistência tão célere do Brasil foi mais uma vitória dos Estados Unidos, que se opuseram a pacto desde o começo e exerceram até o último momento notáveis pressões para que certos países não participem, como indicaram a esse jornal fontes diplomáticas, da sociedade civil e da organização. Em sua mensagem na rede social, Araújo, que prega uma aliança especial e acima de todos os demais aliados com os EUA, disse que "a imigração deve estar a serviço dos interesses nacionais e da coesão de cada sociedade", e que vai acolher os refugiados venezuelanos, mas que "o fundamental é trabalhar pela restauração da democracia na Venezuela". Também na rede, o atual chanceler Nunes Ferreira reagiu: "Li com desalento os argumentos que parecem motivar o presidente eleito a querer dissociar-se do Pacto Global sobre Migrações. O pacto não é incompatível com a realidade brasileira. Somos um país multiétnico, formado por migrantes, de todos os quadrantes", disse ele, que também lembrou que o acordo afeta os milhares de brasileiros no exterior.
Até o momento, somente uma dezena de países expressou abertamente sua oposição ao pacto. Além dos Estados Unidos e agora o futuro Governo Brasileiro, se destacam Áustria, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Bulgária, Austrália e Chile, país que se afastou um dia antes do começo do encontro de Marrakesh.
Aprovação deve acontecer em sessão em Nova York
1/A imigração é bem vinda, mas não deve ser indiscriminada. Tem de haver critérios para garantir a segurança tanto dos migrantes quanto dos cidadãos no país de destino. A imigração deve estar a serviço dos interesses nacionais e da coesão de cada sociedade.
— Ernesto Araújo (@ernestofaraujo) December 10, 2018
O processo para adotar o pacto começou há 18 meses, ainda que as negociações formais tenham se iniciado em janeiro desse ano e concluído em julho, após seis rodadas. Sua aprovação definitiva depende somente da votação que será realizada em 19 de dezembro na sede da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. De qualquer modo, fontes da organização afirmam que o fato de que somente 165 compareceram, no lugar dos 180 esperados, é irrelevante. “O fato de que alguns não vieram porque perderam o avião ou por qualquer outra razão não significa que não irão adotá-lo”, disse a mesma fonte diplomática. “A Itália e a Suíça, por exemplo, disseram que não viriam a Marrakesh porque queriam submeter o acordo a um debate parlamentar. Mas isso não significa que no final não irão apoiá-lo”, frisou.
Na Bélgica a direita nacionalista flamenga se negou a respaldar o acordo e rompeu a coalizão de Governo da qual fazia parte. De modo que, por fim, a delegação belga foi ao Marrocos, mas com seu Governo rachado. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, foi interrompido duas vezes por aplausos durante seu discurso. Ele lembrou que submeteu o Pacto à decisão de seu Parlamento e foi respaldado por dois terços dos deputados. “Isso demonstra os valores de meu país de apoiar o respeito, a coragem e a responsabilidade. (...) Precisamos de coragem e responsabilidade. Esse é um momento importante e me apresento diante dos senhores tendo tomado a decisão de optar pela cooperação internacional”.
O nível de representação de cada país foi menor do que o esperado. Os chefes de Governo presentes na reunião foram minoria, 21 no total, como informou a presidenta da Assembleia Geral das Nações Unidas, María Fernanda Espinosa. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro português, António Costa, o belga, Charles Michel, e o grego Alexis Tsipras foram os destaques da União Europeia. Outros líderes que pretendiam comparecer, como o presidente brasileiro Michel Temer, delegaram a seus ministros e diplomatas a representação em Marrakesh. Outros Governos reduziram o nível de representação e o número de enviados à reunião.
Em alguns países como a Suíça e o Canadá, a ratificação do pacto causou acalorados debates. Na Espanha, entretanto, a adoção do acordo e a presença do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, não foram contestadas pela oposição. “Os partidos, até mesmo os que usam o fenômeno migratório para conseguir crédito eleitoral, são conscientes da solidariedade espanhola. Os líderes da oposição foram conscientes da importância de se estar aqui e o Governo da Espanha agradece por isso não ter sido motivo de confronto”, disse a Secretária de Estado de Migrações, Consuelo Rumí.
Os organizadores previam a presença do rei do Marrocos, Mohamed VI, e montaram uma tenda para recebê-lo. Por fim, durante a noite de domingo os funcionários da ONU foram informados de que o monarca não estaria na abertura da conferência. O Palácio Real não informou sobre a causa de sua ausência. O país anfitrião ofereceu um almoço às delegações no qual o monarca também não compareceu.
Mohamed VI, entretanto, emitiu um comunicado em que afirmou: “Por enquanto, o pacto mundial é uma promessa que a história julgará. Ainda não é o momento de comemorar seu sucesso (...) “A conferência de Marrakesh é, acima de tudo, uma chamada de atenção. E a África responde à essa chamada agora: Presente! O desafio dessa conferência é mostrar que a comunidade internacional fez a escolha de uma solidariedade responsável”. O monarca também disse: “A página da história que se escreve hoje em Marrakesh honra a comunidade internacional e a conduz mais um passo em direção a uma nova ordem migratória, mais justa e humana”.
O secretário geral da ONU, Antonio Guterres, pediu aos presente durante a inauguração da reunião que não “sucumbam ao medo”. Louise Arbour, enviada especial da ONU à Migração Internacional, acrescentou: “É surpreendente que tenha existido tanta desinformação sobre o que é e o que diz o Pacto [...] Não cria nenhum direito de migrar, não impõe nenhuma obrigação aos Estados”.
A chanceler Angela Merkel, que em 2015 impulsionou na Alemanha a acolhida de 890.000 refugiados e no ano seguinte a de 280.000, recebeu uma clamorosa salva de palmas após sua fala aos representes das delegações. “Precisamos lembrar a nós mesmos que a ONU foi fundada como resultado da Segunda Guerra Mundial. Foi uma resposta ao nacionalismo, uma busca de respostas comuns. É disso que se trata esse Pacto, da cooperação internacional. Essa é a única forma de fazer desse planeta um lugar melhor”.
Vários representantes de delegações consultados afirmaram que o mais importante da conferência de Marrakesh não é que os Estados Unidos e uma dezena de países se oponham ao pacto e sim que o acordo foi adotado pela esmagadora maioria dos Governos que integram as Nações Unidas.
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